quarta-feira, 31 de julho de 2013

Colecção DC Comics: antevisão do Vol. 4 - Super-Homem: pelo Amanhã (Parte 2)

Super-Heróis DC Comics – Volume 4
Super-Homem: Pelo Amanhã (Vol 2)
Argumento: Brian Azzarello
Desenhos – Jim Lee e Scott Williams
Na conclusão da saga épica criada por Jim Lee e Brian Azzarello, o Homem de Aço descobre que foi ele próprio o responsável pelo desaparecimento de um milhão de pessoas, ao criar uma dimensão paralela chamada Metropia, mas esse não é o único dos seus problemas, pois vai ter ainda que enfrentar a Mulher-Maravilha e o mais poderoso de todos os kryptonianos, o General Zod, a serpente que se introduziu em Metropia, o paraíso criado pelo Super-Homem para proteger parte da humanidade de ameaças como a que destruiu o planeta Krypton. Depois de uma primeira parte mais expositiva, apesar dos combates com Equus e com os quatro elementos invocados pela feiticeira Alcione, é a acção que comanda os capítulos finais de Pelo Amanhã, dando oportunidade a Jim Lee de brilhar a alto nível nas disputas entre Super-Homem e a Mulher-Maravilha e, principalmente, no confronto épico entre o Homem de Aço e Zod.
Criado em 1961, por Robert Bernstein e George Papp, nas páginas da revista Adventure Comics, como adversário do Superboy, o General Zod é um kryptoniano como o Homem de Aço, que escapou à destruição do seu planeta-natal por estar aprisionado na Zona Fantasma. Embora nascido na Banda Desenhada, Zod acabou por ficar mais conhecido graças à interpretação inesquecível de Terence Stamp nos dois primeiros filmes do Super-Homem, realizados por Richard Donner e Richard Lester, não admirando que tenha sido escolhido também para vilão principal do filme Man of Steel, com que Zack Snider acaba de relançar o Super-Homem no cinema, onde é interpretado por Michael Shannon.
Mas a presença do General Zod não é o único ponto de contacto entre o Super-Homem cinematográfico de Zack Znider e a visão de Azzarello e Lee. Ambos exploram a ligação do Homem de Aço à mitologia e iconografias cristãs, que a presença do Padre Leone, personagem cuja participação na história vai assumir contornos inesperados neste segundo volume, acentua.
Texto publicado no Jornal Público em 26/07/2013

sexta-feira, 26 de julho de 2013

DC Comics UNCUT 3 - Super-Homem: Pelo Amanhã (Parte 1)


Depois do José de Freitas, chegou a vez deste blog abrir o seu espaço a mais outra pessoa que não eu. Neste caso, ao Filipe Faria, nome grande da fantasia nacional, autor das Crónicas de Allarya e grande fã da DC em geral e do Super-Homem em particular. Foi nessa qualidade que assinou a tradução e o editorial do 1º volume dedicado ao Homem de Aço na Colecção DC Comics. É a versão UNCUT, não censurada deste texto, que aqui se apresenta.

UM ESTRANHO VISITANTE DE OUTRO PLANETA

ENQUANTO SUPER-HERÓI POR EXCELÊNCIA, O SUPER-HOMEM É DONO DE UMA SÉRIE DE COGNOMES, ENTRE OS QUAIS FIGURAM EPÍTETOS COMO HOMEM DE AÇO, HOMEM DO AMANHÃ OU ÚLTIMO FILHO DE KRYPTON (A PAR DE OUTROS, MENOS CONHECIDOS MAS BEM MAIS ALITERATIVOS, COMO ÁS DA ACÇÃO OU MARAVILHA DE METRÓPOLIS). UM DOS MENOS USADOS É ESTRANHO VISITANTE DE OUTRO PLANETA, PROVAVELMENTE POR TER UM EFEITO DE ALIENAÇÃO E SUSCITAR UM CERTO DISTANCIAMENTO DEVIDO À SUA TOADA, QUE REMETE PARA O TÍTULO DE UM FILME SOBRE UMA INVASÃO ALIENÍGENA, OU A DESCRIÇÃO DE UM SER MISTERIOSO, QUIÇÁ AMEAÇADOR.

Está longe de ser essa a primeira coisa que vem à cabeça quando se pensa no Super-Homem, o arquétipo do salvador, o bom samaritano sorridente que salva gatinhos de árvores com a mesma facilidade com que combate déspotas intergalácticos, o modelo heróico a partir do qual os super-heróis como os conhecemos foram moldados. Até pode ter vindo de outro planeta e ser um extraterrestre detentor de poderes que desafiam a compreensão, mas ao mesmo tempo sempre foi visto como o mais humano dos seus pares — se não na acepção biológica do termo, então certamente na ética — pois não só cresceu e foi educado como um de nós, como também sempre o caracterizaram uma incondicional abnegação e uma nobreza de carácter que poucos no Universo DC conseguem igualar. Nas palavras do próprio, algo retiradas do contexto de um dos mais reveladores diálogo deste tomo: «se alguém dedicar a sua vida à humanidade, acabará por se considerar como o mais humano de todos».

É esse o Super-Homem que o público em geral conhece, aquele com o qual se familiarizou ao longo dos anos nas mais variadas encarnações, desde a banda desenhada até ao cinema, com passagem pelos desenhos animados e séries de televisão — aquele que se pode dizer que a personagem na sua essência realmente é. Essa mesma essência é explorada a fundo neste Super-Homem: Pelo Amanhã, que a subverte e desafia ao colocar o Homem de Aço numa situação na qual ele se vê forçado a confrontar e pôr em causa tudo aquilo que representa. Trata-se de uma faceta que raramente vem à tona e que nunca antes fora abordada, não sem ser através das sempre convenientes ferramentas que fazem parte do arsenal de qualquer argumentista de histórias de super-heróis: controlo da mente, possessão demoníaca, indução psicotrópica, clones impostores, realidades alternativas, etc. Pelo Amanhã não recorre a semelhantes artifícios, limitando-se a colocar o herói numa situação na qual um evento misterioso causou o desaparecimento de um milhão de pessoas, entre as quais aquele que é considerado um dos mais importantes esteios da humanidade do próprio Homem de Aço: Lois Lane.

Originalmente rival de local de trabalho e parte integrante de um dos mais famosos triângulos amorosos do mundo da ficção, que dura desde o mítico Action Comics #1 (EUA, 1938), Lois Lane e a relação dela com o Super-Homem é bem conhecida pelo mundo fora, tendo ultrapassado barreiras culturais e artísticas ao tornar-se parte da cultura popular. Ao longo dos anos, entre crises, fraudes matrimoniais, reinícios narrativos, histórias hipotéticas e realidades alternativas, o amor entre ambos foi explorado através de todos os prismas possíveis e imaginários, até que, no ido ano de 1996 (Superman: The Wedding Album), após seis décadas de vai-não-vai, os dois deram finalmente o nó e a famosa repórter acabou mesmo por se tornar na esposa do Homem de Aço, por fim inteirada da mais famosa identidade secreta do mundo dos quadradinhos. No entanto, votos de casamento à parte, ela sempre foi vista acima de tudo como um dos «meros mortais» através dos quais o Super-Homem aprendeu a reconhecer a natureza humana em todo o seu imperfeito esplendor, e por conseguinte um dos mais importantes elos que o unem ao seu mundo adoptivo. Aquando do evento misterioso acima referido, o Homem de Aço vê-se então atingido por dois duros golpes dos quais nem mesmo a sua sobejamente conhecida invulnerabilidade o pode resguardar: a perda da sua mulher, e o saber que falhou para com o mundo, por não ter estado presente para evitar tamanho desastre.

Em resultado do desaparecimento de Lois Lane, é-nos apresentado um Super-Homem bem mais frio e distante que aquele a que estamos habituados, quase assustador no desapego que manifesta e sentindo mais do que nunca o peso do mundo sobre os seus ombros, mesmo enquanto tenta fazer boa cara e passar uma mensagem de esperança àqueles que contam com ele para resolver tudo. Quando a história começa, o nosso herói encontra-se na penúltima fase do luto, a da depressão, na qual se desprende sistematicamente das coisas que nele possam suscitar sentimentos de amor ou afecto, o que, mais uma vez, é um estado de espírito deveras atípico para o Homem de Aço. A tristeza, o arrependimento, o medo e a incerteza de que dá mostras são uma reacção perfeitamente natural e humana em semelhante fase, mas não correspondem àquilo que o mundo espera do seu maior herói em tal situação. É aqui que entra Brian Azzarello, autor mais conhecido por histórias de crime pulp noir (100 Bullets), horror (Hellblazer) e personagens falíveis com os pés bem assentes na terra — à partida, uma escolha no mínimo invulgar para escrever uma aventura sobre um alienígena invulnerável, capaz de voar e de comprimir carvão em diamante com as mãos. Contudo, Azzarello mostra em Pelo Amanhã a sua versatilidade, virando do avesso todas as expectativas ao abordar mais o sagrado do que o profano que dele se esperaria, ficando-se por uma nem por isso velada alusão a armas de destruição maciça e ao papel de uma certa superpotência nos conflitos do Médio-Oriente a título de comentário social. Só que, em vez de se perder em semelhantes considerações e enveredar pelo discurso contestatário fácil através da voz do Super-Homem, Azzarello eleva a personagem ao mesmo tempo que a rebaixa, contrastando-a com a mundanidade que a rodeia e focando mais o super do que o homem que, à partida, seria a sua zona de conforto narrativa. De realçar também que Pelo Amanhã é das poucas histórias em que o Super-Homem se vê como Kal-El, o último filho de Krypton, e não como Clark Kent, a identidade humana com a qual cresceu e foi criado — Clark Kent não aparece sequer, e essa curiosa disfunção na dicotomia que sempre caracterizou a personagem é explorada mais a fundo no segundo tomo.

Que se desenganem, contudo, aqueles que possam julgar que Pelo Amanhã representa uma desconstrução gratuita da figura, ou que os eventos o transfiguram ao ponto de se tratar de outra personagem — este Super-Homem continua a ser movido pelos mesmos motivos de sempre, tal como exemplificado pela sua sucinta e prosaica resposta quando, durante a história, alguém lhe pergunta por que razão ele se dá sequer ao trabalho de tentar salvar toda a gente: «Porque posso». Mal seria, se a única coisa que faz do percursor de todos os super-heróis aquilo que é fosse apenas o amor que sente por uma mulher, afinal de contas. Temos, isso sim, um homem — que, lá por que é super, não deixa de o ser — que perdeu aquilo que lhe era mais querido, e que passou um ano a sofrer as consequências das decisões drásticas tomadas em resultado dessa perda. Perda essa que o deixou incerto quanto à legitimidade de usar os seus tremendos poderes para resolver os problemas de outros à sua maneira, e que o leva a pesar os problemas do mundo contra os do seu foro pessoal, sobretudo quando é confrontado com a pura maldade humana numa altura em que se encontra emocionalmente tão abalado. Mais: o Super-Homem sempre foi uma fonte de inspiração heróica, representando, enquanto mandatário, o melhor que o género humano tem para oferecer e aquilo ao qual todas as pessoas de bem devem aspirar. O que acontece a essa noção, a partir do momento em que um símbolo de esperança como ele corre o risco de perder aquilo que faz dele humano?

Baseada nesta premissa, a DC Comics, editora que sempre se diferenciou da concorrente Marvel devido às suas personagens mais optimistas e idealistas, articula em Super-Homem: Pelo Amanhã um paradigma muito interessante e aparentemente contrário à sua filosofia — e logo através do seu herói mais emblemático. Neste primeiro volume temos uma narrativa ambiciosa, na qual se explora, entre outros elementos, o papel do Super-Homem no seu planeta adoptivo, a legitimidade do uso dos seus poderes para combater outras ameaças que não invasores alienígenas e as criações de cientistas loucos — bem como as inevitáveis consequências que daí advêm — e as proporções quase religiosas que ele foi adquirindo ao longo dos anos, qual deus benevolente a caminhar entre os mortais. A título de exemplo, a repetida ênfase nos motivos, iconografia e simbologia cristãs é tudo menos subtil, veiculadas pela nova personagem Padre Leone através do diálogo estilizado que é o apanágio de Brian Azzarello, e bem patentes nas poses messiânicas e afins detalhes da arte de Jim Lee, que aqui assinala um dos melhores trabalhos da sua lendária carreira. O subtexto religioso trata-se, aliás, de um aspecto incontornável da mitologia do Super-Homem — em cuja origem sempre esteve patente um inegável elemento cristofânico, na forma da analogia secular do filho que é enviado pelo pai para salvar a humanidade, para não falar da sua simbologia como uma divindade solar dos tempos modernos — e a sua prevalência nesta história apenas reforça a quase metafísica crise de fé com que a personagem se depara: deve assumir o papel que boa parte da humanidade de qualquer forma lhe reconhece e agir de forma autocrática para salvar o mundo, qual deus infalível? E qual será o derradeiro preço para a sua humanidade, caso o faça? Talvez já tenha sido pago, quando o próprio reconhece logo no início da história que o seu «pecado» foi «salvar o mundo», qual redentor que começa a pôr em causa o real valor do seu sacrifício em prol da humanidade; isto ao perceber que a verdadeira ameaça reside nos corações daqueles que jurou proteger, o que faz da sua já de si interminável batalha uma luta vã, ainda por cima.

Apesar de tudo, não seria de esperar ver um Super-Homem tão incerto e sorumbático quando a humanidade é vitimada por uma catástrofe sem precedentes, pois em circunstâncias normais uma situação destas seria sem sombra de dúvida «um trabalho para o Super-Homem». Acontece que, ao perder o amor da sua vida e ver-se confrontado com o seu fracasso em proteger aqueles que aprenderam a contar com ele, o Homem de Aço acaba até certo ponto por reverter ao seu legado alienígena em busca de conforto e orientação, por se sentir pela primeira vez na vida como um verdadeiro estranho visitante no seu planeta adoptivo, que devido a isso começa a ver o seu maior herói como uma potencial ameaça. Essa mesma impressão é partilhada pelos companheiros do Super-Homem na Liga da Justiça, que receiam que o maior protector da humanidade possa perder o rumo e pô-la em risco, o que não augura nada de bom para ele ou para o mundo — sendo que o próprio mundo acaba por ter uma palavra a dizer nesta situação, conduzindo a um clímax que, de certa forma, acaba por dar alguma legitimidade aos receios manifestados por humanos e super-humanos em igual medida. E assim se encontram reunidos os ingredientes para uma muito invulgar mas nem por isso menos memorável aventura do Super-Homem, neste primeiro capítulo de um polémico arco de história de grande sucesso comercial, cujo mérito artístico e narrativo lhe merece o lugar nesta colecção.

Filipe Faria

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Colecção DC Comics: Antevisão do Vol. 3 - Super-Homem: Pelo Amanhã (Parte 1)


Super-Heróis DC Comics – Volume 3
Super-Homem: Pelo Amanhã (Vol 1)
Argumento: Brian Azzarello 
Desenhos –  Jim Lee e Scott Williams
Ao mesmo tempo que o seu regresso cinematográfico, pelas mãos de Zack Snyder, conquista as bilheteiras de todo o mundo, o Super-Homem estreia-se nesta coleção com uma história demasiado épica para caber num só volume. Pelo Amanhã, essa história inédita em Portugal, foi originalmente publicada entre 2004 e 2005, nos nºs 204 a 215 da revista Superman, juntando pela primeira vez o desenhador Jim Lee, com o argumentista Brian Azzarello.

Como ponto de partida desta aventura, está um misterioso cataclismo que se abateu sobre a Terra, provocando o inesperado desaparecimento de um milhão de pessoas, incluindo a pessoa mais importante na vida do Super-Homem, Lois Lane, a sua mulher. Apesar de todo o seu imenso poder, o Homem de Aço vê-se impotente perante estes acontecimentos, que não consegue compreender e muito menos controlar. É essa sensação de impotência, estranha num herói com poderes quase divinos, que Azzarello explora muito bem, numa história em que passado e futuro se misturam com traição, esperança, culpa e amizade, e que reequaciona a relação do Super-Homem com o mundo que o acolheu.
Criador da série 100 Bullets, Brian Azzarello, sempre foi um autor associado mais às histórias policiais e ao realismo sombrio, o que não o impede de pegar numa personagem “maior do que a vida” como é o Homem de Aço e construir uma história épica, a que o traço espectacular de Jim Lee, artista que os leitores do Público já conhecem do volume da colecção Heróis Marvel dedicado ao Justiceiro, dá uma dimensão ainda mais icónica.

Pelo Amanhã vinha rodeado de grandes expectativas e o tempo encarregou-se de lhe fazer justiça, já não restando grandes dúvidas de que estamos perante um verdadeiro clássico, com lugar cativo numa colecção com estas características, criada de raiz para dar ao público português as melhores histórias com os maiores heróis da editora DC Comics. Heróis como o Homem de Aço, o primeiro e o maior de todos os super-heróis.      
Texto publicado originalmente no jornal Público de 19/07/2013

sexta-feira, 19 de julho de 2013

DC Comics UNCUT 2 - Batman: Herança Maldita

Aqui está a versão integral, não censurada, do editorial do 2º volume, escrito mais uma vez pelo José de Freitas. A versão politicimante correcta, que vem no livro, aparece em imagem, pelo que, quem quiser comparar as duas versões, basta carregar nas imagens.

Batman: Para Sempre!

Batman nasceu em 1939 nas páginas da revista Detective Comics - título que para sempre lhe ficou associado, e cujas iniciais iriam dar o nome à editora, até então National Allied Publications. Foi criado por Bob Kane (com a assistência de Bill Finger, que ajudou a definir pormenores finais do aspecto da personagem, e foi o desenhador em muitas aventuras do herói) quase como o oposto do Super-Homem. Onde este era solar, brilhante, apolíneo, e inspirado nos mitos prometaicos de progresso e redenção, Batman é negro e lunar, gótico e ligado às forças das trevas e da vingança, e mergulha as suas raízes nos pulps dos anos 30. Tal como o Super-Homem, é orfão, mas ao contrário dele, Batman sempre viveu à sombra dum tipo de loucura e de comportamento menos convencional, desde o seu relacionamento com as mulheres - até com as super-vilãs como a Mulher-Gato, ele teve casos! - até ao seu lado constantemente torturado pela morte dos pais, a sua origem quase psicanalítica.

Batman teve um sucesso quase imediato, estreando o seu próprio título em 1940 e passando por vários períodos durante a sua já longa carreira. Durante os anos 50 foi progressivamente abandonando o seu lado mais negro, e foi seguindo em parte o gosto da época, tendo passado por fases mais ligeiras, e mesmo humorísticas, que se reflectem por exemplo na série de TV dos anos 60 - não podemos esquecer, no entanto, que foi por um tempo uma das mais populares no mundo! No final dos anos 60, e ao longo da década de 70, autores como Denny O'Neil e Neal Adams, apoiados no lendário editor Julius Schwartz, levaram Batman de volta para um estilo mais próximo das suas origens pulp e noir, com grande sucesso. O seu trabalhou abriu caminho aos anos 80 e às obras de Frank Miller, de Alan Moore, e muitos outros, fazendo com que o herói merecesse plenamente o título de Cavaleiro das Trevas, e regressasse ao seu lado mais negro.

E é exactamente desse lado profundamente reprimido e torturado do Batman que os dois contos que compõem este volume tratam, quase numa relação de Alfa e Ómega. A Herança Mortal, de Grant Morrison (Batman and Son no original, que quase traduziríamos como "Batman e Filhos", numa antevisão do conceito notável que Morrison lançou na sequência, Batman, Inc.), que ele usou mais tarde como ponto de partida duma saga de vários anos que iria mudar para sempre o mito do Homem-Morcego, e o poético e surreal O que Aconteceu ao Cavaleiro das Trevas (Whatever Happened to the Caped Crusader), de Neil Gaiman, que é uma história do fim de Batman, mas do seu fim mítico, e que é também uma porta para o seu renascimento, como a história deslumbrantemente nos mostra. As duas histórias estão aliás interligadas, já que a segunda não teria sido possível se Grant Morrison não tivesse morto Bruce Wayne na sua série, em consequência directa dos acontecimentos que pôs em marcha na história que publicamos neste volume. Mas comecemos pelo princípio.

E o princípio é o evento decisivo da vida de Bruce Wayne, o momento traumático, sem o qual não haveria Homem-Morcego: o crime original, a morte dos pais que para sempre assombrará a vida do Cavaleiro das Trevas, e que possivelmente terá lançado Bruce para perto da loucura, uma loucura que o ameaça constantemente e para a qual a única terapia parece ser o seu heroismo implacável. Onde outros playboys bilionários se teriam abandonado ao niilismo narcisista, Bruce Wayne mergulha num momento de "crescimento pós-traumático", para usar o termo psicológico, e jura vingar a morte dos pais. Ironicamente, é o Joker que lhe explica a possibilidade destes momentos de viragem psicológicos na vida de qualquer pessoa, em Piada Mortal, que teremos a ocasião de ver no quinto volume desta colecção: "Basta um dia muito mau para reduzir o mais são e equilibrado dos homens à loucura total!", falando de si, mas de algum modo também de Bruce Wayne!

Como não confia nem na polícia, nem no sistema, decide tomar a justiça nas mãos e torna-se no Homem-Morcego, uma figura que lança o terror entre os criminosos, mas que talvez tenha mais do que a justiça em mente: Batman tem um lado vingativo, como se não pudesse perdoar nunca aquela noite fatídica numa viela, em que não havia Batman para salvar os seus pais. E mesmo os seus aliados e amigos o dizem, à medida que descobrem que o Batman é talvez mais calculista, mais temível, mais sinistro, que eles próprios imaginavam. Como na revelação extraordinária de que Batman manteve ficheiros secretos sobre os membros da Liga da Justiça, documentando as suas fraquezas e as maneiras de serem derrotados, em Torre de Babel, de Mark Waid e Howard Porter. Ou como naquela cena inesquecível de All-Star Batman & Robin The Boy Wonder, the Frank Miller e Jim Lee, em que o Lanterna Verde lhe lança à cara: "Os teus métodos são repugnantes. Há mais vítimas tuas que acabam no hospital do que na prisão. Sim, chamei-lhes vítimas! De cada vez que estou perto de ti, estás a partir a perna  a algum bandido, ou a quebrar os queixos a um polícia!" E esta propensão para a vingança, para a violência, é integral à personagem, e vem já dos primórdios, dos primeiros dias da sua existência, apesar dos interlúdios burlescos, dos anos 50 e da série de televisão.

É este pecado original que Grant Morrison vai endereçar na sua notável saga que durou quase seis anos, e se iniciou precisamente aqui, em Batman and Son. É este o tema central da história de Morrison, a relação de Batman com aquele evento traumático, um tema particularmente bem resumido por Jezabel Jet, que se torna na namorada de Bruce Wayne, e a quem ele revela a sua vida dupla como super-herói. Diz ela: "Tanta coragem, Bruce, tanto génio, teres-te transformado no cavaleiro das trevas que não estava lá naquela noite em que precisaste dele. Mas tudo isto... tudo isto é a resposta de um rapaz perturbado à morte dos seus pais." Morrison começa por introduzir na história um filho, saído duma relação que teve com Talia, a filha de Ras al Ghul - mais uma da longa lista de vilãs com quem ele teve relações, começando na Mulher-Gato e acabando na mesma Jezabel Jet, quase como se fosse atraído pelo lado negro! Damian é quase o oposto do seu pai, educado por assassinos, convencido da sua superioridade, totalmente egocêntrico e algo psicopata, mas a dinâmica pai-filho que se vai estabelecer nesta história irá perdurar até que Damian se transforma no novo Robin - algo que é prefigurado numa cena deste volume em que ele aparece vestido de Robin. Só que quando isso acontece, já Bruce Wayne estará morto, criando assim uma simetria terrível entre os dois, ambos perderam o pai, ambos precisam de provar que são capazes de se tornar heróis!

A morte (temporária) de Bruce Wayne na série Batman RIP marca outro dos temas centrais da ideia de Grant Morrison para a sua personagem: a da imortalidade do super-herói, como símbolo, como arquétipo. Não se trata da imortalidade básica duma personagem que é publicada pela mesma editora há mais de 70 anos, simplesmente porque sim, e porque dá dinheiro, mas da imortalidade que ela alcançou na imaginação dos leitores, e no fundo, dos próprios tempos em que nasceu. Como Morrison não se cansa de dizer, "não é porque são ficcionais que estes heróis são menos reais", e aqui ele não se coíbe de usar todos os métodos para afirmar a imortalidade do Batman, numa exploração meta-ficcional da personagem. Na sua saga de morte e de ressureição do Homem-Morcego, bem como dos episódios em que outro herói toma o seu manto (ficando Damian como o Robin desse outro Batman), e na criação de Batman Inc., a rede internacional de heróis que se reclamam do Morcego, Grant Morrison demonstra o carácter mítico da personagem de modo magistral.

Na segunda história deste volume, também ela ilustrada pelo espantoso Andy Kubert, Neil Gaiman toma um caminho diferente para explicar a imortalidade do Cavaleiro das Trevas, mas não menos original e fiel ao espírito das histórias do Universo DC. Tal como Grant Morrison, Neil Gaiman fez parte daquela "ínclita" geração de autores ingleses que atravessou o Atlântico para revolucionar os comics americanos. Depois de escrever uma série de bandas desenhadas independentes no Reino-Unido, Gaiman começou a trabalhar para a DC através do seu selo adulto, a Vertigo. Curiosamente, o seu primeiro trabalho para a editora foi com uma super-heroína do universo DC, a Orquídea Negra. Mas foi com Sandman, a sua obra-prima, que Gaiman se tornou famoso, e foi também Sandman que lhe abriu as portas das grandes editoras literárias, lançando a sua carreira como escritor de fantástico, com romances como Stardust, e mais tarde American Gods. American Gods foi o romance com que atingiria a fama e que lhe granjeou todos os prémios da ficção-científica e do fantástico, desde o Hugo e o Bram Stoker Award, ao Nebula.

Tal como Morrison, Gaiman parte dum princípio simples e que presta homenagem a toda a mitologia do Batman: a ideia de que todas as histórias publicadas são, de algum modo reais, que todas elas existiram de facto na continuidade da personagem. Mas como é que isso é possível? Como é que se consegue unificar as histórias do Batman original, com as da Segunda Guerra Mundial, com o tratamento que Neal Adams lhe deu nos anos 70, e com o Batman negro e terrível de Frank Miller em O Regresso do Cavaleiro das Trevas, e com todos os outros Batmans dos últimos setenta anos?  Unificam-se na morte, e é esse o segredo que é revelado a Bruce Wayne na história, e mais uma vez a ligação ao evento original, criador, da morte dos pais, é explícita. A história, que segue as pisadas de Whatever Happened to the Man of Tomorrow de Alan Moore, aqui explicitamente homenageada por Gaiman, assinala o fim de uma era na história da personagem. Foi publicada nas revistas Batman e Detective Comics, no período em que Bruce Wayne estava morto, sendo publicitada como "a história final de Batman". Mas Gaiman consegue, com grande ironia e elegância, que ela seja não só a última, mas a primeira! Talvez o momento mais surreal da história, mas ao mesmo tempo o mais trágico e mais comovente, seja a incrível narração de Alfred, quando revela que num universo do Batman, foi ele que criou os inimigos para o herói, para o conseguir manter são, e feliz, e foi ele que incarnou o Joker que ressuscitou o herói pela sua própria existência como nemesis. "Como sou inglês, tenho alguma dificuldade em identificar o sítio em que acaba a excentricidade e começa a loucura. Não nego que o Senhor Bruce era excêntrico, e admito que não é normal vestir-se como um morcego gigante para lutar contra o crime", diz o fiel servidor de Bruce Wayne, remetendo-nos de novo para o início: a loucura ou quase-loucura de Batman. "Já li sobre como as crianças traumatizadas por vezes desenvolvem personalidades dissimuladas para se protegerem de memórias dolorosas e reprimidas" afirma Bruce Wayne, numa das histórias de Grant Morrison.

Nas notáveis histórias incluidas neste volume, ambos os autores conseguem  mostrar como todas essas personalidades, todas as eras, todos os estilos e contos, podem coexistir num só mito, num só arquétipo heróico. E como diz Morrison, "Muito depois de eu morrer e ter sido esquecido, muito depois de todos nós termos partido, ainda haverá um Batman".

Batman: para sempre!

José Hartvig de Freitas

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Colecção DC Comics: Antevisão do Vol. 2 - Batman: Herança Maldita






Super-Heróis DC Comics – Volume 2
Batman: Herança Maldita
Argumento – Grant Morrison e Neil Gaiman
Desenhos – Andy Kubert e Scott Williams


No segundo volume desta nova coleção, feita em exclusivo a pensar nos leitores portugueses, da selecção e tradução das histórias, aos textos de apresentação assinados por especialistas, que ajudam a guiar o leitor nesta viagem que se pretende fascinante pelo Universo DC, o destaque vai para o Batman. O herói sombrio criado por Bob Kane e Bill Finger, é o protagonista de duas histórias inéditas em Portugal, desenhadas por Andy Kubert e assinadas por dois dos maiores argumentistas de língua inglesa, Grant Morrison e Neil Gaiman.
Em Herança Maldita, Morrison dá a Batman um filho, mas esse filho foi educado com os valores opostos àqueles em que o Cavaleiro das Trevas acredita, e é arrogante, fora de controlo e egoísta, não hesitando em matar, o que vai criar grandes dificuldades ao herói, dividido entre as suas responsabilidades como pai e a necessidade de combater os planos criminosos de Talia Al Ghul, a mãe do seu filho.

Finalmente, Neil Gaiman, o criador de Sandman e um dos mais prestigiados e populares escritores de fantasia, apresenta em O que Aconteceu ao Cavaleiro das Trevas, a história final do Batman, que assinala o fim de uma era, na linha do que Alan Moore tinha feito com o Super-Homem, em Wathever Happened to the Man Of Tomorrow. Na derradeira aventura do Cavaleiro das Trevas, que começa precisamente com a morte do herói, a sua vida (e morte) é evocada de forma contraditória pelos seus principais aliados e inimigos, numa estranha cerimónia fúnebre, que só o génio de Neil Gaiman poderia criar.
O desenhador Andy Kubert, filho do lendário Joe Kubert, revela aqui todo o seu talento e versatilidade, adaptando de forma admirável o seu traço às necessidades de cada história, desde à acção espectacular e desenfreada da história de Morrison, até à viagem estética pelas diferentes versões do Batman ao longo dos tempos, que o belo conto de Gaiman implica.

Texto publicado originalmente no jornal Público de 12/07/2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

DC Comics UNCUT 1 - Liga da Justiça Terra Dois

Pela primeira vez, este Blog vai publicar um post não escrito por mim. Neste caso, o autor é o José de Freitas que aqui publica a versão integral, não censurada do editorial que escreveu para o 1º volume da Colecção DC Comics, que ontem chegou às bancas com o jornal Público.
Uma das diferenças desta colecção para as anteriores da Marvel, é que o controle editorial da DC é muito mais burocrático e apertado. Por isso, os textos introdutórios que escrevemos para os primeiros cinco volumes, tiveram que sofrer diversas alterações de modo a ficarem mais politicamente correctos e adequados às restrições temáticas impostas pela DC. Essas restrições impedem, por exemplo, referências à Marvel, a questões religiosas, ao 11 de Setembro e um extremo cuidado no uso da palavra "criado" em relação em relação a autores e personagens. Por exemplo, não se pode dizer que o Batman foi criado por Bob Kane e Bill Finger, pois oficialmente a DC não reconhece a Bill Finger esse estatuto de criador...
Mas como a DC diz que os textos originais, embora não adequados a uma publicação oficial da DC, podem perfeitamente ser publicados em blogs e revistas da especialidade, aqui iremos publicar as versões UNCUT desses editoriais, escritos pelo José de Freitas, pelo Filipe Faria e por mim, que tiveram que ser "retrabalhados."


A Liga da Justiça para além do Bem e do Mal


O que é que define a história de super-heróis? Quais são os seus critérios, os seus pressupostos? Quais as regras pelas quais este género se rege? Nascida há quase um século na sua forma moderna, a história de super-heróis mergulha as suas raízes num passado muito mais distante, um passado de mito e de imaginação, e reflecte de certo modo tudo o que de melhor a humanidade pode ser. E também o pior.

Ao longo das décadas em que a história de super-heróis evoluiu, passou por inúmeras fases, e acompanhou o desenvolver da sensibilidade dos seus fãs, as mudanças que as sociedades Ocidentais foram sofrendo, as suas esperanças e desilusões, e o processo de maturidade dos leitores. Desde os inícios até à nossa era pós-moderna, passou de um período ingénuo e algo linear, a um período caracterizado pela sua desconstrução e pelo experimentalismo. Quando relemos muitas histórias dos anos 30, 40 ou 50, ficamos surpreendidos pelas suas regras “básicas”, pelo seu lado ingénuo e por vezes infantil. Nas histórias clássicas de super-heróis, o Bem vence sempre, por exemplo. Ao longo dos anos fizeram-se muitas experiências, e muitos autores se "revoltaram" contra estes pressupostos das histórias de super-heróis, explorando histórias em que os heróis morrem, o Mal vence, o sentido final das sagas remete para o absurdo ou para o caótico e aleatório. Uma evolução muito paralela com a de todos os outros media que nos rodeiam, como por exemplo a televisão. Basta ver a diferença entre uma série antiga como Bonanza, e uma moderna como Deadwood, embora ambas se integrem no mesmo género codificado que é o Western.

E no entanto, as histórias de super-heróis mantiveram sempre o seu pressuposto central, o da vitória do Bem sobre o Mal, ao longo de décadas em que os leitores, no mundo real, foram testemunhas de vitórias objectivas do mal, e em que esse lado ingénuo do género foi sendo cada vez mais posto à prova. Mas o Bem continua a vencer nos comics. Talvez devido ao carácter mítico dos super-heróis, um dos últimos loci literários em que se perpetua a grande tradição do mito heróico. Mas por vezes, lado mítico ou não, por mais que gostemos desta ou daquela saga, essa primazia do Bem deixa por vezes um amargo de boca, e cria mais uma clivagem entre o mundo real e o mundo mítico, que suspende por vezes o gozo puro de ler uma história de super-heróis.
É por isso que Terra Dois de Grant Morrison é uma das mais belas e mais "correctas" histórias de super-heróis jamais escritas, e talvez a homenagem absoluta ao lado mítico do género, conseguindo, quase que numa operação Alquímica, resolver a Coincidentia Oppositorum - a síntese dos opostos! - entre o Bem e o Mal, e reconciliando o leitor com essa regra não-escrita que diz que o Bem vence sempre. E por isso é talvez a melhor história possível para iniciar esta colecção de Herois DC!

Nascido na Escócia, Grant Morrison fez parte da célebre "invasão britânica" dos comics americanos, que levou inúmeros argumentistas da Grã-Bretanha a atravessar o Atlântico e a estabelecer-se nos EUA, onde vieram revolucionar o género. Criados nos fanzines e revistas independentes da Grâ-Bretanha, traziam consigo uma sensibilidade muito diferente, bem mais política e radical, e mais disposta a questionar as bases fundamentais da história de super-heróis. Nomes como Alan Moore, Neil Gaiman, Peter Milligan, Jamie Delano ou Garth Ennis, encontraram nas grandes editoras americanas um lar novo, onde lhes foi permitido "experimentar" com as personagens e universos estabelecidos, ou criar os seus próprios universos, particularmente na Vertigo, o selo "adulto" da DC, onde foram publicadas muitas histórias seminais da BD anglo-saxónica dos nossos tempos. Grant Morrison tornou-se rapidamente numa das super-estrelas dos comics americanos, e ao contrário de muitos outros compatriotas seus (com a excepção de Alan Moore, diga-se) iniciou-se quase de imediato na história de super-heróis - em vez de ter começado por escrever as suas próprias criações - primeiro com Animal Man e Doom Patrol, duas séries a que imprimiu um cunho quase surrealista e algo pós-moderno, e logo depois com o espantoso Asilo Arkham, com arte de Dave McKean. Estes títulos estabeleceram desde logo algumas das preocupações centrais da obra de Morrison, e a sua capacidade imensa de analisar e desconstruir o género dos super-heróis. Morrison também foi ficando obcecado com a ideia da definição dos universos ficcionais dum ponto de vista meta-ficcional, ou seja, da história vista de fora e em que se analisam os pressupostos que a fazem funcionar, mas em que a própria reflexão sobre esses pressupostos e regras interage e influencia a história. A esta obsessão não será alheio o interesse de Morrison pelo oculto e pela magia, e a sua vontade de "contactar universos ficcionais distantes", como o próprio relata no seu livro Supergods, em que analisa profundamente o fenómeno da vida "independente" das criações literárias (e outras)!

Ao longo de uma década e meia, Grant Morrison fez um percurso complexo, que o levou de um ponto em que estava disposto a desconstruir completamente o género dos super-heróis, em criticá-lo, virá-lo do avesso, violar todas as regras que o definem, a um ponto de chegada em que redescobriu um respeito profundo pelos super-heróis, e em que mergulhou nas raizes míticas que o definem, e conseguiu revitalizá-lo duma maneira original. Podemos comparar este percurso de Morrison com o de Alan Moore, para termos uma uma ideia de quão revolucionário ele parece ter sido para um jovem irreverente da geração punk cuja missão inicial era arrasar tudo e chocar os leitores. Alan Moore também assinou comics de super-heróis que fizeram história - basta citar Piada Mortal, que integrará o volume dedicado ao Joker nesta colecção, ou o excelente Whatever Happened to the Man of Tomorrow? - e também ele desde o início pareceu questionar muitas das regras normais deste género. Mas a evolução de Moore levou-o a assinar Watchmen, com desenho de Dave Gibbons, que é nem mais, nem menos, do que a prova de que os super-heróis, como género clássico, com os seus universos e a sua continuidade, são impossíveis e não fazem sentido - e não estamos a falar da impossibilidade de seres com super-poderes, mas sim da incoerência interna deste género literário.

Morrison e Moore afastam-se assim um do outro na sua análise do género. Ao longo dos anos, Morrison foi ganhando novo respeito pelos super-heróis, chegando até de certo modo a lamentar o seu período desconstrucionista. E atira muitas culpas a Alan Moore pela idade das trevas que o género chegou a viver nos anos 80 e 90, e pelo antagonismo que muitos autores pareceram nutrir pelos seus heróis. Mas Morrison também sentiu que depois de Watchmen, passava a ser possível fazer algo diferente, e reflectir de modo mais produtivo acerca dos super-heróis, acerca daquilo que os torna míticos. Em Supergods, escreve "Mas por mais que tentássemos, o super-herói regressou dos mortos com novos poderes, como sempre fez, para se vingar daqueles que o quereriam destruir. Muito mais do que matar o género dos super-heróis, Watchmen tinha aberto caminho para o conceito ser examinado e para o seu potencial ser revigorado. (...) Eu queria mais das minhas ficções. Como sempre fui do contra, cansei-me de me dizerem o que os super-heróis seriam se fossem reais, e de descobrir sempre que eles não eram mais do que nós no nosso pior: venais, corruptos, mistificados e estúpidos. O realismo tinha acabado por ser confundido com um tipo muito particular de pessimismo adolescente e de sexualidade colérica, que me começou a parecer limitativa." O percurso desconstrucionista de Morrison tinha chegado ao fim, e quando em 1996 lhe confiaram a série da Liga da Justiça, relançou-a, imprimindo-lhe um cariz mitológico e arquetípico que teve um sucesso tremendo. A transformação acabou finalmente com este Terra Dois, e Morrison abandonou o seu papel de desconstruidor, para inaugurar a sua fase de reconstruidor de universos de super-heróis.

Voltemos à Liga da Justiça, um dos mais antigos grupos de super-heróis, e um dos mais populares. Surgida pela primeira vez pelas mãos do escritor Gardner Fox, a Liga da Justiça da América é de algum modo a sucessora da Sociedade de Justiça da América, o primeiro grupo de super-heróis de sempre, que tinha sido também criada por Fox com a ajuda do editor Sheldon Maier, e que tinha servido a função de "mostruário" de heróis menos conhecidos da editora. Foi o mítico lendário editor Julius Schwartz que pediu a Fox (com a ajuda do artista Mike Sekowsky) que recriasse a Sociedade dos anos 40, mas Fox decidiu actualizar o seu nome para Liga da Justiça da América. A Liga estreou-se na revista The Brave and the Bold #28 (Fevereiro/Março de 1960), mas a sua imediata popularidade levou a que logo no mesmo ano recebessem a sua própria revista e que se transformassem na espinha dorsal do universo DC.

Schwartz ajudou também à criação de conceitos revolucionários, que transformariam profundamente o universo de super-heróis da DC. A editora queria reaproveitar muitos dos heróis dos anos 40 que já não usava, e em Setembro de 1961 na história Flash of Two Worlds, também com argumento de Gardner Fox, o Flash criado dos anos 50, Barry Allen, descobre que consegue vibrar as suas moléculas a tal velocidade que viaja através das dimensões para chegar a outro mundo, que seria baptizado Terra-2, onde encontra o Flash dos anos 40, Jay Garrick, que lhe tinha servido de inspiração! Nesta Terra-2, o Flash da Terra-1 era uma personagem fictícia, o que não impediu que pouco tempo depois os heróis da Terra-1 se aventurassem com os da Terra-2 em aventuras cada vez mais empolgantes, que a DC publicava em revistas anuais, como por exemplo os team-ups da recém-criada Liga da Justiça (da Terra-1) com a Sociedade da Justiça (que vivia na Terra-2). E a proliferação de mundos continuou, com cada vez mais Terras paralelas em que existiam heróis ou vilões diversos, como por exemplo a Terra paralela em que os super-heróis nossos conhecidos - Super-Homem, Batman, etc... - eram vilões e tinham formado o Sindicato do Crime da América! Esta explosão de criatividade acabou por criar problemas de continuidade, que a DC tentaria mais tarde resolver numa saga épica, que veremos também nesta colecção, a Crise nas Terras Infinitas.

Neste volume, Terra Dois - um título que encerra uma surpresa, como veremos - o argumentista Grant Morrison recupera muitos destes conceitos para escrever uma história que questiona os próprios fundamentos do comic de super-heróis, o que faz dela mais do que uma simples história de super-heróis, embora seja uma muito boa "simples" história de super-heróis. Morrison pega naquela criação antiga do universo DC, o Sindicato do Crime da América - um grupo de super-vilões que são a contraparte maléfica da Liga da Justiça num universo paralelo - e transforma-os nos ditadores absolutos dum planeta Terra alternativo. Neste universo, Lex Luthor, o vilão das histórias do Super-Homem do universo regular da DC, é o único "super-herói" que se opõe ao Sindicato do Crime. Luthor consegue viajar para a Terra da Liga da Justiça para pedir a sua ajuda na luta contra os opressores do seu mundo. Embora os membros da Liga se questionem sobre se essa intervenção é correcta, acabam por aceder, e partir para a outra Terra. Aqui, conseguem triunfar temporariamente e prender o Sindicato no seu satélite espacial, enquanto desfazem a estrutura ditatorial e corrupta com que ele governa o mundo. Mas as coisas não são tão fáceis, e o próprio Coruja - o reflexo negro de Batman neste mundo - percebe que o Sindicato não precisa de fazer nada, e que num movimento cósmico de reequilíbrio, o Sindicato será transportado para o mundo da Liga, para restabelecer a simetria universal. Os heróis descobrem então que no mundo que invadiram, o Mal é mais forte que o Bem, e que está destinado a triunfar sempre no fim, tal como no seu mundo, o mundo regular do universo DC, o Bem triunfou sempre sobre o Mal, desde as primeiras histórias de comics de super-heróis... assim, os dois mundos são o reflexo um do outro, e de certo modo dependem um do outro, num delicado equilíbrio cósmico.
Quando ambos os mundos parecem estar destinados a destruir-se um ao outro, devido à ruptura deste equilíbrio com ambos os grupos de personagens a viajarem para os mundos um dos outros e com uma ameaça final a aparecer, na figura do Brainiac, Batman faz a descoberta simétrica da do Coruja: se não fizerem nada, os super-heróis serão de novo transportados para o seu mundo, enquanto os super-vilões regressam ao seu para derrotar Brainiac - afinal, no seu mundo os maus estão "condenados" a vencer! - numa espécie de princípio de wu-wei - não-acção - Taoista, neste verdadeiro símbolo do Yin e Yang que são os dois mundos, para sempre opostos e para sempre complementares. O lado pós-moderno e relativista da história é posto a nu pelo facto de a Terra Dois do título ser o universo DC normal, e a Terra Um ser aquela em que o Mal triunfa sempre no fim!

Mas por mais que Terra Dois reflicta muitas das preocupações pós-modernas e desconstrucionistas da história de super-heróis moderna, e que ela constitua uma reflexão meta-ficcional sobre elas, é ao mesmo tempo um tour de force maravilhoso: restaura a nossa fé nos clichés da história de super-heróis, permite-nos continuar a aceitar o pressuposto "ingénuo" de que nestas histórias o Bem triunfa sempre, e reconcilia-nos com isso, mantendo a suspensão de cepticismo que é o garante da dimensão mítica destas histórias, ao dar-nos uma explicação meta-ficcional para esses pressupostos, e ao permitir uma reflexão sofisticada e filosófica que "desculpa" a ingenuidade destas histórias! Como diz Julian Darius na sua análise do livro, Terra Dois permite "que os leitores deixem de necessitar que os heróis percam uma luta de vez em quando, para poderem ser mais realistas, e leva-os a reflectir sobre as implicações desses mesmos heróis serem invencíveis, uma reflexão que não é menos sofisticada!"

Terra Dois é maravilhosamente ilustrado por Frank Quitely, um dos nomes grandes dos comics, também ele escocês, e companheiro de longa data de Grant Morrison em muitas sagas. Conhecido pelo pormenor do seu desenho, trabalhou com Morrison em Novos X-Men, a mega-saga da Marvel que ambos assinaram (já publicada em Portugal pela Devir), bem como em Batman and Robin e All-Star Superman, só para citar livros de super-heróis, embora possamos também mencionar o espectacular WE3, também editado no nosso país.

Terra Dois foi a primeira grande obra de Morrison em que ele usou um universo de super-heróis estabelecidos para fazer uma reflexão profunda e meta-ficcional sobre o género. Já o tinha feito com outros títulos (como Flex Mentalo, por exemplo), mas Terra Dois marcou um ponto de viragem na sua percepção deste tipo de histórias. Como diz Metron em World War III, outra saga assinada por Morrison, a Liga mostra-nos uma visão de relance do futuro da humanidade, o futuro a que devíamos aspirar, e compete-nos a nós estar à sua altura. Este é o volume inaugural duma colecção que quer mostrar algo do melhor que se fez na história de super-heróis, no universo DC. Onde as personagens da Marvel são criadas para ser parecidas com pessoas reais, com os seus defeitos e peculiaridades, com os quais os leitores se identificam facilmente, os heróis da DC tendem as ser figuras mais míticas, e funcionam mais como símbolos das muitas facetas da personalidade e comportamento humano. Em 20 volumes, os leitores portugueses poderão poderão tomar contacto com as melhores sagas e os mais conhecidos heróis da DC.

José Hartvig de Freitas

AGRADECIMENTOS - Os meus agradecimentos, primeiro ao próprio Grant Morrison pelo extraordinário livro que escreveu sobre as suas aventuras com super-heróis, Supergods; a Julian Darius, crítico maravilhosamente perspicaz; ao João Miguel Lameiras, e ao meu amigo João Nuno Azevedo, que em muitas conversas acompanhadas de jantar e copos foi realimentando o meu gosto pela DC!

terça-feira, 9 de julho de 2013

Colecção DC Comics: Antevisão do Volume 1 - Liga da Justiça: Terra Dois


Super-Heróis DC Comics – Volume 1
Liga da Justiça: Terra Dois
Argumento – Grant Morrison 
Desenhos – Frank Quitely, Ed McGuiness e Dexter Vines

Depois do sucesso do Homem-Aranha, Capitão América, Demolidor, Homem de Ferro, Wolverine, Thor e dos X-Men no ano passado, agora chegou a vez dos super-heróis da Marvel, darem lugar aos super-heróis da DC Comics. Durante vinte semanas, heróis como o Batman, Super-Homem, Flash, Arqueiro Verde, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde, Supergirl e Batwoman, entre outros, estarão nas bancas a combater o crime, todas as quintas-feiras, com o seu jornal Público, em histórias assinadas pelos maiores nomes dos comics de super-heróis.
A abrir esta coleção que reúne histórias clássicas e aventuras mais recentes, grandes sagas colectivas e aventuras individuais, heróis e vilões (como o Joker, o maior inimigo do Batman, que será protagonista de um volume) está a Liga da Justiça, o supergrupo que reúne os maiores heróis do Universo DC, com o Super-Homem e Batman à cabeça. Desta vez a Liga da Justiça tem que viajar para um universo paralelo, onde o Sindicato do Crime da Amérika dita as leis. Composto pelos mais poderosos super-vilões, como Ultra-Homem, Coruja, Supermulher, Johnny Quick e Anel de Poder, que parecem ser o reflexo distorcido dos Heróis da Liga, o Sindicato do Crime vai ter que enfrentar a Liga da Justiça, numa curiosa inversão do eterno combate entre o bem e o mal, cujo desfecho pode afectar o equilíbrio dos dois universos paralelos, provocando a sua destruição.

Grant Morrison, o criador escocês que é uma verdadeira lenda dos comics de super-heróis, assina aqui uma das suas obras-primas, neste conto dum mundo às avessas, apoiado pela arte espectacular de Frank Quitely, repetindo a equipa já responsável pelo sucesso de títulos já publicados em Portugal, como Novos X-Men, ou WE3. Em complemento, este volume inclui também os números 1 a 3 da revista JLA: Classified, em que a Liga volta a enfrentar o Sindicato do Crime da Amerika, numa história escrita por Grant Morrison para o desenho de Ed McGuinness e arte-final de Dexter Vines.Poucos autores reflectiram tão profundamente sobre a natureza mítica das histórias de super-heróis e das suas convenções, e poucos seriam capazes de as desconstruir e subverter como Morrison o faz neste Terra 2, mantendo mesmo assim o respeito total pelas personagens deste universo, os maiores super-heróis da DC Comics. Por isso mesmo, este é o álbum perfeito para iniciar uma colecção das melhores histórias do Universo DC!
(texto originalmente publicado no jornal Público de 05/07/2013

sábado, 6 de julho de 2013

Apresentação da Colecção DC Comics

Já não será novidade para (quase) ninguém que a partir da próxima quinta-feira, 11 de Julho, o Jornal Público e a editora Levoir lançam mais uma colecção dedicada aos super-heróis, desta vez  da DC Comics, a editora de Batman e Super-Homem. A preparar a saída da colecção, o jornal Público lançou na edição de hoje um destacável de 4 páginas de apresentação da colecção, com textos deste vosso criado, que aqui se reproduz. A última página do destacável traz a lista dos títulos, com data de saída e respectivas capas, bastando clickar na imagem para ver as capas mais em pormenor. Como, por questões de espaço, os textos dedicados aos autores e aos heróis tiveram que sofrer cortes, aqui vos deixo a versão integral dos mesmos.

LIGA DA JUSTIÇA
A Liga da Justiça surgiu pela primeira vez em 1960, nas páginas da revista The Brave and the Bold, funcionando como sucessora da Sociedade da Justiça da América, criada nos anos 40 por Gardner Fox e pelo editor Sheldon Mayer, como montra para os super-heróis menos conhecidos da editora. O próprio Fox foi encarregue pelo editor Julius Schwartz de criar esta nova versão da Sociedade da Justiça, que mudou o nome para Liga, aproveitando o sucesso da recém-criada Liga Nacional de Baseball e, que ao contrário da sua antecessora, contava com os principais heróis como o Batman, ou Super-Homem. O sucesso da Liga foi um elemento fundamental no relançar das histórias de super-heróis durante os anos 60.
Embora a sua formação vá sofrendo alterações, com a entrada e saída de alguns membros, os maiores heróis da DC estão sempre na Liga de Justiça.

BATMAN
Quando os seus pais são assassinados à sua frente, o jovem Bruce Wayne decide dedicar a sua vida a combater o crime, usando a sua herança para concretizar esse objectivo. Mas cedo concluirá que precisa de algo mais para instilar o medo no coração dos criminosos. Precisa de um disfarce e de um símbolo e o morcego vai servir-lhe de inspiração.
Criado por Bob Kane e Bill Finger em 1939, o Batman é um herói sombrio, próximo da tradição policial dos heróis da literatura Pulp, como o Shadow, sem qualquer poder especial para além de um treino rigoroso, uma vontade indómita e um arsenal de equipamento sofisticado. Mas essa ausência de poderes nunca o impediu de se tornar o mais carismático de todos os super-heróis, não só nos comics mas também no cinema.

SUPER-HOMEM
Perante a destruição iminente do Planeta Krypton, o cientista Jor-El decide tentar salvar o seu filho ainda bebé, lançando-o para o espaço numa nave espacial. Essa nave vai aterrar na Terra, no estado norte-americano do Kansas, onde a criança é recolhida por Jonathan e Martha Kent, um casal de agricultores, que o vão criar como seu filho, dando-lhe o nome de Clark e incutindo-lhe os valores tradicionais da América. As características diferentes do nosso sol em comparação com o que banhava o planeta Krypton, deram ao jovem Clark poderes quase ilimitados. Super-poderes de invulnerabilidade, visão de calor e de raios-X, força e velocidade, que lhe permitem voar e que, como Super-Homem, vai usar para combater o crime e ajudar a humanidade.

JOKER
Numa coleção com os principais heróis da DC, também há lugar para vilões. Com o seu cabelo verde, pele branca e eterno sorriso, o Joker é o maior vilão do Universo DC.
Criado por Bob Kane, Jerry Robinson e Bill Finger em 1940, o Joker foi o antagonista do Batman logo na primeira aventura na sua própria revista e cedo ganhou uma tremenda popularidade, como o mais carismático de todos os vilões que povoam a vasta galeria de inimigos do Batman. Um louco perigoso, com um sentido de humor tão peculiar como mortal, que vem rasgar com as cores berrantes da loucura o universo sombrio do Cavaleiro das Trevas, a sua ligação ao Batman é um dos grandes elementos da dinâmica da série.

ARQUEIRO VERDE
Ao naufragar numa ilha deserta, o milionário Oliver Queen aprende a usar um arco, para poder caçar e se alimentar. Ao regressar à civilização, a destreza conseguida com esta arma, vai permitir-lhe combater o crime como o Arqueiro Verde. Criado em 1941 por Mort Weisinger e George Papp, o Arqueiro Verde inicialmente era uma espécie de cruzamento entre o Batman e Robin Hood, pois Oliver Queen, tal como Bruce Wayne, também era milionário, combatia o crime sob uma identidade secreta e tinha um jovem ajudante, Speedy.
O personagem adquiriria uma nova imagem e uma voz própria nos anos 70, através de Denny O’Neil e Neal Adams, numa série de histórias clássicas que podemos acompanhar nesta coleção, tal como a reformulação efectuada por Mike Grell nos anos 80, com a história Os Caçadores.

LANTERNA VERDE
Ao descobrir nos destroços de uma nave espacial, um extraterrestre moribundo, o piloto de testes Hal Jordan percebe que foi escolhido para substituir Abin-Sur, esse extra-terrrestre, como membro da Tropa dos Lanternas Verdes, uma espécie de polícia intergaláctica que zela pela paz no espaço sideral, tendo como única arma um anel que permite materializar através de energia tudo o que o seu portador imaginar.
Criado por John Broome e Gil Kane, em 1959, por indicação do editor Julius Schwartz, Hal Jordan não foi o primeiro e muito menos o único personagem a usar o anel, mas é de longe o mais popular dos Lanternas Verdes e o protagonista das histórias que pudemos ler nesta coleção.

FLASH
Tal como o Lanterna Verde, o Flash foi outro dos super-heróis criado nos anos 40 que foi reformulado na década de 60, ganhando uma nova origem e uma outra identidade secreta. A Jay Garrick, o Flash original criado por Gardner Fox e Harry Lampert em 1940, sucedeu em 1956, Barry Allen, um cientista que ganhou super-velocidade ao ser atingido por um raio enquanto manipulava produtos químicos no laboratório da polícia. O mais popular de todos os Flash, Barry Allen, criado por Bob Kanigher e Carmine Infantino, está em destaque nesta coleção, onde podemos acompanhar a sua morte em Crise das Terras Infinitas e o seu regresso, vinte anos depois, em Flash: Renascer.

MULHER-MARAVILHA
Filha de Hipólita, a Rainha das Amazonas, a Princesa Diana abandona a ilha Paraíso onde a sua tribo vive, para acompanhar Steve Trevor, um piloto americano cujo avião se despenhou na ilha, de volta ao “mundo dos homens” e combater a seu lado contra a ameaça nazi. Terminada a guerra, Diana continua na América e torna-se membro da Sociedade da Justiça da América, tornando-se como o Super-Homem, uma filha adoptiva da América, cujas cores estão presentes no seu uniforme.
Principal heroína do universo DC, a Mulher-Maravilha foi criada em 1940 pelo psiquiatra William Moulton Marston, inventor do poligrafo e pioneiro dos estudos feministas, como exemplo de um novo tipo de super-herói, capaz de triunfar não através da força, mas do amor.

BATWOMAN
Criada por Bob Kane, Sheldon Moldoff e Edmond Hamilton em 1956, numa tentativa de criar uma família de personagens à volta do Batman, como o Super-Homem já tinha, Batwoman é Kathy Kane, uma rica herdeira que, inspirada pelo exemplo do Batman, decide combater o crime como uma super-heroína. Uma heroína com uma vida bastante curta, pois o editor Julius Schwartz, ao reformular as revistas do Batman decide acabar com a personagem em 1964, por a considerar redundante face à existência da Batgirl.
Mas a Batwoman regressaria em 2006, como a primeira personagem lésbica importante do Universo DC. É essa nova fase, magnificamente ilustrada por J. H. Williams, que podemos acompanhar nesta colecção.

SUPERGIRL
Ao contrário do que o próprio pensava, o Super-Homem não foi o único kryptoniano a escapar à destruição do seu planeta natal. Também a sua prima, Kara Zor-El foi enviada para a Terra, onde adquiriu super-poderes semelhante ao do primo, cujo exemplo vai seguir, assumindo também ela uma carreira de super-heroína, como Supergirl.
Criada por Otto Binder e Al Plastino em 1959, a Supergirl vai ser uma das vítimas da Crise nas Terras Infinitas, onde é morta. Mas, como nas histórias de super-heróis a morte nem sempre é definitiva, acabará por regressar em 2004, pelas mãos de Jeph Loeb e Michael Turner, na história A Rapariga de Krypton, que encerra esta colecção.


SETE AUTORES EM DESTAQUE

Das largas dezenas de autores que participam nos vinte volumes desta colecção, o nosso destaque vai para um grupo de sete magníficos, que na realidade são oito (tal como os Três Mosqueteiros eram quatro…). Quatro desenhadores e quatro argumentistas, com a particularidade da dupla Denny O’Neil e Neal Adams, que formam equipa em dois dos volumes desta coleção, serem aqui tratados como um só.


GRANT MORRISON
Nascido na Escócia, Grant Morrison fez parte da célebre "invasão britânica" dos comics americanos, que levou inúmeros argumentistas da Grã-Bretanha a atravessar o Atlântico e a estabelecer-se nos EUA, onde vieram revolucionar o género. Os seus trabalhos com um toque surreal e pós-moderno, nas séries Animal Man e Doom Patrol, para a Vertigo, tornaram-no conhecido, mas a fama chegaria com a novela gráfica do Batman, Arkham Asylum, magistralmente ilustrada por Dave McKean.
Desde então Morrison tem sido responsável por algumas das mais importantes histórias protagonizadas por Batman, Super-Homem e a Liga da Justiça. Nesta coleção podemos apreciar o seu trabalho com a Liga da Justiça, em Terra 2, volume inaugural desta coleção, e com Batman, em Herança Maldita, o 2º volume.

JIM LEE
Verdadeira estrela dos comics e um dos directores criativos da DC, Lee estreou-se como desenhador na Marvel em 1987, com as histórias do Justiceiro que publicámos na 1ª série da Coleccção Heróis Marvel. Depois do grande sucesso como desenhador da nova série dos X-Men, Lee juntamente com outros desenhadores deixou a Marvel para fundar a Image, publicando as suas histórias através do Estúdio Wildstorm. Quando a DC comprou a Wildstorm em 1998, Lee teve finalmente a oportunidade de desenhar os maiores heróis da DC, como o Super-Homem, Batman e Liga da Justiça. Nesta coleção podemos vê-lo a desenhar o Super-Homem, numa história em 2 volumes, em que conta com a colaboração habitual de Scott Williams na arte final e as cores de Alex Sinclair.

BRIAN AZZARELLO
Argumentista de BD desde meados dos anos 90, Azzarello é conhecido principalmente pela sua parceria com Eduardo Risso na premiada série 100 Bullets, editada pela Vertigo, onde foi também publicada a sua etapa na série Hellblazer, em que colaborou com Richard Corben e com Marcelo Frusin.
Embora o seu trabalho esteja mais associado ao “policial negro” do que aos super-heróis, Azzarello colaborou com Jim Lee na revista Superman, numa mediática história em 12 números que publicamos nos volumes 3 e 4 desta coleção e, entre outras incursões pelo universo do Batman, escreveu também a novela gráfica Joker, ilustrada pelo traço único de Lee Bermejo, que publicamos no volume dedicado ao maior inimigo do Batman.

DENNY O’NEIL E NEAL ADAMS
Editor e argumentista na Marvel e na DC durante mais de três décadas, o escritor Denny O’Neil foi responsável, durante a década de 70 por memoráveis colaborações com o desenhador Neal Adams nas séries Batman e Lanterna Verde/Arqueiro Verde, em histórias adultas, desenhadas com grande realismo que redefiniram a imagem dos heróis e que abriram caminho para a revolução realizada na década seguinte, por autores como Frank Miller e Alan Moore. São essas histórias, verdadeiros clássicos incontornáveis, que vamos acompanhar nos volumes 9 e 10 desta coleção.
Se O’Neil já está reformado, Adams que se estreou na BD em 1960, na Archie Comics, mantém-se activo ainda hoje, alternando a Banda Desenhada com a publicidade e continuando a desenhar páginas espectaculares.

GEOFF JOHNS
Director Criativo da DC, escritor para televisão e proprietário de uma loja de comics, Geoff Johns começou a sua carreira como assistente de Richard Donner, o realizador do primeiro filme do Super-Homem, com Christopher Reeve. Este escritor nascido em Detroit em 1973 é um dos mais populares argumentistas da actualidade, muito por via do seu trabalho para a DC, cujas últimas grandes sagas escreveu. Tendo escrito a maioria dos heróis da DC, com destaque para o seu trabalho incontornável com o Lanterna Verde, personagem pela qual foi responsável durante nove anos, Johns é, naturalmente, o escritor mais presente nesta coleção, onde assegura o argumento dos volumes dedicados ao Flash, Lanterna Verde e Super-Homem e a Legião dos Super-Heróis.

GEORGE PEREZ
Nascido em Nova Iorque em 1954, George Perez estreou-se na BD em 1973, como assistente do desenhador Rick Buckler, mas um ano depois já trabalhava regularmente para a Marvel. Apesar de ter trabalhado em séries como os Avengers e Fantastic Four, da Marvel, os trabalhos mais importantes da sua carreira foram publicados na DC, onde teve passagens memoráveis por séries como Teen Titans e Mulher-Maravilha, destacando-se pela extraordinária elegância e detalhe do seu traço. Nesta colecção podemos apreciar o seu trabalho nos dois volumes da saga cósmica Crise das Terras Infinitas, que revolucionou profundamente o universo da DC e no volume dedicado à Mulher-Maravilha.

J. H. WILLIAMS III
Tendo-se estreado na BD como desenhador da série Deathwish, da Milestone, em 1994 J. H. Williams III assinou o seu primeiro trabalho para a DC com a série Chase, em 1997, mas foi a sua memorável colaboração com Alan Moore nos 32 números da série Promethea, onde surpreendeu com as suas planificações complexas e páginas notáveis de beleza, reveladoras de um estilo camaleónico, capaz de citar as mais díspares referências artísticas, que o tornou uma verdadeira estrela dos comics.
Nesta coleção, vamos poder apreciar a sua colaboração com o escritor Greg Rucka na recuperação da Batwoman, numa história espectacularmente desenhada e planificada, que lhe valeu os principais galardões artísticos da indústria