quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Colecção Novela Gráfica 1 - Um Contrato com Deus, de Will Eisner


WILL EISNER ABRE NOVA COLECÇÃO 
DEDICADA À NOVELA GRÁFICA

Novela Gráfica - Vol 1
Um Contrato com Deus
Argumento e Desenhos – Will Eisner

É já na próxima quinta-feira que a BD regressa ao Público numa inovadora colecção dedicada aos maiores nomes da novela gráfica, que se prolongará pelas próximas onze semanas. Uma colecção marcada pela qualidade e pela diversidade. Diversidade, de autores, de estilos, de nacionalidades, de formatos, mas que tem como elemento unificador a vontade de contar histórias de grande fôlego, difíceis de conter nos formatos mais tradicionais das 48 páginas dos álbuns franco-belgas e ainda menos nas 22 páginas dos comics americanos. A acompanhar-nos nesta emocionante viagem pelo universo da Novela Gráfica, temos uma verdadeira selecção mundial dos maiores nomes da Banda Desenhada, tal importância dos autores presentes - de Eisner a Moebius, passando por Toppi e Breccia, para citar apenas os que já nos deixaram - e a indiscutível qualidade dos seus trabalhos, muitos deles amplamente premiados.  
É precisamente o caso de Um Contrato com Deus, o livro que abre esta colecção, considerado por muitos como título iniciador do género Novela Gráfica – conta a lenda que, quando Eisner apresentou os originais de Um Contrato com Deus ao editor e ele lhe perguntou o que é que aquilo era, Eisner respondeu “it’s a graphic novel” -   e o mais marcante trabalho do seu criador, Will Eisner, falecido em 2005.
Nascido em 1917, Eisner estreou-se na BD em 1936, como desenhador, argumentista e responsável (com Jerry Eiger) por um estúdio encarregado da criação de uma série de heróis para os suplementos dominicais dos jornais, por onde passaram alguns autores que também ficaram na história, como Jack Kirby (criador, com Stan Lee, da maioria dos superheróis da Marvel), Lou Fine e Bob Kane, o criador de Batman. Apesar de desenhar dezenas de séries diferentes (a mais célebre foi a história de piratas, Hawks of the Sea) sob outros tantos pseudónimos, Will Eisner soube manter um elevado padrão de qualidade, o que lhe valeu ser contratado em 1939 pela Quality Comics Group para assegurar as 16 páginas de um suplemento dominical encomendado pelo Des Moines Register - Tribune Syndicate. É ai que vai nascer a sua maior criação, o Spirit, um detective mascarado que o vai acompanhar durante 12 anos e mais de 700 histórias, das quais bem mais de uma centena são clássicos incontornáveis e intemporais.
Apesar de, durante mais de 25 anos ter trocado as suas criações pela BD comercial e didáctica (durante duas décadas ilustrou manuais para o exército americano) e pelo ensino (foi durante muitos anos professor na School Of Visual Arts, de Nova Iorque, e autor de Comics and Sequencial Art, um livro incontornável sobre a técnica e linguagem da BD) Eisner regressou em grande força em 1978. Um regresso que se deu com este Um Contrato com Deus, livro que recolhe quatro histórias que se desenrolam num mesmo prédio de apartamentos dos anos 1930, no Bronx, traçando uma imagem sentida das frustrações, alegrias, desilusões e violência da vida das classes mais pobres da Grande Depressão na América.
Verdadeiro romance em Banda Desenhada, inspirado nas memórias da infância do autor, passada no Bronx, em que acontecimentos autobiográficos surgem ligeiramente ficcionados, Um Contrato com Deus, mostra também uma forma diferente de Eisner tratar a página de BD, abdicando muitas vezes da tradicional divisão em tiras e quadrados, fazendo as personagens evoluir suspensas ao longo da página, ao mesmo tempo que o texto e os balões se fundem com a arte. Também o uso das sombras, as perspectivas dramáticas e o expressivo tratamento das atitudes e expressões das muitas personagens que povoam este grande romance visual, revelam um autor maduro, mas suficientemente irrequieto para inovar os códigos da linguagem da BD, ou arte sequencial, como lhe preferia chamar, que ajudou a criar.
Texto publicado no jornal Público de 20/02/2015

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Apresentação da Colecção Novela Gráfica


É já na próxima quinta-feira que estreia a nova colecção de Banda Desenhada da Levoir, distribuída com o jornal Público. Uma colecção que motivou que este blog não tenha sido tão actualizado nos últimos tempos como gostaria, mas que, para mim, é a melhor colecção de BD já publicada com um jornal e o maior acontecimento editorial em Portugal nos últimos anos, na área da Banda Desenhada.
Deixo-vos então com o texto do destacável de apresentação da colecção distribuído ontem com o jornal Público e, no dia em que cada volume chegar às bancas, aqui postarei o texto de apresentação do mesmo escrito para o Público.


NOVELA GRÁFICA: UM FENÓMENO UNIVERSAL

Embora o termo tenha surgido pela primeira vez nos Estados Unidos, a novela gráfica está presente em todos os mercados e esta colecção pretende também transmitir uma ideia da dimensão global que este género de Banda Desenhada atingiu, apresentando alguns dos títulos mais emblemáticos e premiados, originários dos quatro cantos do mundo, começando naturalmente pelos E.U.A, onde a expressão nasceu.


1 – ESTADOS UNIDOS
E a colecção não podia abrir com outro autor, que não Will Eisner. Tido como o pai da novela gráfica, graças a Um Contrato com Deus, o título que abre esta colecção, Eisner nasceu em 1917 e faleceu em 2005. Foi toda uma vida dedicada à BD (ou arte sequencial, como preferia chamar-lhe) tendo estado ligado ao nascimento da indústria dos comics em 1936, através do estúdio Eisner/Eiger, do mesmo modo que, em 1978 quando regressa à BD com Um Contrato com Deus, alarga mais uma vez os limites da Banda Desenhada, fazendo-a entrar nas livrarias. Desenhador virtuoso, aliou a sua criação artística ao pensamento e análise sobre os comics, sendo autor de livros técnicos incontornáveis como Comics and Sequential Art e professor durante várias décadas na School of Visual Arts, de Nova Iorque.

Outro criador americano incontornável é Robert Crumb, o papa do Underground Comix, aqui representado por O Livro de Mr. Natural, uma recolha de histórias curtas daquele que é, a par com Fritz, the Cat, o seu personagem mais carismático.
Nascido em Filadélfia em 1943, Crumb estreou-se profissionalmente como desenhador em 1962, numa companhia de cartões de boas festas de Cleveland, mas foi no final dos anos 60 que a sua carreira na BD arrancou, graças à revista Zap Comix!, titulo escrito, desenhado e publicado pelo próprio Crumb, que rapidamente se tornou um sucesso junto da comunidade underground. Para além de uma vastíssima produção, dividida entre a Banda Desenhada e a ilustração, Crumb é também um apaixonado pela música, tocando banjo numa banda e tendo ilustrado capas para inúmeros discos de jazz, blues e rock. Crumb está radicado em França desde 1991, país que lhe atribuiu o Grande Prémio do Festival de Angoulême em 1999 e lhe consagrou uma grande exposição no Museu de Arte Moderna, em Paris, em 2012.

2 – PAÍSES FRANCÓFONOS
A Banda Desenhada de língua francesa está representada nesta colecção por um punhado de criadores incontornáveis, começando desde logo pela dupla Moebius/Jodorowsky. Senhores de carreiras impossíveis de resumir neste curto espaço, Jean (Moebius) Giraud e Alejandro Jodorowsky são conhecidos sobretudo pela série de ficção científica de culto, O Incal, mas a sua colaboração, que começou no cinema, vai muito para além disso, como o provam obras incontornáveis como Os Olhos do Gato, ou este A Louca do Sacré Coeur, uma tão divertida como desconcertante paródia às religiões, onde é possível estabelecer paralelos com a biografia dos autores.
Outro nome que dispensa apresentações é o do francê Jacques Tardi. Várias vezes premiado no Festival de Angoulême e vencedor de três Prémios Eisner, o autor nascido em 1946, que os leitores portugueses conhecem graças à série Adèle Blanc-Sec, está representado por Foi Assim a Guerra das Trincheiras, a sua obra mais emblemática, dedicada a um tema fulcral da na sua obra, a I Guerra Mundial.
Também o suíço Cosey é bem conhecido dos leitores portugueses, graças à série Jonathan, um dos títulos mais emblemáticos da revista Tintin e aqui surge representado pela sua primeira história sem herói, Em Busca de Peter Pan, díptico que tem por cenário os Alpes da sua Suíça natal e que aqui surge publicado na versão integral.
E há ainda o francês Edmond Baudoin, de que falaremos mais à frente, uma vez que o livro que o representa nesta colecção foi feito para o mercado japonês.


3 – ITÁLIA
Pátria de grandes nomes da história da BD, como Hugo Pratt, Dino Battaglia, Guido Buzzelli, ou Milo Manara, a Itália está representada nesta colecção pelo mais fabuloso dos seus desenhadores, Sergio Toppi. Senhor de um estilo único, marcado pelo revolucionário tratamento da página enquanto unidade estética, Toppi (1932 – 2012) está representado pela sua obra-prima, Sharaz-De, uma deslumbrante revisitação dos contos das Mil e Uma Noites, a que o seu grafismo único dá uma ainda maior dimensão fantástica.


4 – JAPÃO
Berço da maior indústria de Banda Desenhada a nível mundial, pátria de criadores como Osamu Tezuka e Naoki Urasawa, o Japão está (muito bem) representado por Jiro Taniguchi, o mais europeu dos desenhadores japoneses. Nascido em Totori, no Japão, em 1947, Taniguchi, que tem publicado em Portugal, O Homem que Caminha, surge nesta colecção com O Diário do meu Pai, relato intimista, de grande beleza e sensibilidade, que tem precisamente por cenário a aldeia natal do autor.
Um dos primeiros desenhadores europeus a entrar no poderoso mercado japonês, onde este livro foi originalmente publicado, o francês Edmond Baudoin, estreia-se em português nesta colecção com A Viagem. Premiado com o Alph Art para o Melhor Argumento no Festival de Angoulême de 1997, AViagem concilia a dimensão onírica e sensual, tão típicas de Baudoin, com uma narrativa assente na componente visual, características dos mangá, a BD japonesa.


5 – PENÍNSULA IBÉRICA
A Península Ibérica surge representada nesta colecção por duas novelas gráficas multi-premiadas, como são o caso de Beterraba, e A Arte de Voar. Assinada por Miguel Rocha, um dos mais virtuosos ilustradores portugueses, responsável pela ilustração do cartaz do Euro 2004, de futebol, Beterraba: A Vida numa Colher, é uma saga alentejana, contada com cores luminosas e vibrantes, feita ao abrigo de uma Bolsa de Criação Literária do Ministério da Cultura, tendo vencido os prémios de Melhor Livro e Melhor Desenho no Festival da Amadora de 2004.
Já a nossa vizinha Espanha está representada por A Arte de Voar, título de António Altarriba e Kim, que arrebatou os principais Prémios de BD espanhóis em 2010, incluindo o prestigiado Premio Nacional del Comic. Escrito pelo escritor, professor e ensaísta Antonio Altarriba e ilustrado por Kim, um dos nomes maiores da emblemática (e controversa) revista El Jueves, A Arte de Voar é um bom exemplo da grande qualidade actual da BD feita por nuestros hermanos.


6 – AMÉRICA DO SUL
E a colecção fecha com dois títulos oriundos da América do Sul, que irão ser distribuídos na mesma semana. São eles Mort Cinder, o ponto mais alto da colaboração entre o urugaio Alberto Breccia e o argentino Hector Oesterheld, que é finalmente publicado na íntegra em português e Bando de Dois, uma história de cangaceiros, narrada pelo brasileiro Danilo Beiruth, no melhor registo dos Western Spaguettis de Sergio Leone.
Hector German Oesterheld (1919-1977) foi o maior argumentista de língua espanhola, autor de séries incontornáveis como El Eternauta, Sgt. Kirk (com Hugo Pratt), ou Ernie Pike, mas foi nas suas colaborações com Alberto Breccia (1919-1993) que a sua escrita mais brilhou, muito por via do virtuosismo e da criatividade visual de Breccia, que tem em Mort Cinder o seu expoente máximo.  
Nascido em São Paulo em 1973, o brasileiro Danilo Beiruth trocou a publicidade pela BD em 2007, mas foi em 2010, com Bando De Dois, título que além do Prémio Angelo Agostini, lhe valeu três troféus HQ Mix, os mais importantes prémios da indústria de BD brasileira, que se tornou um nome incontornável da BD brasileira contemporânea.


DE QUE FALAMOS, QUANDO FALAMOS DE NOVELA GRÁFICA


Tradução literal (e incorrecta, pois novel em português, significa romance…) do termo inglês graphic novel, o termo novela gráfica entrou já no vocabulário dos leitores portugueses de Banda Desenhada e associa-se instintivamente a histórias de qualidade e com uma dimensão estética e literária requintada, menos provável de encontrar na produção editorial corrente.
A designação surge pela necessidade sentida por alguns autores americanos, de demarcarem o seu trabalho da carga depreciativa associada ao termo comics, usado de forma indiscriminada para designar a BD nos Estados Unidos. Exactamente por terem consciência que o termo se aplicava apenas a uma pequena parte da produção existente (as histórias cómicas, ou humorísticas, constituem uma parte cada vez mais ínfima da produção americana, onde os super-heróis continuam a ser o género dominante) e ao formato específico dos comic books (revistas com uma dimensão de 17 X 26 cm, com vinte e poucas páginas, normalmente ocupadas por histórias de super-heróis), surgiram outros nomes alternativos. É o caso do termo comix, utilizado para definir a BD alternativa (ou underground) surgida nos campus universitários americanos durante os anos 60 do século XX, e graphic novel, designação que aproxima a BD da literatura. Uma designação aplicada a um tipo de narrativas extensas, com uma dimensão literária e um tipo de preocupações estéticas muito difíceis de encontrar no formato restritivo de um comic book, limitado a narrativas breves, passíveis de serem contadas em pouco mais de vinte páginas.
Embora não tenha sido o primeiro a usar o termo, que já estava presente no Zeitgest cultural americano do final dos anos 70, tanto na sua forma actual, como em subtis variações, como graphic album, visual novel, ou illustrated novel, Eisner, sem nunca ter reivindicado para si esse estatuto, foi considerado por muitos como o criador da novela gráfica, pelo impacto crítico e comercial que Um Contrato com Deus teve  junto do público americano.
O sucesso de títulos posteriores como Maus de Art Spiegelman e de The Dark Knight Returns de Frank Miller e Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons (dois títulos publicados originalmente como mini-séries) ajudou a que o termo graphic novel entrasse na linguagem comum.
Mas, mesmo que ninguém lhes desse ainda esse nome, as novelas gráficas são bem anteriores, podendo mesmo englobar-se nesta categoria L’Histoire de M. Vieux Bois, de Rodolphe Topffer, publicada em 1837, como a primeira novela gráfica. Pelo menos era essa a opinião do seu amigo e primeiro crítico de BD, o filósofo e escritor Goethe, que definiu a obra de Topffer, como “a literatura do futuro”.
Também uma obra como A Balada do Mar Salgado de Hugo Pratt, criador que preferia usar o termo literatura desenhada, para classificar o seu trabalho, pode ser considerada uma novela gráfica. O mesmo se pode dizer em relação à esmagadora maioria das histórias publicadas na revista francesa (A Suivre) que, ao não impor limites de páginas aos trabalhos dos seus autores, dava-lhes a possibilidade de criar “os grandes romances da Banda Desenhada”, como é o caso de Foi Assim a Guerra das Trincheiras, de Tardi, publicado originalmente em capítulos na revista (A Suivre) e incluído nesta colecção. No fundo, não é o modo como é originalmente publicado, que define o estatuto de uma obra. Basta pensar em escritores como Charles Dickens, Alexandre Dumas, ou o “nosso” Camilo Castelo Branco, cuja obra saiu primeiro em capítulos nos jornais, antes de ser recolhida em livro.
Assim, nesta colecção temos títulos concebidos originalmente para o formato novela gráfica, como o é o caso de Um Contrato com Deus, de Will Eisner, Beterraba, de Miguel Rocha, A Arte de Voar, de Altarriba e Kim, e Bando de Dois, de Danilo Beiruth, a par com livros publicados originalmente por capítulos em revistas, como A Viagem, de Baudoin, Foi Assim a Guerra das Trincheiras, de Tardi, O Livro de Mr. Natural, de Robert Crumb, Sharaz-De, de Toppi, Em Busca de Peter Pan, de Cosey, O Diário do meu Pai, de Jiro Taniguchi e Mort Cinder, de Breccia e Oesterheld e ainda histórias completas que foram originalmente publicadas em mais do que um volume, por razões puramente editoriais, como é o caso de A Louca do Sacré Coeur, de Moebiusw e Jodorowsky.
Ou seja, títulos com origens diversas, mas que têm como grande elemento unificador a vontade de contar histórias de grande fôlego, de grande qualidade estética e literária, que sendo arte sequencial, são também literatura desenhada.


A COLECÇÃO


1 – Um Contrato com Deus
26 de Fevereiro
Argumento e Desenhos – Will Eisner
Considerada por muitos como a obra fundadora do género Novela Gráfica, Um Contrato com Deus recolhe quatro histórias curtas inspiradas nas vivências de Eisner nos bairros pobres da Nova Iorque dos anos 30. Histórias que se desenrolam num mesmo prédio de apartamentos no Bronx, traçando uma imagem cheia de riqueza das frustrações, alegrias, desilusões e violência da vida das classes mais pobres da Grande Depressão na América.

2  – A Louca do Sacré Coeur
05 de Março
Argumento – Alejandro Jodorowsky
Desenhos – Moebius
Alain Mangel, professor de filosofia na Sorbonne, é seduzido por uma das suas alunas, Elizabeth. Possuída por verdadeiros delírios místicos, ela arrastará o professor para um furacão de acontecimentos inesperados e delirantes que irão pôr à prova a racionalidade de Mangel. Um misto de paródia mística, farsa sagrada, caminho iniciático, e exorcismo, assinado por dois nomes maiores da BD mundial.

3  – A Viagem
12 de Março
Argumento  e Desenhos – Edmond Baudoin
Um belo dia, Simon um empregado de escritório parisiense, com a cabeça cheia de imagens abandona a mulher, o filho, a casa, o emprego e a sua cidade, para partir numa viagem pela França, à procura de si próprio. Uma viagem poética, com um toque surreal, contada pelo traço sensual de Baudoin, feita originalmente para o mercado japonês e galardoada em 1997 com o prémio para o Melhor Argumento no Festival de Angoulême.


4  – Foi Assim a Guerra das Trincheiras
19 de Março
Argumento  e Desenhos – Jacques Tardi
Retrato realista e cruel da Guerra de 1914-1918, Foi Assim a Guerra das Trincheiras é, de longe, a mais popular e aclamada obra de Tardi, um dos mais respeitados e premiados autores franceses. Homenagem ao seu avô, que lutou na Primeira Guerra Mundial, foi evoluindo ao longo dos anos em que foi sendo publicada. De pano de fundo para histórias contadas em banda desenhada, transformou-se lentamente numa denúncia poderosa dos horrores do conflito que aniquilou uma geração inteira.


5  – Beterraba: A Vida numa Colher
26 de Março
Argumento e Desenhos – Miguel Rocha
Oligário, um patriarca alentejano luta contra a avareza do solo alentejano, que nada lhe permite cultivar e a crueldade do destino, que lhe nega o filho varão que tanto deseja, tentando moldar a terra que o rodeia à sua ambição, numa história simultaneamente épica e intimista, a meio caminho entre o neo-realismo e o realismo mágico sul-americano. Um livro poderoso, de um dos mais talentosos ilustradores nacionais, que volta a estar disponível, agora em capa dura e com uma nova capa.

6  – A Arte de Voar
02 de Abril
Argumento – António Altarriba
Desenho –  Kim
Nascido em 1910 em Espanha, António Altarriba pai atravessará o século e as suas horas mais negras, para se suicidar em 2001. António Altarriba, filho, irá em busca da história dele, para poder contá-la e talvez conseguir perceber as razões do suicídio deste homem de 91 anos que tinha sobrevivido a duas guerras mundiais. Mas mais do que uma simples biografia gráfica, A Arte de Voar é um panorama brilhante do século 20 espanhol.


7  –  O Livro de Mr. Natural
09 de Abril
Argumento e Desenho – Robert Crumb
Um verdadeiro clássico do comic underground, assinado pelo mestre Robert Crumb, protagonizado pela sua carismática criação, o guru Mr. Natural, cuja trajectória acompanhamos, desde as aventuras iniciais dos anos 60, até aos anos 90, marcados pelo controverso ciclo da Devil Girl.

8  – Em Busca de Peter Pan
16 de Abril
Argumento e Desenho – Cosey
Sir Melvin Woodworth, um escritor inglês, parte para os Alpes em busca de inspiração para o seu novo romance, e das memórias do seu irmão Dragan, um pianista desaparecido naquelas montanhas anos antes. Mas, no cenário imponente dos Alpes suíços, Melvin vai fazer uma descoberta que vai afectar de forma profunda a sua vida. A primeira novela gráfica de Cosey, o criador de Jonathan.

9  – Sharaz-De: Contos das Mil e Uma Noites
23 de Abril
Argumento e Desenhos –  Sergio Toppi
Sharaz-De, a Sherazade dos contos das Mil e Uma Noites, surge aqui reinterpretada pelo traço inconfundível do mestre Italiano Sergio Toppi, num conjunto de 11 contos ilustrados num estilo de grande audácia gráfica, marcado por um espectacular sentido de composição, que revoluciona a estrutura habitual da página clássica de banda desenhada. A obra-prima do Mestre Italiano finalmente disponível em Portugal!


10  –  O Diário do meu Pai
30 de Abril
Argumento e Desenhos – Jiro Taniguchi
Yoichi Yamashita um designer que vive em Tóquio, regressa a Tottori, a sua terra natal, para o funeral do seu pai. Um regresso às suas raízes, que leva a evocar a infância e a perceber finalmente o motivo por que o seu pai abandonou a família. Um relato intimista e comovente, com laivos de autobiografia, contado com grande beleza e extrema sensibilidade pelo mais europeu dos desenhadores japoneses, Jiro Taniguchi.

11  –  Mort Cinder
06 de Maio
Argumento – Hector Oesterheld
Desenhos – Alberto Breccia
A vida pacata do antiquário Ezra Wiston vai sofrer uma alteração radical quando conhece Mort Cinder, o vagabundo do tempo, homem de mil e uma vidas e outras tantas mortes. Juntos vivem aventuras em que o ambiente fantástico não esconde uma visão profundamente humana do mundo.
Ponto mais alto da colaboração entre os dois geniais criadores argentinos, Mort Cinder é justamente considerado como uma obra-prima e um livro absolutamente incontornável, que surge primeira vez em Portugal numa edição integral.

12  –  Bando de Dois
07 de Maio
Argumento e Desenhos – Danilo Beyruth
Tinhoso e Caveira de Boi, "os dois últimos sobreviventes de um bando de vinte cangaceiros partem em busca das cabeças decepadas de seus companheiros, preparados para enfrentar um exército. Cada um com os seus motivos. O brasileiro Danilo Beiruth cria em O Bando de Dois um verdadeiro Western Spaguetti em papel, que conquistou a crítica e os leitores brasileiros aquando da sua publicação, em 2010.
Publicado originalmente no jornal Público de 21/02/2015

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Revoir Paris 1: Schuiten e Peeters e Miyazaki

Este ano, as coisas proporcionaram-se para poder passar uns dia em Paris, logo a seguir ao Festival de Angoulême e se a cidade em si, mesmo em estado de sítio, com militares armados nas ruas e nas principais atracções turísticas, tem sempre muitíssimo que ver e que fazer, também no campo da BD, não faltam motivos de interesse.
 Uns desses motivos de interesse era a exposição Revoir Paris, comissariada por Schuiten e Peeters, em exibição na Cité de l'Architecture et du Patrimoine, na zona do Trocadero, pertissimo da Torre Eiffel, em que a dupla de criadores misturava os seus trabalhos inspirados pela Cidade Luz, que é protagonista do seu mais recente álbum, Revoir Paris, mais uma reflexão sobre arquitectura e utopia, desta vez exterior ao universo das Cidades Obscuras, onde Phary, o equivalente obscuro de Paris, tem tido dificuldade em adquirir um protagonismo semelhante a Xystos, ou Urbicande.
Bastante sóbria em termos cenográficos, a mostra valia pelos originais de Schuiten, mas este era claramente um daqueles casos em que a leitura do excelente catálogo, substituía com vantagem a visita à exposição. Bem mais interessante era a outra exposição temporária em cartaz na Cité, centrada na vida e obra do arquitecto Viollet Le Duc, responsável pelo restauro da catedral de Notre Dame e de dúzias de castelo, cuja abordagem criativa, mais interessada em criar cenários românticos do que em respeitar o rigor histórico, do restauro serviu de base à maioria das intervenções realizadas em Portugal nos anos 40, de que o castelo de São Jorge, em Lisboa, é um bom exemplo.
Tendo formação em História da Arte, conhecia já o trabalho de Viollet Le-Duc. O que não conhecia era o seu grande talento de ilustrador e aguarelista, que esta completa exposição dava a conhecer. E a própria colecção permanente do Museu vale muito a pena, pelo que, mesmo sem o pretexto de Schuiten e Peeters, é um sítio a visitar em Paris.
Outro sítio que não conhecia é o novo Museu da Arte Lúdica, perto da Estação de Austerlitz, instalado num moderno edifício à beira Sena, que acolhia uma mostra organizada pelo Museu Ghibli e dedicada ao Mestre Miyazaki e aos principais animadores dos Estúdios Ghibli, que reunia milhares de originais dos storyboards dos filmes de animação do Estúdio, que em plena era digital continua a nao dispensar o toque humano. Uma mostra extremamente exaustiva, acompanhado de um interessante comentário audio e que apenas pecava por um percurso algo confuso e por alguns problemas de sinalização, mas que me deixou cheio de vontade de rever os filmes Miyazaki. À saída da exposição, o visitante tinha oportunidade de tirar uma fotografia contra um fundo verde, que pemitia inseri-lo dentro de um desenho de storyboard e aparecer sentado ao lado da pequena Chihiro. uma oportunidade que eu não desperdicei e cujo resultado final pode ser apreciado no fim deste primeiro post, dedicado à minha estadia em Paris.
                      Os originais de Schuiten na exposição Revoir Paris
                   Pormenor da exposição Revoir Paris
                   A exposição permanente da Cité de L'Architecture
              Entrada da exposição dedicada aos desenhos dos Estúdios Ghibli
                      Cenários para o filme Ponyo by the Sea
                    Storyboard de Howl's Moving Castle
                             Em viagem com Chihiro

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

75 Anos de Batman 3 - Batman: Presa


O MÉDICO E O MORCEGO

Temos podido apreciar ao longo  desta colecção dedicada aos 75 Anos de Aventuras do Batman, a forma como a colaboração harmoniosa entre um argumentista e um desenhador permite realçar os pontos fortes de cada um, criando uma obra cuja qualidade é superior à mera soma do talento individual dos seus criadores. Isso ficou bem evidente na forma como os textos de Grant Morrison ganham uma dimensão completamente diferente ao serem ilustrados por Dave McKean, ou Klaus Janson e ainda mais nas colaborações reveladoras de uma extraordinária cumplicidade entre Frank Miller e David Mazzucchelli e Jeph Loeb e Tim Sale, dois bons exemplos de duplas criativas em absoluta sintonia, cuja capacidade de colaboração que confirmamos de forma inequívoca nesta colecção, já tínhamos podido antever em anteriores colecções de super-heróis da Levoir.

O escritor Doug Moench e o desenhador Paul Gulacy - que assinam a história que poderão ler a seguir, publicada originalmente entre 1990 e 1991, nos nºs 11 a 15 da revista Legends of the Dark Knight - desde os anos 70 do século XX, que são o exemplo perfeito dessa capacidade de entendimento quase telepática entre dois criadores que se completam. Nascido em Chicago em 1948, Moench iniciou a sua carreira como escritor profissional em 1970, escrevendo artigos para o Chicago Sun-Times e argumentos de comics para a editora Warren, mas os leitores da DC conhecem bem o seu trabalho nas revistas do Batman ao longo de várias décadas, onde foi responsável pela substituição de Dick Grayson por Jason Todd como Robin, nos anos 80, sendo na década seguinte um dos principais argumentistas de Knightfall, o famoso arco de histórias em que Bane parte a coluna a Bruce Wayne e Azrael é obrigado a assumir temporariamente o manto do Batman. Com a colaboração do desenhador Kelley Jones, Moench foi também responsável pela versão vampiro do Cavaleiro das Trevas no Universo Elseworlds, que os leitores portugueses puderam descobrir em Chuva Vermelha, uma das histórias incluídas no volume Batman: Outros Mundos, publicado na primeira colecção que a Levoir dedicou à DC.
Nascido em 1953, Gulacy tem o seu trabalho espalhado pelas principais editoras americanas, mostrando-se perfeitamente à-vontade nos mais diversos registos, da ficção científica às histórias de super-heróis, passando pelo Western e pelas histórias de espionagem, ou de espada e feitiçaria, sendo responsável, com o escritor Don McGregor, por Sabre, uma das primeiras graphic novels a ser publicada no mercado americano, tendo mesmo chegado às livrarias em Agosto de 1978, dois meses antes da publicação de A Contract With God, de Will Eisner, considerada por muitos como o título fundador do género graphic novel.
A primeira (e para muitos, a mais marcante) colaboração entre Moench e Gulacy dá-se no início da carreira deste último, em 1974, quando ainda era estudante no Art Institute of Pittsburgh e Doug Moench substituiu o argumentista Steven Englehart no nº 20 da revista Master of Kung-fu, que Gulacy tinha começado a desenhar pouco antes, no nº 18. Juntos, pegaram numa série criada apenas para aproveitar a grande popularidade que os filmes de Kung-Fu tinham na altura, e misturando ingredientes de histórias de espionagem, policial e artes marciais, criaram uma série épica, que muitos leitores, entre os quais o realizador Quentin Tarantino colocam entre os melhores comics da década de 70. O realizador de Pulp Fiction afirma mesmo que Master of Kung-Fu foi, de longe, o melhor comic que leu na década de 70.
Um dos factores que atraiu leitores como Tarantino, é a dimensão cinematográfica do trabalho da dupla, um aspecto realçado pelo editor Archie Goodwin, que refere que “Doug Moench e Paul Gulacy têm produzido de forma consistente material que é inovador, intenso e visualmente cativante… muitos de nós que trabalhamos no meio dos comics aspiramos a uma abordagem cinematográfica, mas através da sua mescla de ritmo narrativo, diálogos e impacto visual, Moench e Gulacy criam verdadeiros filmes em papel.”
Por isso, não admira que Moench e Gulacy tenham sido dos primeiros autores convidados a colaborar na revista Legends of the Dark Knight, criada em 1989 para permitir a criadores de prestígio explorar em histórias autónomas, longe da continuidade das revistas mensais, os primeiros anos de actividade do Batman. No caso de Moench e Gulacy, não se tratou da sua estreia com o personagem, pois os dois já tinham colaborado em The Dark Rider, uma história do Cavaleiro das Trevas, publicada em 1986, nos nºs 393 e 394 da revista Batman. Mas este foi um regresso muito agradável para o desenhador, que refere: “para mim, a parte divertida de trabalhar com o Batman é que ele actua principalmente de noite. Isso dá-me oportunidade de jogar com as sombras e com uma iluminação de alto contraste. Batman adora a escuridão e adora trabalhar sozinho. Consigo identificar-me com isso.”
Em Prey, a dupla vai explorar a forma como Batman e o então Capitão James Gordon vão criar uma relação de cumplicidade, ao mesmo tempo que recupera um vilão clássico, o Professor Hugo Strange, um dos primeiros inimigos do Batman, que apareceu pela primeira em 1940, nas revistas Batman e Detective Comics, onde é retratado como um cientista louco. Em Prey, Strange surge adaptado aos novos tempos, apresentando como um psiquiatra obcecado pelo Cavaleiro das Trevas, que consegue mobilizar a opinião pública contra o Batman. Um indivíduo tão perturbado como inteligente, que quase descobre a identidade secreta de Batman e que, nas palavras de Paul Gulacy “é definitivamente o mais estranho vilão que alguma vez desenhei e um dos mais divertidos.”
Não faltam também nesta história outros momentos fundadores da mitologia do Cavaleiro das Trevas, como a criação do Batsinal, ou a construção do primeiro Batmóvel, mas o que antes de mais chama a atenção do leitor, é a audácia da planificação, o dinamismo do traço realista de Paul Gulacy, muito bem servido pela arte-final de Terry Austin, e o extraordinário sentido de movimento presente nas cenas de acção, coreografadas por Gulacy como um verdadeiro filme de artes marciais.
Naturalmente, os leitores não ficaram indiferentes à qualidade desde “filme de papel”, na expressão feliz de Archie Goodwin, dirigido por Moench e Gulacy e a dupla de criadores foi convidada a escrever uma continuação para esta história, trazendo de volta o Professor Hugo Strange. Essa continuação, publicada cerca de 10 anos depois, nos nºs 137 a 141 da revista Legends of the Dark Knight, foi Terror, mas apesar de não desiludir, bem longe disso, Prey continua a ser indiscutivelmente o ponto mais alto da ligação de Doug Moench e Paul Gulacy com o Cavaleiro das Trevas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Um punhado de imagens de Angoulême 2015



Como não podia deixar de ser, o Festival de Angoulême deste ano, ficou marcado pelo massacre do Charlie Hebdo, com cartazes com as capas de números emblemáticos do jornal, espalhadas pelas paredes da cidade e com o Museu de Banda Desenhada a substituir a sua exposição permanente por uma mostra temporária dedicada ao famoso jornal, e às publicações que o antecederam, como a Hara Kiri e o Charlie Mensuel. Naturalmente, as distribuidoras aproveitaram para redistribuir o famoso número pós-massacre, que chegou aos sete milhões de exemplares de tiragem, e esse último número encontrava-se facilmente em qualquer quiosque de Angoulême.
 Os tempos agitados que se vivem em França na sequência do atentado que decapitou a redacção do Charlie Hebdo, faziam-se notar também nos controles de segurança à entrada dos stands e das exposições e no facto de haver mais polícias na cidade do que autores de BD. Só nas traseiras do edifício da Mairie (a Câmara Municipal, onde funciona o secretariado do Festival) contei 15 carrinhas da policia estacionadas...
Mas o Festival não foi só Charie Hebdo e Bill Waterson, o presidente desta edição, que como se esperava, não pôs os pés em Angoulême durante o Festival, teve direito a uma bela exposição retrospectiva no Espaço Franquin, concebida pelo Billy Ireland Cartoon Library and Museum, da Universidade de Columbus, no Ohio, a quem Waterson doou o seu espólio de originais. Uma bela exposição, acompanhada de um belíssimo catálogo, com uma grande entrevista que o criador de Calvin e Hobbes concedeu a Jenny E. Rob, a conservadora do Museu e comissária desta exposição. 
Também Lewis Trondheim disfarçou o seu Fauve, o gato que funciona como mascote do Festival, de Hobbes, numa imagem que podemos ver aqui ao lado e que surgiu também nos pins produzidos pela organização.
Outro nome em grande destaque, foi o japonês Jiro Taniguchi, que antecedeu o seu compatriota Katshuiro Otomo, o criador de Akira, vencedor do Grande Prémio deste ano, como o autor que teve direito a ver o seu trabalho exposto no Festival de Angoulême, uma honra que para o ano, por inerência do Grande Prémio, caberá a Otomo. Autor cujas ligações a França são bem conhecidas, Taniguchi foi o autor em destaque no Vaiseau Moebius, o antigo Museu da BD de Angoulême, com uma retrospectiva bastante exaustiva da sua carreira, onde brilhavam as aguarelas que fez para o luxuoso caderno de viagens de Veneza editado pela Louis Vuitton.
Outro nome em destaque no Festival, com direito também a uma bela exposição foi Jack Kirby, o King dos comics, cuja obra tem vindo a ser editada em França pela Urban, a linha da Dargaud para o material americano, que prima pelas edições geralmente superiores às originais.

No caso da muito instrutiva e bem documentada exposição de Kirby, o maior senão era a total ausência de originais, substituídos por reproduções facsimiladas das pranchas, digitalizadas pela Jack & Roz Kirby Fondation,
Também o argumentista Fabien Nury teve direito a uma exposição no espaço Franquin, que deu para perceber a quantidade de séries que este argumentista já escreveu e apreciar os magníficos originais de Christian Rossi para a série W.E.S.T.
E para quem gosta de ver pranchas originais (comprar já é mais complicado...) havia muita oferta no stand Para BD, na praça junto ao bar Le Chat Noir, que é o ponto de encontro obrigatório para beber um copo mal o Festival fecha as portas, e na Galeria da Glenat, que todos os anos se muda para Angoulême durante o Festival e onde era possível apreciar originais de Franquin, Boucq, Bilal, Alberto Breccia, George Bess e Druillet, entre outros, geralmente a preços proibitivos.
Quanto a exposições, para além do prazer de rever a mostra dedicada ao Jim Curioso, de Mathias Picard, que já tinha estado na Amadora, o meu último destaque vai para a exposição que estava no Teatro de Angoulême, Le Demon du Blues que, a propósito do lançamento do álbum Love in Vain, de Mezzo e Dupont, sobre o Músico de blues Robert Johnson, reúne exemplos de várias BDs que abordam o tema, com destaque para o trabalho de Robert Crumb.
Mas Angoulême não é só as exposições e há muito boa gente que passa 2 ou 3 dias no Festival sem ver uma única exposição, ocupados que estão com as sessões de autógrafos, ou tentar descobrir as inúmeras novidades lançadas por ocasião do Festival, ou vasculhando os stands dos alfarrabistas em busca de alguma novidade.
De acordo com a imprensa especializada, este ano o Festival teve menos visitantes do que nos anos anteriores, talvez porque algumas pessoas, com medo dos atentados, tenham preferido ficar em casa. Mas para quem tentasse entrar nos stands, visitar exposições, ou simplesmente andar nas ruas, durante o dia de sábado, a diminuição do número de visitantes não era nada perceptível.
A verdade é que continua a haver muita gente que não quer perder uma edição do maior Festival europeu de BD. Eu cá, se tudo correr bem, conto voltar em 2016, para ver a exposição dedicada a Katshuiro Otomo e os mais que o Festival tiver para mostrar.
      O Museu de Banda Desenhada onde estava a Homenagem ao Charlie Hebdo

             Geluck e os perigos do humor na homenagem ao Charlie Hebdo
                       Calvin e Hobbes ao lado dos originais de Bill Waterson

            Auto-retrato de Bill Waterson nos seus tempos de cartoonista político
                           A entrada da exposição dedicada a Fabien Nury
                        Trabalhos da fase inicial de Taniguchi
                                                O título diz tudo...
                                       A força do traço de Jack Kirby
               A exposição dedicada aos Blues no Teatro de Angoulême
             Pormenor da exposição, com os originais de Mezzo em destaque
                               Sábado à tarde nas ruas de Angoulême

domingo, 1 de fevereiro de 2015

75 Anos de Batman 2 - Batman: Asilo Arkham


BATMAN DO OUTRO LADO DO ESPELHO

Um dos mais importantes edifícios de Gotham City, o Asilo Arkham, um hospital-prisão, que acolhe os mais perturbados inimigos do Batman, surge pela primeira vez numa aventura do Cavaleiro das Trevas, numa história escrita por Denny O’Neil e desenhada por Irv Novick, publicada em 1974 no nº 258 da revista Batman, mas seria Len Wein o primeiro a explorar mais a fundo a sua história no nº1 da revista Who’s Who, de 1985.
Neil Gaiman, o criador de Sandman, define perfeitamente a importância do Asilo Arkham na mitologia da DC, ao referir que “o que torna o Asilo Arkham interessante é ser aquilo que está debaixo da pedra da DC. Tens uma bela pedra com todos esses heróis, mas se levantarmos essa pedra descobrimos uma série de pequenos insectos e vermes a estrebuchar. O Asilo Arkham é a terra onde esses vermes repousavam.”
Na história que podem ler nas páginas seguintes, essa pedra é levantada e o Batman é atirado para essa terra remexida e rodeado pelos vermes, numa viagem, tanto física como mental, pelo lado mais sombrio do Universo DC, que põe em risco a sua própria sanidade. Publicado originalmente em 1989, Asilo Arkham para além de ser a história definitiva sobre o Asilo Arkham, foi o título que atirou os seus autores, o escocês Grant Morrison e o inglês Dave McKean, para o estrelato, muito pelo modo como o excepcional trabalho gráfico de McKean se articula com o texto cheio de referências literárias de Morrison, que explora aqui pela primeira vez o universo do Cavaleiro das Trevas, iniciando um percurso brilhante como escritor do Batman, de que pudemos acompanhar alguns dos principais momentos nas anteriores colecções que a Levoir dedicou à DC Comics.
No entanto, esta bem-sucedida dupla nasceu de um acaso. Grant Morrison escreveu Asilo Arkham sem ter nenhum desenhador específico em mente e a decisão de entregar a arte da história a Dave McKean partiu da editora da DC, Karen Berger, que esteve ligada ao recrutamento de alguns dos maiores criadores ingleses, de Alan Moore a Neil Gaiman, passando por Brian Bolland e Dave Gibbons, pela DC. Na altura Mckean estava a desenhar a mini-série Black Orchid, escrita pelo seu amigo Neil Gaiman, mas Berger achou que era muito arriscado lançar dois jovens autores ingleses completamente desconhecidos do público americano, num título também desconhecido. Por isso, decidiu pôr McKean numa aventura de Batman que Grant Morrison estava a escrever, e dar um título mensal a Neil Gaiman. E foi assim que McKean conseguiu Asilo Arkham, e Gaiman conseguiu Sandman, embora, na prática, Black Orchid acabasse por ser editado antes do Asilo Arkham, pois a DC acabou por atrasar o lançamento do livro, de modo a não interferir com a estreia do filme Batman, de Tim Burton, então prestes a chegar às salas.
Com um nome que traduz uma clara homenagem ao escritor H.P. Lovecraft (cujas histórias tinham normalmente por cenário uma cidade fictícia chamada... Arkham) o Asilo Arkham é um hospício onde está aprisionada a vasta galeria de inimigos de Batman. Uma casa de loucos, fundada por um louco, o professor Amadeus Arkham, cuja história se cruza com a de Batman na complexa narrativa criada por Morrison. O escritor escocês, em 2005, no texto incluído na edição do 15º aniversário da publicação do Asilo Arkham define a sua história como “uma narrativa sobre a psicologia humana em que Batman e os seus inimigos são usados como símbolos. A Casa, o Asilo, não é um lugar físico, mas o cérebro de alguém.
A construção da história foi influenciada pela arquitectura da casa - o passado e o conto de Amadeus Arkham formam a cave. As passagens secretas ligam ideias e segmentos do livro. As histórias que se passam nos pisos superiores, estão cheias de simbolismos e de metáforas. Temos também referências à geometria sagrada, pois a planta do Asilo Arkham é inspirada pela Abadia de Glastonbury e pela Catedral de Chartres. O percurso ao longo do livro é como uma travessia pelos vários pisos da casa. A casa e o cérebro são um só.”
Não por acaso, o livro abre e fecha com citações da Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol e, tal como a heroína de Carrol, também Batman passa para o outro lado do espelho ao entrar no Asilo Arkham. Tal como acontece no filme O Feiticeiro de Oz, de Victor Fleming, também aqui essa passagem do mundo real para um universo fantástico é dada pela cor, que está ausente das sequências iniciais com Batman em Gotham City e que McKean trabalha como ninguém, numa espectacular mistura de técnicas, nas cenas passadas no interior do Asilo Arkham.
Também a opção de o Batman ser uma figura mais sugerida que mostrada, que deu uma aura de mistério ao livro, tem segundo Neil Gaiman uma explicação bastante prosaica, como se percebe pelo excerto da entrevista conduzida por Whitley O’Donnell, publicada em 1991, no nº 103 da revista Comics Interview em que refere: “As pessoas estão sempre a perguntar ao Dave onde é que ele foi buscar a ideia de representar o Batman como essa figura negra e misteriosa que o leitor nunca chega a ver bem, mas a verdade é que ele não gosta de desenhar o Batman. Por isso, passou o livro todo a tentar mostrar o menos possível do Batman!”
Muito mais uma história de terror psicológico carregada de simbolismos do que uma simples aventura de Batman, Asilo Arkham, para além de ser o resultado de uma feliz sucessão de acasos, é, acima de tudo, um deslumbrante catálogo das notáveis possibilidades estéticas  da arte de Dave McKean, um dos mais talentosos e versáteis artistas (e designer) que já passaram pelo mundo dos comics que, tal como Morrison faz em relação às referências literárias, vai buscar elementos da pintura simbolista, do impressionismo e do surrealismo, numa mistura de técnicas, em que o desenho se articula com a pintura, com a fotografia e as colagens, num todo visualmente deslumbrante e, até então, nunca visto numa história de super-heróis.
Considerado pelo site IGN como uma das cinco melhores histórias do Batman de sempre, Asilo Arkham está também na origem de uma série de jogos de computador de sucesso, iniciada em 2009, com o jogo escrito por Paul Dini - um dos responsáveis pela série de animação Batman Adventures e argumentista responsável por Batman: Detective, um dos próximos volumes desta colecção - que veio alargar a imensa popularidade de Batman a um público que não se restringe aos leitores de comics. Mas foi nesta viagem perturbadora ao outro lado do espelho que tudo começou!