segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Editoriais para a Colecção Heróis Marvel II - Parte 2: Surfista Prateado



SURFISTA PRATEADO: DE SUPER-HERÓI INCOMPREENDIDO A ÍCONE DA CULTURA POP
No filme Crimson Tide (Maré Vermelha, nos cinemas portugueses), realizado por Tony Scott em 1995, há uma cena em que o tenente do submarino, interpretado por Denzel Washington, tem que interromper uma violenta discussão entre dois marinheiros. O motivo dessa acesa discussão consistia em decidir qual o maior desenhador do Surfista Prateado. Se Jack Kirby, o seu criador, se o francês Moebius. Patrioticamente, Washington resolveu a discussão decretando que "qualquer fã de comics sabe que o melhor Surfista é o de Jack Kirby". Esta cena, escrita por Quentin Tarantino, para além da injustiça feita a John Buscema, o desenhador que mais páginas ilustrou com a personagem, é reveladora do impacto que Moebius conseguiu com a sua curta ligação à série, enquanto desenhador de Parábola, uma história em duas partes escrita por Stan Lee. Curiosamente, apesar de emblemática, esta não é a primeira referência importante ao Surfista Prateado no cinema. Anos antes, em 1983, no filme Breathless, o remake que o americano Jim McBride fez de À Bout de Souffle de Jean-Luc Godard, com Richard Gere a substituir Belmondo como protagonista, as revistas do Surfista Prateado que a personagem traz sempre consigo, funcionam quase como um guia espiritual, com as histórias do Surfista a reflectirem e comentarem a vida de Jesse, o anti-herói do filme.
Dois exemplos do apelo do Surfista Prateado fora do mundo da BD, a que podemos juntar o disco de Joe Satriani, Surfing With the Alien, que tem precisamente como ilustração de capa uma ilustração do Surfista, feita por John Byrne. Grande fã do Surfista Prateado, Satriani tem também noutro disco uma canção chamada Back to Shalla Bal, sendo Shalla Bal a mulher que o Surfista teve de deixar, quando aceitou acompanhar Galactus pelo Espaço sideral.
Apesar deste seu estatuto de ícone da cultura Pop, o Surfista Prateado nunca foi dos mais populares heróis da Marvel e pode dizer-se que surgiu quase por acidente. Visto pela primeira vez em 1966, nas páginas dos números 48 a 50 da revista Fantastic Four, numa história que ficou conhecida como a Trilogia de Galactus, o Surfista Prateado nasceu da iniciativa espontânea de Jack Kirby. O desenhador achou que uma criatura tão poderosa como Galactus, o devorador de mundos, necessitava de um arauto que o antecedesse, anunciando a sua chegada, ou fazendo um paralelo com a mitologia judaico-cristã, de um anjo que, à semelhança do anjo Gabriel que anuncia à Virgem Maria que esta vai ser mãe do filho de Deus, avisasse a humanidade da chegada iminente do Deus Galactus. Essa criatura de pele brilhante como prata, descobriu-a Stan Lee quando Kirby lhe passou as páginas desenhadas da saga de Galactus para ele escrever os diálogos, e o argumentista teve a surpresa de descobrir “um surfista de pele prateada cavalgando os céus em cima de uma veloz prancha”, prancha essa, de que Kirby se lembrou, por ser muito mais fácil e rápida de desenhar do que uma nave espacial...
Nascido como Norrin Radd, um jovem astrónomo do Planeta Zenn-La, o Surfista, para salvar o seu planeta da destruição, vai oferecer-se como arauto do poderoso Galactus, deixando para trás a mulher que ama, a bela Shalla Bal, para acompanhar o Devorador de Mundos na sua busca por planetas que lhe permitam saciar a sua necessidade inesgotável de energia. E se Galactus é uma figura que está para além do bem e do mal, já o Surfista está bastante mais próximo da Humanidade, através da sua dimensão trágica e do carácter filosófico das suas reflexões sobre a Humanidade pela qual se sacrificou, colocando-se ao lado do Quarteto Fantástico contra Galactus, que pretendia destruir o planeta Terra para aplacar uma fome insaciável. Tendo abdicado das estrelas para salvar os homens, qual Prometeu, o Surfista Prateado vai-se tornar uma das personagens favoritas de Stan Lee, que embora não a tenha criado, cedo percebeu como o Surfista se enquadrava no espírito de uma época, em que a música dos Beach Boys veio dar outra popularidade ao Surf.

Assim, em 1968, o Surfista Prateado passa a sulcar os céus na sua própria revista mensal, em histórias escritas por Stan Lee e desenhadas, não já pelo seu criador, Jack Kirby, mas pelo traço mais clássico de John Buscema, desenhador cujo trabalho podemos acompanhar neste volume em três episódios da revista mensal, em que o Surfista Prateado enfrenta o Homem-Aranha, participa numa revolução na América Latina e reencontra a sua amada Shalla Bal, para a voltar a perder logo de seguida… Ainda com arte de Buscema, este volume traz a novela gráfica Juízo Final, de 1988, uma curiosa experiência gráfica contada quase inteiramente com recurso a imagens de página inteira, com excepção de uma página dividida em três quadrados, cedência rapidamente compensada com uma dupla página. Para além desta pouca habitual escolha de paginação, mas que vem de encontro à tendência que Buscema tinha de usar imagens de grandes dimensões, para assim conseguir mais espaço em cada quadrado de modo a dar a cada vinheta a escala grandiosa que a saga cósmica do Surfista Prateado merece - o que o levou a optar por uma divisão preferencial da página em duas tiras na revista mensal do Surfista por oposição à planificação habitual em Kirby de três tiras por página - a forma como a história foi escrita, levando o “método Marvel” ao extremo, não deixa de ser curiosa. A história foi imaginada por Tom De Falco e pelo próprio John Buscema, com Stan Lee a limitar-se a escrever os diálogos, depois da história, que coloca o Surfista e Galactus lado a lado contra Mefisto, já estar toda desenhada.

Não obstante a qualidade e a importância do trabalho de John Buscema com o Surfista Prateado, o ponto alto deste volume é a colaboração, tão fugaz como conseguida, entre Stan Lee e Moebius, que permitiu a um dos poucos génios incontestados da BD franco-belga desenhar uma história de super-heróis. Tudo começou durante uma refeição que os dois autores partilharam, num Festival americano (embora as declarações de Stan Lee e Moebius não sejam coincidentes em relação ao ano, ao Festival, ou sequer se foi a um almoço ou a um jantar, em que esse encontro aconteceu). Mas, mais importante do que a data ou o local do encontro, foi o resultado, que confirma o génio de Jean Moebius Giraud, que soube jogar a fundo o jogo dos comics americanos, seguindo todas as suas regras e códigos, sem abdicar do seu universo pessoal. Veja-se o último quadrado da página 9, com a multidão a fugir, cheio de deliciosos pormenores, que são puro Moebius, ou a leveza etérea do seu Surfista, que parece esculpido num cristal de Aedena. Um ser de luz, que Moebius descreve assim: “o meu Surfista é imbuído de graça. Vejo-o como alguém elegante, altivo. Ele faz Tai-Chi, como eu!” Também o argumento de Stan Lee parece aqui em estado de graça, com uma interessante abordagem do fanatismo religioso, que deve ter calado fundo a Moebius, acabado de sair de uma experiência semelhante, depois de ter vivido em comunidade no Taiti com a seita de Jean-Paul Appel-Guerry, que tem grandes pontos de contacto com L. Ron Hubard, o criador da Cientologia. Perante este encontro feliz entre dois mestres da Banda Desenhada dos dois lados do Atlântico e as diferentes facetas do Surfista de John Buscema, que este volume dá a descobrir, caberá ao leitor decidir quem é o melhor desenhador do Surfista Prateado.
Os leitores mais atentos, poderão detectar algumas diferenças entre a versão impressa e o meu texto original, desde o título a alguns pormenores. Também por isso, pareceu-me interessante colocar as duas versões. Naturalmente, este é o meu último texto de 2012. Espero ver-vos por aqui em 2013, ano em que procurarei actualizar este blog com maior frequência. Bom Ano!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Schuiten regressa com 12: A Doce


Uma das novidades da Asa para esta “rentrée” foi o regresso de Schuiten às livrarias portuguesas, desta vez assinando a autoria completa de uma história fora do universo das Cidades Obscuras, centrada na relação de um velho mecânico com a sua locomotiva, a mítica 12, uma poderosa e velocíssima locomotiva a vapor de linhas arrojadas, de que apenas se construíram seis exemplares, nos finais dos anos 30 e que o advento dos comboios electricos e a falta de metal durante a II Guerra Mundial, que levou à destruição de cinco das seis locomotivas produzidas, atiraria para o esquecimento, de que Schuiten a veio resgatar.
É precisamente a última dessas lendárias máquinas, a 12.004, cujo “design” futurista não destoaria num álbum das Cidades Obscuras, que Schuiten escolheu para protagonista do seu primeiro álbum a solo. Uma consequência do envolvimento de Schuiten no projecto de cenografia do futuro Museu dos Caminhos de Ferro Belgas, a abrir proximamente em Bruxelas, de que a 12 é uma peça central. Antes de mais, convém descansar os leitores mais inquietos, pois este livro não significa o fim da colaboração entre Schuiten e Peeters, nem das suas incursões pelo universo das Cidades Obscuras. Foi apenas uma pausa ocasional no percurso comum da dupla, motivada por uma momentânea falta de disponibilidade de Peeters, para colaborar com o seu amigo e cúmplice de mais de quatro décadas, que levou Schuiten a contar sozinho esta história.
Uma história que em termos de estrutura e de personagens, não difere muito dos álbuns das Cidades Obscuras, com um homem mais velho e solitário, neste caso, o maquinista Léon Van Bel, cujo quotidiano cinzento é perturbado pela chegada de uma mulher mais nova e rebelde, que nesta história é Elya, uma jovem muda. Ou seja, se não fosse a ausência de elementos fantásticos, aqui circunscritos aos sonhos de Van Bel, este poderia ser perfeitamente um álbum das Cidades Obscuras, a que faltasse o toque literário dos diálogos de Peeters, pois se as histórias são criadas a meias, em constante diálogo, Peeters introduz outra profundidade no resultado final, graças aos seus diálogos.
Já em termos gráficos, Schuiten está ao seu melhor nível e completamente apaixonado pelas linhas aerodinâmicas da 12, que é a verdadeira protagonista da história. Uma história em que a sua apurada técnica de preto e branco, próxima da gravura, remete graficamente para alguns volumes das Cidades Obscuras, como “A Torre”, ou “A Criança Inclinada”, com páginas magníficas que confirmam todo o virtuosismo de um dos maiores mestres da Banda Desenhada europeia.

Em suma, mesmo que a falta de Peeters se faça notar um pouco em alguns momentos, este “12: A Doce”, não deixa de ser absolutamente indispensável para os fãs da dupla, que já nos deu obras-primas, como “A Febre de Urbicanda”, ou “A Fronteira Invisível”.
(“12: A Doce”, de François Schuiten, Edições Asa, 88 pags, 21,90 €)

sábado, 22 de dezembro de 2012

Feliz Natal!


Para todos os visitantes deste blog, aqui ficam os meus votos de um Feliz Natal! Deixo-vos com o Gato do Simon, num vídeo que explica porque é que eu nunca faço árvore de Natal... Boas Festas!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Editoriais para a Colecção Heróis Marvel II - Parte 1: Homem de Ferro


No dia em que chegou às bancas o último volume desta segunda série da colecção Heróis Marvel, pareceu-me interessante recuperar aqui os textos que fiz para a mesma. Para começar, aqui fica o dossier dedicado a Filipe Andrade que encerra o volume do Homem de Ferro. Volume esse, que para além da mini-série Extremis, traz também a história com que o Filipe se estreou na Marvel, Hack, uma história curta do Homem de Ferro, com argumento de Tim Fish.
Antes de mais, e com um pedido de desculpas ao Filipe, aqui fica o story board da história dele, que no livro saiu de pernas para o ar, reproduzido finalmente de forma correcta. Para além do texto original, incluo as páginas do dossier tal como saíram no livro, para poderem ver as diferenças, para a versão final.

FILIPE ANDRADE: UM PORTUGUÊS NA MARVEL
Licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, e com um curso de pre-produção da Gnomon Schoool of Visual Efects, da Califórnia, Filipe Andrade estreou-se profissionalmente na BD em Portugal, com a série BRK, escrita por Filipe Pina e pré-publicada no BD Jornal entre 2006 e 2008, antes de ser recolhida em álbum pelas Edições Asa em 2009. Desde 2009, ano em que venceu o ChesterQuest International Talent Search, um programa da Marvel de descoberta de novos talentos, coordenado pelo editor C. B. Cebulsky, Filipe Andrade tem trabalhado essencialmente para a Marvel. Para a Casa das Ideias, desenhou uma história para a revista Iron Man: Titanium e o comic X-23, escrito por Marjorie Liu e posteriormente recolhido na colectânea The Mighty Woman of Marvel, que traz também uma história de Shana, the She-Devil, desenhada por Nuno Plati. De seguida, assinou também os desenhos de Wellcome Home e Underneath the Skin, duas aventuras de Nomad, publicadas em complemento da história principal da revista Captain America #608 e #614), e duas mini-séries: Onslaught Unleashed, escrita por Sean McKever, que contou com a cor de outro português, Ricardo Tércio, e John Carter: The Princess of Mars, uma mini-série em cinco partes, com argumento de Robert Landridge que serviu para relançar a personagem criada por Edgar Rice Burroughs no mercado americano, preparando o caminho para o filme John Carter of Mars. Apesar do fracasso do filme nas bilheteiras ter afectado o sucesso do livro, que teve muito pouca divulgação por parte da Marvel, o desenhador português, que fez aqui um excelente trabalho, não viu a sua carreira internacional afectada. A prova disso é que, actualmente, tem mais dois trabalhos prontos a sair na Marvel: o nº 63 da revista Deadpool e o Ultimate Comics X-Men 18.1
Hack, a história que Andrade desenhou para Iron Man: Titanium, foi o seu primeiro trabalho para a Marvel. Uma oportunidade que, conforme refere o desenhador português: “surgiu depois de ter feito dois testes para a Marvel. O primeiro foi uma história de 5 páginas feita a meias com o João Lemos (outro desenhador português a trabalhar para a Marvel), que me levou a desenhar outras 5, desta vez com argumento original de Brian K.Vaughn, para o titulo Runaways. Enviei-as ao Cb.Cebulski (editor da Marvel, responsável pela série Avengers Fairy Tales, em que participaram os desenhadores portugueses, João Lemos, Ricardo Venâncio e Nuno Plati) e passada uma semana tinha a proposta para desenhar esta história do Homem de Ferro no email.”
Uma revista em que participou também outro português, Nuno Plati. Algo que Andrade descreve como: “uma feliz coincidência Ligávamo-nos com alguma frequência, o que acabou por ser muito positivo para mim porque o Nuno já tinha alguma experiência na Marvel o que acabou por tonar tudo bem mais simples. Isto apesar do trabalho de um e doutro ser independente neste comic.” Algo que não aconteceu em X-23, o trabalho seguinte de Andrade para a Marvel, cujo desenho foi feito a meias com Nuno Plati. O facto de ter tido seis semanas para desenhar as 11 páginas de Hack, permitiu a Filipe Andrade fazer um trabalho de grande detalhe a nível de cenários, nomeadamente nas vistas aéreas da cidade de Boston, onde decorre a acção, o que, para Filipe Andrade, que gosta de desenhar cidades, permitiu juntar “o útil ao agradável.” Mesmo que, como podemos constatar pelos originais aqui reproduzidos, a arte-final de Rick Ketcham nem sempre faça inteira justiça ao traço de Andrade, que em trabalhos posteriores assegurou também a arte-final dos seus desenhos.

Ao incluir neste volume a revista Titanium, damos finalmente oportunidade aos leitores portugueses de descobrirem em português, o trabalho para a Marvel de dois desenhadores nacionais, contribuindo também para a visibilidade internas desses mesmos autores. O que dá a este volume uma importância que Filipe Andrade define nestes termos: “A verdade é que o mercado nacional é preenchido mais por banda desenhada de autor, que apesar de ser de grande qualidade não tem facilidade em criar novos leitores, o nosso maior problema. Temos vários exemplos de autores que publicaram no mercado internacional, nomeadamente americano que mereciam ter destaque e acabaram, não se sabe muito bem porquê, por nunca ter a justa visibilidade/reconhecimento em Portugal. Por isso, apesar de ter feito esta BD há 3 anos, acho este tipo de iniciativas importantes para dinamizar o mercado nacional e através do peso do nome Marvel, trazer mais leitores para o nosso mercado.”

sábado, 8 de dezembro de 2012

Tex em Cuba



Com o regresso das publicações da Mythos aos quiosques nacionais, regressou também um título que tem tido presença regular neste espaço. O Tex Gigante. Os Tex Gigantes, ou Texones, como saberão os leitores habituais desta coluna, são edições anuais em formato maior e com uma produção mais cuidada, em que autores de renome na Banda Desenhada mundial, têm a oportunidade de imprimir a sua marca pessoal ao mais popular cowboy da BD italiana, em histórias de longo fôlego, com mais de 200 páginas de acção.
No caso deste “Tex Gigante”, publicado originalmente em Itália em 2010, Tex vai até à Ilha de Cuba, acompanhado do seu amigo Montales, para tentar resgatar uma criança raptada por um poderoso feiticeiro, que se dedica à “Santeria”, um rito mágico próximo do Vodu haitiano. Um mero pretexto para levar Tex até um cenário exótico, com bons resultados, embora não tão bons como os conseguidos no “Texone” anterior, um dos melhores títulos da série, já referido neste espaço, também escrito por Mauro Boselli, em que o cowboy Tex foi até à Patagónia.

Neste caso, Tex troca temporariamente as pradarias do velho Oeste, pela Ilha de Cuba, onde dá apoio aos “mambises”, os guerrilheiros que combatem o domínio espanhol, numa história concebida pelo próprio Sérgio Bonelli, na sequência de uma viagem a Cuba, para participar num Festival de Banda Desenhada e desenvolvida por Mauro Boselli, para o traço de Orestes Suarez, um dos raros (se não mesmo o único) desenhadores profissionais cubano.
A escolha de Suarez, para além de lógica, face à sua origem, resulta bem, pois o desenhador cubano é possuidor de um traço realista extremamente detalhado e não poupa nos pormenores dos cenários e mesmo alguns problemas de movimento, patentes em algumas cenas iniciais (por exemplo, as cenas em alguém lança uma faca, funcionam mal) são resolvidos ao longo da história, em que é visível a evolução do seu traço e uma maior confiança do desenhador. Por exemplo, o duelo final à chuva entre Don Rafael e o Coronel espanhol é notável em termos de movimento e de planificação. Resumindo, não sendo dos melhores “Texones” que já li, este “Rebeldes de Cuba” é uma obra muito sólida e de grande competência, servida pelo traço rigoroso e dinâmico de um desenhador, para mim, perfeitamente desconhecido, mas que mostra qualidade mais do que suficiente, para assinar um Tex Gigante. A mais prestigiada das publicações da Bonelli, por onde já passaram alguns dos maiores nomes da BD mundial, como Jordi Bernett, Guido Buzzelli, Magnus, Carlos Gomez, Manfred Sommer, Joe Kubert, José Ortiz, entre outros e que continua a ser obrigatória para quem aprecia a aventura clássica e as possibilidades estéticas da Banda Desenhada a preto e branco.
(“Tex Gigante nº 24: Rebeldes em Cuba”, de Guido Nolitta, Mauro Boselli e Orestes Suarez, Mythos Editora, 242 pags, 9,00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 07/12/2012

sábado, 24 de novembro de 2012

Danças com Zombies


Depois de Osvaldo Medina, com “A Fórmula da Felicidade” a Kingpin dá a descobrir mais um grande desenhador, oriundo do meio da animação, a talentosa Joana Afonso que assina aqui o seu primeiro projecto de grande fôlego na BD, em colaboração com Nuno Duarte, no argumento.

Ambientado no Portugal salazarista dos anos 60, “O Baile” acompanha a investigação de um agente da PIDE, o inspector Rui Brás, numa aldeia de pescadores perto da Nazaré, onde os mortos voltam do mar para levar consigo os vivos. Ou seja, estamos perante um conto de terror, com laivos de policial, com zombies, onde, como bem salienta Filipe Melo no prefácio, são visíveis as influências do filme “The Wicker Man” e do “Dagon”, de Lovecraft, mas que ganha um toque de portugalidade e originalidade, ao transpor a acção para o Portugal do Estado Novo.
Argumentista experiente de televisão e membro das produções Fictícias, Nuno Duarte mostra mais uma vez que sabe contar uma história em Banda Desenhada, com grande eficácia e personagens com substância, algo que “A Fórmula de Felicidade” já tinha deixado perceber. Mas o trunfo maior deste livro é a arte de Joana Afonso. Extremamente personalizados e com um toque caricatural (vejam-se os narizes à Pinóquio), os desenhos de Joana Afonso, “primeiro estranham-se e depois entranham-se”, como diria o Poeta. Neste caso, a sua arte ajuda e muito à criação de uma atmosfera surreal e de um clima de tensão, que explode em momentos de puro terror. Com uma paleta dominante de tons de terra, algo inesperada numa história em que o mar tem grande importância, Joana Afonso, revela-se para além de uma grande desenhadora e narradora, uma excelente colorista.
Em suma, uma bela estreia, de uma desenhadora cujo currículo na BD se limitava a duas ou três histórias curtas na revista Zona, numa história interessante e bem contada (e não há assim tantas quanto isso no panorama rarefeito da BD nacional), que nos faz aguardar com ansiedade pelos novos projectos destes dois criadores a seguir com atenção. (“O Baile”, de Nuno Duarte e Joana Afonso, Kingpin Books, 49 pags, 10,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diàrio As Beiras de 23/11/2012

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Caçador de Autógrafos II: Edmond Baudoin


Enquanto não escrevo sobre o Festival da Amadora (estou a preparar um post de balanço, a publicar durante a próxima semana) aproveito a presença de Baudoin na Amadora durante o fim de semana passada, para ressuscitar uma rubrica deste blog, que tem estado algo esquecida: Caçadores de Autógrafos. Neste caso, com os diferentes desenhos que Baudoin me fez ao longo do tempo, desde o Festival de Angoulême, em 1998 e 2000, até ao Festival da Amadora deste ano, passando pelo Salão Lisboa de 2001. E uma primeira constatação é óbvia. Baudoin aplicou-se muito mais nos desenhos feitos em portugal, do que nos do Festival de Angoulême, onde a pressão do público é muito maior. Mas, como uma palavra vale mais do que mil imagens, aqui ficam os belíssimos desenhos de Baudoin, um autor tão simpático como virtuoso.

Angoulême, 1998

Angoulême, 2000

Lisboa, 2001

Amadora, 2012

Amadora, 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

The Walking Dead: do 3º volume à 3ª temporada


Antecipando a estreia na televisão nacional da terceira temporada da série televisiva “The Walking Dead”, que o Canal Fox começou a exibir na passada quarta-feira, a Devir lançou no final do Verão o terceiro volume da edição portuguesa da Banda Desenhada que deu origem à série, em que o grupo de sobreviventes, liderado por Rick, encontra numa velha prisão um refúgio (aparentemente) seguro. Mas a verdade é que a prisão, para além dos zombies, encerra outros perigos, que vão causar danos no grupo de sobreviventes.
Grande sucesso nos EUA, que a série televisiva tem ajudado a potenciar, a Banda Desenhada criada por Robert Kirkman e Tony Moore (substituído com vantagem ao fim do primeiro arco de histórias por Charlie Adlard) tem batido vários recordes de vendas, com o nº 100 da revista mensal a ser o comic mais vendido deste século, com perto de 300 mil cópias, número só possível graças às várias capas alternativas. A este estrondoso sucesso, ainda para mais, para uma série a preto e branco, não será alheio o carácter absolutamente viciante da história de um grupo de sobreviventes no meio de um mundo virado do avesso por uma infecção que transformou a maioria da população em zombies.
Em Portugal, o ritmo pouco sustentado com que a Devir tem editado a série, a uma média de um volume por ano, não ajuda a fidelizar os leitores, que têm os 16 volumes (para já) da edição americana, facilmente disponíveis para quem saiba inglês. Por isso, quem depois de ver a série quiser saber o que acontece a seguir, não tem a possibilidade de o fazer com recurso à edição portuguesa, que andando a par da série televisiva, acaba por estar atrasada, pois a série da AMC antecipa acontecimentos e personagens, como Michone e o Governador, um dos mais carismáticos vilões da BD dos últimos anos, que na BD só aparecem respectivamente, no 4º e 5º volume da série. Tirando esta ressalva, mais editorial do que de conteúdo, “The Walking Dead” é uma série a não perder, tanto na BD, como na TV.
(“The Walking Dead, Vol. 3: Segurança na Prisão”, Devir, 136 pags, 14,99 €)
Texto publicado no Diário As Beiras de 19 de Outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Colecção Heróis Marvel Série II - as Capas Definitivas


Embora desde Domingo que esta informação foi disponibilizada com o jornal Público, quis esperar pela capa definitiva do volume dedicado ao Surfista Prateado, desta vez com uma ilustração de Moebius, autor em destaque nesse volume, para aqui revelar as capas finais dos volumes desta série II da Colecção Heróis Marvel. Como o primeiro volume estará nas bancas já amanhã de manhã e o seu conteúdo já foi suficientemente divulgado, optei não o incluir neste Post. Aqui ficam pois as capas e o conteúdo dos 9 volumes que faltam publicar nesta série II, que espero que tenha o mesmo sucesso da primeira.


2 – X-Men: A Saga da Fénix Negra (25 de Outubro)
Argumento – Chris Claremont Desenhos – John Byrne e Terry Austin

Ciclope, Tempestade, Banshee, Nocturno, Wolverine, Colossus, Fénix: os Filhos do Átomo, os alunos de Charles Xavier. Mutantes temidos e odiados por um mundo que juraram proteger. Eles são os mais estranhos heróis jamais nascidos. Eles são... Os X-men! Criados por Stan Lee e Jack Kirby no início dos anos sessenta, os X-Men tiveram de esperar mais de uma década para conquistarem finalmente o favor do público. O que só aconteceu em meados dos anos setenta, graças a Chris Claremont, um argumentista genial, que juntando forças primeiro com Dave Cockrum, e depois com o talentoso John Byrne, e reinventou os mutantes da Marvel, inaugurando um período espectacular, que haveria de culminar com esta inesquecível "Saga da Fénix Negra".

3 – Homem de Ferro: Extremis (1 de Novembro) Argumento: Warren Ellis, Adam Warren, Mark Haven Britt, Matteo Casali e Tim Fish Desenhos – Adi Granov, Salva Espin, Nuno Plati, Steve Kurth e Filipe Andrade
Tony Stark começou como um homem aprisionado numa armadura, mas acabou libertado por essa mesma armadura, tornando-se no Homem de Ferro, personagem central do Universo Marvel. Mas quando se vê confrontado pelo seu passado, e por o pedido de ajuda de uma amiga desesperada, o Homem de Ferro é obrigado a questionar toda a sua carreira! Warren Ellis, relançou com esta saga a série do Homem de Ferro, contando com o talento gráfico de Adi Granov, cujo estilo futurista, que foi uma das fontes de inspiração visuais para os filmes. Em complemento, um punhado de histórias curtas, duas delas ilustradas pelos portugueses Filipe Andrade e Nuno Plati.

4 – Surfista Prateado: Parábola (8 de Novembro) Argumento – Stan Lee Desenhos – Moebius e John Buscema
Nascido nas páginas do Quarteto Fantástico, no âmbito da mítica Trilogia de Galactus, o Surfista Prateado é uma das mais carismáticas personagens da Marvel. Aráuto de Galactus, o devorador de mundos, o Surfista Prateado sacrificou-se para defender a humanidade do apetite destruidor do seu amo, perdendo a capacidade de voar livremente pelos abismos do espaço sideral. Neste volume, além de um punhado de episódios da revista mensal, temos dois momentos únicos da história do navegante das estrelas: Parábola, a inesquecível história desenhada por Moebius, a única história de super-heróis ilustrada por esta estrela da BD francesa e Dia do Julgamento, uma novela gráfica de Lee e Buscema, contada inteiramente com recurso a imagens de página inteira.
5 – Wolverine: O velho Logan (15 de Novembro) Argumento – Mark Millar Desenhos – Steve McNiven e Dexter Vines
Nunca ninguém soube o que se passou na noite em que os heróis caíram. O mal triunfou, e reina sobre o mundo desde então. Há mais de meio-século que ninguém vê o homem anteriormente conhecido como Wolverine. Mas agora, o seu amigo Gavião Arqueiro precisa de percorrer milhares de quilómetros para salvar a sua família e Wolverine prepara-se para a viagem da sua vida...~ Wolverine: O Velho Logan é um comic único, passado num futuro onde os vilões se apoderaram da América. Mark Millar, , e Steve McNiven, criaram esta saga monumental que explora a alma e os demónios interiores que atormentam Wolverine, o mais popular dos mutantes dos X-Men, apresentando-nos ao mesmo tempo um Universo Marvel que foi reduzido às cinzas, mas que no meio das ruinas mantém a sua identidade única.

6 – Dr. Estranho: o Juramento (22 de Novembro) Argumento – Brian K. Vaughan e Stan Lee Desenho – Marcos Martin e Steve Ditko
Em tempos foi um homem como tantos outros, obcecado pelo dinheiro, pela fama e pelo mundo material. Mas um dia descobriu uma realidade muito diferente, uma dimensão de magia que dava forma a forças que controlam as nossas vidas. Nesse dia, Stephen Strange renasceu, para se converter num homem como nenhum outro: Doutor Estranho, o Mestre das Artes Místicas! Este volume serve de introdução ao mundo do Feiticeiro Supremo do Universo Marvel, juntando uma série de histórias fundamentais criadas por Stan Lee e Steve Ditko nos anos sessenta, incluindo o relato da sua origem, com uma história moderna, assinada por Brian K. Vaughn, que veio revitalizar profundamente a personagem no novo século, e que dá o nome a esta antologia.

7 – Homem-Aranha: O Reino (29 de Novembro) Argumento – Kaare Andrews e Peter Milligan Desenho - Kaare Andrews e Duncan Fegredo
Nesta saga sombria visitamos um futuro alternativo em que Peter Parker pendurou há mais de trinta anos o seu fato de Homem-Aranha, abandonando a carreira de super-herói, e vive perturbado por visões da sua mulher, Mary Jane Watson, há muito falecida. Mas numa Nova Iorque dominada por um presidente da câmara autoritário e uma polícia especial de contornos fascistas, Peter Parker terá de reassumir o seu papel e voltar a relembrar-se que, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades! Kaare Andrews é um jovem autor que alia o talento de desenhador com o de argumentista, sendo ainda um ilustrador notável. Assina nesta saga o seu primeiro trabalho de grande fôlego para a Marvel, uma história original e complexa, que é também um marco para a editora, que faz pelo Homem-Aranha o que The Dark Knight Returns fez pelo Batman.
Em complemento, a histórias Flores para Rhino, publicada originalmente nos nºs 5 e 6 da revista Spiderman's Tangled Web, com desenhos de Duncan (Hellboy) Fegredo

8 – Demolidor: Renascido (6 de Dezembro) Argumento – Frank Miller Desenho – David Mazzucchelli
Cego desde a infância, Matt Murdock viu os seus restantes sentidos ampliados de forma exponencial. Agora, ele combate o crime em Nova Iorque, como advogado durante o dia, e como Demolidor durante a noite! Quando o Rei do Crime descobre a identidade secreta do Demolidor, a vida de Matt Murdock vai ser completamente destruída e ele vê-se sem casa, sem trabalho sem dinheiro, sem amigos, sem esperança. Mas aquilo com que o Rei do Crime não contava é que um homem sem esperança… é um Homem Sem Medo! Considerada por muitos como a melhor história do Demolidor de sempre, Demolidor: Renascido, é uma saga clássica que assinalou o regresso de Frank Miller à personagem que o tornou famoso, desta vez apenas como argumentista, contando com o traço notável de David Mazzucchelli para ilustrar esta história memorável. Em complemento, E o nevoeiro sussurou...morte, mais um clássico do Demolidor, com o traço único de Mazzucchelli

9 – Wolverine: Arma X (13 de Dezembro) Argumento – Barry Windsor-Smith e Chris Claremont Desenhos – Barry Windsor-Smith
O passado de Wolverine continua envolto em mistério. Caçador implacável, com instinto animal apurado, um extraordinário factor de cura e garras retrácteis, Wolverine tem também os ossos revestidos por Adamantium, o metal mais duro que jamais existiu. A memorável saga Arma X desvenda, pela primeira vez, um momento-chave da história do famoso mutante, em que é levado a cabo o terrível processo que transforma Wolverine numa arma mortal. Para além da clássica saga Arma X narrada por Barry Windsor-Smith, este volume inclui também Lobo Ferido, um episódio dos X-Men em que Wolverine tem um papel fulcral, publicado em Portugal pela primeira vez no seu formato original, bem como todas as ilustrações que Windsor-Smith desenhou com Wolverine, constituindo uma edição integral do trabalho do genial artista inglês com o mais famoso mutante da Marvel.

10 – Guerra Civil (20 de Dezembro) Argumento – Mark Millar Desenhos – Steve McNiven e Dexter Vines
Herói contra herói. Vilão contra vilão. A guerra civil chegou aos super-heróis, e irmão luta contra irmão nesta saga cataclísmica que irá revolucionar para sempre o Universo Marvel! Na sequência da passagem de uma controversa lei que obriga os indivíduos com super-poderes a revelar a sua identidade secreta e a registarem-se, todos os super-heróis terão de escolher um lado neste conflito, a mais ambiciosa das sagas modernas da Marvel. Uma das maiores sagas da história recente da Marvel, Guerra Civil conta com argumento de Mark Millar, bem conhecido do público em geral como o criador de Wanted e Kickass, ambos adaptados ao cinema, e com arte do talentoso Steve McNiven, uma dupla cujo trabalho já pudemos ver em Velho Logan.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Artistas Portugueses na Colecção Heróis Marvel - Série II


Além das já divulgadas, a Série II da Colecção Heróis Marvel traz outra novidade de peso. A presença no volume dedicado ao Homem de Ferro, de duas histórias ilustradas por desenhadores portugueses: Filipe Andrade e Nuno Plati. A complementar o volume que chega às bancas no dia 1 de Novembro, como a mini-série Extremis, de Warren Ellis e Adi Granov, vem o comic Iron Man: Titanium, editado nos EUA em Dezembro de 2010, que reúne quatro histórias curtas, duas delas desenhadas pelos portugueses.
A assinalar este momento histórico, pois é a primeira que uma história desenhada por um português para a Marvel é editada no nosso país, o volume vai incluir um dossier final, com estudos, storyboards, uma entrevista e reprodução de pranchas originais de Filipe Andrade, autor para quem esta revista tem um significado especial, pois traz a primeira história que publicou na Marvel. Aqui fica uma página de cada uma das histórias dos autores tugas que participam neste volume:


Killer Commute, ilustrada por Nuno Plati

Hack, ilustrada por Filipe Andrade

domingo, 7 de outubro de 2012

Colecção Heróis Marvel: Série II - As primeiras novidades

Apesar de alguns comentários negativos na Internet, a colecção Heróis Marvel que a Levoir lançou com o jornal Público, está a ser um sucesso de vendas, o que justifica o lançamento de uma Série II, logo após o fim da primeira. Assim, a partir de 18 de Outubro e durante mais 10 semanas, a Série II vai estar nos quiosques. Enquanto não tenho autorização para revelar a lista completa dos livros, posso já falar de alguma coisa que este teaser, publicado hoje, na edição de domingo do jornal Público, já desvenda.
A colecção vai abrir com Dinastia de M, uma mega-saga de Brian Michael Bendis e Olivier Copiel e fechar com outra saga ainda maior, a Guerra Civil, de Mark Millar e Steve McNiven (a imagem do teaser é tirada de uma das capas de Civil War), autores que assinam outro volume desta Série II. Além do regresso dos Heróis mais populares, como Homem-Aranha, Wolverine, ou X-Men, novos heróis que nã tiveram lugar na série I, vão estar presentes. Heróis como o Surfista Prateado, na versão de Moebius (mas não só) ou o Homem de Ferro, na versão de Adi Granov (como muitos terão certamente reconhecido, era dele a imagem do primeiro teaser que o Público tem publicado desde a passada quinta-feira), o Demolidor e o Dr. Estranho.
Outra novidade importante, é que, ao contrário da colecção anterior, em que todos os volumes seguiam fielmente a colecção espanhola, da Panini, desta vez vai haver volumes feitos de origem para Portugal, com selecção de histórias e textos introdutórios a pensar especificamente nos leitores portugueses.
Por agora, esta é a informação possível. Fiquem atentos ao blog pois, durante a próxima semana, mal tenha luz verde para isso, aqui revelarei a lista e todos os detalhes relativos a esta Série II.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SAGA DE XAM: de escândalo visual a livro mítico


Há livros assim. Obras muito citadas mas poucas vezes vistas. Títulos que pela sua importância e raridade adquiriram uma aura quase mítica. Saga de Xam, uma Banda Desenhada de Nicolas Devil editada por Eric Losfeld em 1967, nas suas Editions du Terrain Vague e nunca depois reeditada, é um desses livros míticos. Um livro que aqui se dá a descobrir aos leitores da Bang!
Responsável pela chegada às livrarias francesas de uma Banda Desenhada destinada a um público adulto, que misturava erotismo e ficção científica, Losfeld estreia-se na edição de BD em 1964 com a Barbarella de Jean-Claude Forrest, um jovem autor então praticamente desconhecido, que criou uma série de ficção científica protagonizada por uma mulher bela e sexualmente independente, muito diferente da maioria das mulheres da BD até então, que se limitavam a um papel passivo de namoradas dos heróis, à espera de serem salvas (basta pensar em Dale Arden, a companheira de Flash Gordon, de Alex Raymond, para continuarmos no campo da ficção científica). Essa opção de dar o protagonismo às mulheres está igualmente presente noutros títulos editados por Losfeld, como Jodelle e Pravda, de Guy Peellaert, Scarlet Dream de Lob e Gigi e Epoxy de Van Hamme e Paul Cuvelier, todos protagonizados por mulheres tão belas como independentes.

Apesar de se enquadrar perfeitamente na estratégia editorial de Losfeld, de misturar o erotismo e a ficção científica na BD, Saga de Xam é uma obra à parte, com características únicas e irrepetíveis, fruto de uma época e do encontro ocasional de um grupo de criadores que seguiram caminhos diferentes.
Para além do editor, Eric Losfeld, outro nome foi determinante para a concretização de Saga de Xam. O de Jean Rollin, cineasta de culto com uma grande atracção pelo fantástico e pelo erotismo, que escreveu o argumento de Saga de Xam e apresentou Devil a Losfeld. Rollin era amigo de Devil e frequentador habitual do seu apartamento, onde costumava parar também o desenhador Philippe Druillet, o criador de Lone Sloane (que também vai ser editado por Losfeld), que vai colaborar no desenho de Saga de Xam, participando num cadavre exquis no último capítulo. Tanto Nicolas Devil e a sua mulher, como Druillet vão participar como actores em alguns dos filmes de Rollin, como Le Viol du Vampire, cujo cartaz é da autoria de Druillet.

Mas deixemos que seja o próprio Losfeld, a contar na sua autobiografia , como decidiu publicar aquele que foi “um dos mais belos livros” que editou em toda a sua carreira: “[Jean Rollin] O futuro cineasta dos amores vampíricos disse-me: «vou apresentar-te um desenhador que me parece ter muito talento» - e apresentou-me o Nicolas Devil. Nicolas Devil, que na altura era muito jovem, uma vintena de anos, trouxe-me alguns desenhos e passou-me a sinopse do argumento escrito por Jean Rollin. Resta acrescentar que, ao longo da sua feitura, o livro evoluiu grandemente até se tornar uma espécie de patchwork delirante: um período egípcio, um período chinês, um período viking, um período psicadélico e, no final um levantar voo para fora deste mundo, que deu certamente origem ao mais espantoso poster que se podia imaginar a partir deste tipo de desenho.”

Considerado pelo crítico Jacques Marny como um verdadeiro “escândalo visual” , definição que traduz bem o impacto que o livro teve nos leitores da época, Saga de Xam começou como uma Banda Desenhada de ficção científica, que conta a viagem de Saga, a bela jovem de pele azul vinda do Planeta Xam para salvar um planeta Terra, que não merece ser salvo, mas foi evoluindo, de forma orgânica, para se transformar num manifesto coectivo, estético e político, que prenuncia o Maio de 68 e onde encontramos como figurantes no último capítulo Barbarella, Bob Dylan, Allan Gingsberg, Zappa Kalfon, Julian Beck, Lovecraft, Valérie Lagrange, John Lennon, Cassius Clay, os Hell's Angels e os Rolling Stones, entre muitos outros.
Para além de uma verdadeira viagem pela História de Arte Universal, do antigo Egipto à Pop Art, passando pela pintura flamenga tornada possível pelo talento e versatilidade do traço de Devil e dos seus colaboradores, Saga de Xam é um belo e luxuoso livro-objecto, encadernado a pano e impresso em papel de 300 gr, feito mais para ser visto do que para ser lido. Com efeito, apesar de impresso em grande formato (24x31cm) as pranchas estão ainda assim bastante reduzidas em relação aos originais de Devil, o que implica o uso de uma lupa (que era oferecida com o livro) para conseguir ler o texto de algumas páginas, para além de outras estarem escritas num código cuja chave estava no fim do livro, o que torna a sua leitura um exercício trabalhoso e até penoso…

Apesar de não ser de leitura fácil, ou talvez mesmo por isso, a crítica francesa recebeu Saga de Xam de forma entusiástica, como podemos ver por esta recensão ditirambica publicada à época no Magazine Litteraire, que, como podemos ver, não hesita em comparar Devil a Homero, não se ficando por aí… : "Saga é a heroína cujo nome significa História, mas uma História divinizada e legendária como a História da cólera de Aquiles, que se chama Ilíada. Saga, história e heroína, saltam de época em época: o reino do fanatismo religioso, o tempo dos faraós, a pré-história, o futuro absoluto, para converter-se num poema puro, descritivo e sumptuoso. Tenho a certeza que Saga de Xam assinala um marco, uma viragem na história da Banda Desenhada. Com Devil, a BD encontrou o seu Homero, e na Saga de Xam a sua Ilíada. O fantástico de Redon, a sumptuosidade de Velasquez, a graça e o ritmo dos corpos de Picasso, os horrores de Bosch e de Goya, são os pais poéticos do desenho de Devil...”

Embora de forma mais discreta, o impacto do livro também chegou a Portugal, onde a sua influência se fez sentir. Nelson Dias, o desenhador de Wanya – Escala em Orongo, a primeira Banda Desenhada moderna de Ficção Científica nacional, publicada em 1973, é o primeiro a reconhecer essa influência, numa entrevista a Vasco Granja, em que diz: “Saga de Xam, de Nicolas Devil representou muito para mim, estimulando-me bastante no sentido da criação gráfica” e essa influência é bem evidente em Wanya, uma heroína que caberia perfeitamente no catálogo de Losfeld. Apesar do sucesso do livro, que rapidamente esgotou a primeira e única edição, mesmo a um preço de 1000 francos por exemplar, os seus autores acabaram por seguir caminhos diferentes. Jean Rollin, falecido em finais de 2010, dedicou-se de corpo e alma ao seu principal interesse, o cinema, sem grande sucesso comercial, o que levou a alternar o cinema fantástico de “amores vampíricos” com a realização de filmes pornográficos, que lhe permitiam pagar as contas.

Druillet, ainda activo como ilustrador e autor de BD, desiludido com a abordagem elitista de Losfeld, que apostava em edições de luxo e baixas tiragens em vez de fazer chegar os livros a um público mais vasto, decidiu levar as suas criações para a revista Pilote, onde conhece Jean Moebius Giraud, com quem irá fundar, anos mais tarde, a editora Humanoides Associés, responsável pela publicação da mítica revista Metal Hurlant, título que irá revolucionar a Banda Desenhada de ficção científica.
Quanto a Nicolas Devil, depois de Saga de Xam, apenas publicou mais um livro com desenhos (de acordo com Losfeld, Devil mais do que desenhador, queria é ser escritor e terá mesmo publicado alguns livros com Andrè Bercoff, e Paule Salomon, como Tout, le Livre des Possibilités, de 1975 e Nu, le Livre des Possibilités, de 1977), Orejona - Saga Génération, de 1974. Mais do que propriamente BD, Orejona é um livro ilustrado e caligrafado, que recupera os slogans, logotipos e grafismos da contra-cultura europeia e norte-americana, dos textos do Black Power ao Manifesto Situacionista, ilustrado com desenhos de Devil e de desenhadores underground, como Richard Corben, Vaughn Bodé, Roman Cieslewicz e Robert Crumb.
Desaparecido da cena artística desde então, Devil recuperou o seu verdadeiro nome (Nicholas Deville) emigrou para o Canadá, onde tirou um Doutoramento em Filosofia e actualmente vive no Quebéc, onde é professor de Filosofia numa Universidade em Matane, uma pequena cidade na margem sul do rio São Lourenço, tendo, ao que parece, deixado completamente o desenho.
Verdadeiro objecto de colecionador, Saga de Xam continua a ser muito procurado, mais de 40 anos depois da sua publicação original, atingindo preços proibitivos nos leilões na Internet. Algo que se deve a decisão de Losfeld que, apesar do seu incontestável sucesso, optou por nunca reimprimir Saga de Xam, por achar “que é bom que, por vezes, alguns livros se tornem míticos”. No caso de Saga de Xam, não há dúvidas de que o conseguiu.

Texto originalmente publicado no nº da revista Bang!, de Agosto de 2012
NOTA- Este texto é dedicado ao Pedro Piedade Marques, que me desafiou a escrevê-lo e me emprestou a autobiografia do Eric Losfeld e ao André Caetano, que digitalizou as imagens de Nicolas Devil, demasiado grandiosas para a modéstia do meu pobre scanner.