quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Regresso de Bernard Prince


Uma das novidades mais interessantes para 2010, em termos de BD franco-belga, é o regresso de Hermann à série Bernard Prince, trinta e dois anos depois de ter desenhado Le Port des Fous", o seu último álbum para esta série.
Após Herman ter decidido abandonar as aventuras de Bernard Prince para se dedicar à série "Jeremiah", Greg prosseguiu a série com outros desenhadores, Danny e E. Aidans, mas a etapa de Hermann é única e inultrapassável, tanto mais que os argumentos de Greg na fase final da sua carreira, ficam bem longe dos tempos áureos da série.
Daí que este regresso de Hermann a "Bernard Prince", ilustrando em cores directas, uma história escrita pelo seu filho, Yves H. seja aguardada com grande expectativa.
Se os herdeiros de Greg aceitaram de bom grado este regresso, até porque, financeiramente, só têm a ganhar com isso, a editora Lombard ainda ficou mais satisfeita, tanto mais que este regresso coincide com o lançamento de uma edição integral em 3 volumes dos álbuns de Bernard Prince desenhados por Hermann, cujo primeiro volume tem lançamento anunciado já para Março.
Embora ainda não se saiba o título da nova aventura de Bernard Prince, cujo lançamento está previsto para finais de 2010, uma preview com as primeiras oito páginas, que está disponível no site do autor, permite ver que a acção decorre num país fictício da América Latina e que El Lobo, personagem que aparece nos álbuns "Tormenta sobre o Coronado" e "O Refúgio da Moreia" está de volta.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A Herança de Bois-Maury: Vassya


Depois das histórias de piratas em “O Diabo dos 7 Mares”, Hermann regressa à aventura histórica com “Vassya”, mais um volume de “A Herança de Bois-Maury”, escrito pelo seu filho Yves H. e que a Vitamina BD lançou em Portugal em finais de 2009.
Nascida em 1984 nas páginas da revista Circus, a série “As Torres de Bois-Maury” compreende um ciclo inicial de 10 álbuns (dos quais apenas 3 foram publicados em Portugal pela Meribérica) dedicados à gesta de Aymar de Bois Maury, cavaleiro sem terra que parte para as Cruzadas para conseguir os meios que lhe possibilitem reconquistar as terras que lhe foram roubadas e recuperar as Torres de Bois-Maury, que considera como “as mais belas da cristandade”. Terminado o primeiro ciclo com a morte de Aymar, Hermann resolveu voltar à Idade Média, para contar, em histórias autónomas, passadas em diferentes épocas, o destino de outros membros da linhagem de Bois Maury, também chamados Aymar, na série “A Herança de Bois-Maury, de que este “Vassya” é o 4º volume e o 3º publicado em Portugal (o 1º título deste novo ciclo, “Assunta”, nunca teve edição portuguesa).
Tendo como cenário as estepes da Rússia meridional, em meados do Século XVII, o argumento de “Vassya” tem como pano de fundo um episódio pouco conhecido da história da Rússia, envolvendo Grigori Otrepiev, um impostor que se vai fazer passar por Dimitri, o filho de Ivan, o Terrível, que tinha sido assassinado, e que, com o auxílio dos cossacos e do exército polaco, onde milita um descendente de Aymar de Bois-Maury, vai conseguir conquistar o poder e ser coroado Czar, entrando para a história como o “falso Dimitri”.
Mas esses acontecimentos históricos são apenas o mero pretexto para uma história de amor contrariado entre Aymar e Douniachka, uma bela russa que irá pagar caro a relação com Aymar. Mais uma vez, o argumento de Yves H., embora eficaz, está longe de entusiasmar, ou surpreender, ficando uns bons furos abaixo do que assinou para “Rodrigo”, primeiro álbum da “Herança de Bois-Maury” que escreveu.
Resta, como sempre, o notável trabalho gráfico de Hermann, igual a si próprio, em termos estéticos e narrativos, para salvar o livro. Veja-se a sequência inicial muda, em que acompanhamos um insecto pela aldeia destruída, ou a forma como contorna a monotonia da paisagem, com o tratamento espectacular dos céus, ou as pinceladas de cor que as flores silvestres dão aos campos. Mas até a esse nível, dá a ideia que a impressão do livro, demasiado escura, não faz inteira justiça ao trabalho de Hermann, sobretudo quando comparado com as páginas de apresentação do livro reproduzidas no site do autor,
“A Herança de Bois-Maury: Vassya”, de Hermann e Yves H., Vitamina BD, 48 pags, 12,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 20/02/2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O cinema de Jodorowsky


Conhecido em Portugal essencialmente pelo seu trabalho na série de Banda Desenhada, O Incal, ilustrada por Moebius, e em todo o universo que dela emanou (como A Casta dos Metabarões), ou por Bouncer, o western que criou com François Boucq, Alejandro Jodorowsky é muito mais do que um mero argumentista de Banda Desenhada. Considerado como um guru por personalidades do mundo da música tão diferentes como John Lennon e Yoko Ono, que ajudaram a financiar os seus filmes El Topo e La Montaña Sagrada e Marilyn Manson, que cita abertamente La Montaña Sagrada no vídeo de The Dope Show e a quem Jodorowsky casou em 2005 com a modelo Dita Von Teese, em nome dos Quatro Elementos, Jodorowsky revela-se uma personagem tão ou mais fascinante do que a sua própria obra, a qual reflecte as suas vivências e crenças místicas.
Verdadeiro homem do Renascimento, este filho de judeus emigrantes russos, nascido no Chile em 1929, foi actor, mimo (discípulo de Etienne Decroux, que foi também mestre de Marcel Marceau, com quem Jodorowsky colaborou em diversos espectáculos), tarólogo de renome, responsável, com Philipe Camoin pela restauração do Tarot de Marselha, criador de uma nova técnica terapêutica chamada psicomagia, poeta, escritor, dramaturgo, encenador, fundador do grupo surrealista Panique (com Fernando Arrabal e Roland Topor) e realizador de cinema.

É precisamente a faceta de Jodorowsky enquanto realizador de cinema que esteve em destaque na edição do Imago de 2006, através de três dos seus filmes mais importantes: Fando e Lis, a controversa versão cinematográfica de uma peça de Arrabal encenada por Jodorowsky para o grupo Panique; El Topo, um western spaguetti surreal que inaugurou o conceito de filme de culto, e Santa Sangre, um drama policial com toques de fantástico, sobre a peculiar relação entre um jovem, interpretado por um dos filhos de Jodorowsky, e a sua mãe, sacerdotisa da igreja de Santa Sangre, num México dominado pela religião.
Fando e Lis é precisamente um bom exemplo dos métodos de trabalho de Jodorowsky, que realizou o filme tendo por base um guião de apenas uma página e as memórias da encenação que tinha feito da peça para o grupo Panique. Conforme ele refere no seu manifesto sobre “Como Fazer Cinema”, o filme deve viver dentro de nós. Por isso, o conselho que ele dá aos aspirantes a cineastas é que “nunca trabalhes no papel os teus movimentos da câmara. Chega aos sítios a pensar que não vais mexer a câmara, que não vais iluminar, que não vais inventar. Chega vazio, sem a menor intenção. Liga o motor da câmara e vive. Não cries cenas, cria incidentes”.

Interpretado e realizado por Jodorowsky, e exibido diariamente durante mais de 6 meses na sessão da meia-noite do cinema Elgin em Nova Iorque, El Topo é o protótipo do filme de culto. Um western carregado de simbolismo e de personagens estranhas, que relata o percurso iniciático de um pistoleiro (o proprio Jodorowsky) que percorre o deserto acompanhado pelo filho (papel interpretado por Brontis, um dos filhos de Jodorowsky), em mais um exemplo das relações complexas entre pai e filho, habituais na obra de Jodorowsky, que sempre teve uma relação complicada com o próprio pai, conforme descreve no livro autobiográfico, A Dança da Realidade.
Produzido por Cláudio argento, irmão de Dário Argento, Santa Sangre é o mais linear dos filmes de Jodorowsky, em termos de narrativa, embora as imagens tenham a carga fantástica e surreal esperada. Uma espécie de giallo (o sanguinolento filme policial italiano, em que um assassino mata as suas vítimas de forma bastante sádica) mas adaptado ao universo de Jodorowsky, em que elementos como a religião e as mutilações têm grande peso. Ambientado em grande parte num circo, com o inevitável cortejo de freaks que seria de esperar, Santa Sangre tem como actores três dos filhos de Jodorowsky, Axel, Adan e Théo.

Nunca exibido em Portugal (pelo menos, que eu saiba) La Montaña Sagrada, que narra a história de um grupo de indivíduos, guiados por um alquimista (o próprio Jodorowsky) que se reúnem no cimo de uma montanha para procurarem o segredo da imortalidade, é o filme de Jodorowsky com uma carga simbólica mais evidente e uma estrutura narrativa mais débil, mas também o mais impressionante em termos visuais.
Embora, como seria de esperar, nenhum dos seus filmes esteja disponível em DVD em Portugal, aqui ao lado em Espanha, foi lançada uma caixa com as versões restauradas de Fando e Lis, El Topo e La Montaña Sagrada, que inclui também La Constelacion Jodorowsky, um interessante documentário sobre o realizador, com depoimentos de Moebius e Peter Gabriel, entre outros. Também Santa Sangre está editado em DVD em Espanha e todos estes filmes podem ser encomendados on-line , a preços bastante acessíveis, a partir de aqui.
O cineasta, que declarou numa entrevista que procurava no cinema “aquilo que a maioria dos americanos procuram nas drogas psicadélicas”, tem também uma forma peculiar de trabalhar com os desenhadores que ilustram os seus argumentos de BD. São famosas as sessões com Moebius durante a criação do Incal, com Jodorowsky a representar e a mimar todas as personagens, saltando para cima da mesa e derrubando cadeiras enquanto conta a história, de que Moebius vai tomando notas para depois desenhar, ou as cassetes áudio que mandava a Arno, descrevendo a saga de Aleph Tau.
Senhor de um universo tão fortemente pessoal, como coerente nas suas obsessões (o simbolismo religioso, as mutilações, a dimensão freudiana das relações entre pais e filhos), o trabalho de Jodorowsky na Banda Desenhada é extremamente coerente com a sua actividade como cineasta, com a BD a revelar-se como a forma ideal do criador chileno de fazer chegar ao grande público as histórias que quer contar e que não conseguiu meios para o fazer no cinema.
Um bom exemplo é o projecto nunca concretizado de Alejandro Jodorowsky para a adaptação de Dune, a saga de ficção científica de Frank Herbert, ao cinema. Um projecto megalómano, com 14 horas previstas de duração, contando com Salvador Dali e Orson Welles como actores, música dos Pink Floyd e Moebius e Giger como conselheiros visuais. Foi o falhanço deste projecto, que nunca passou da fase de pré-produção por problemas de financiamento, que lhe permitiu iniciar uma colaboração em 1975 com a Moebius, na série O Incal. Obra que, conforme o próprio Jodorowsky refere: “representa tudo o que eu não consegui fazer em Dune. Há bocados inteiros do filme que foram inventados por mim. Eles estão todos no Incal.”
Apesar de alguns rumores cíclicos sobre o seu regresso ao cinema, dirigindo uma nova versão de El Topo, produzida e interpretada por Marilyn Manson, ou com o filme Kingshot, definido pelo próprio como “um filme de gangsters spaguetti metafísico”, a verdade é que desde 1990, ano em que realizou The Raibow Warrior, que a carreira de realizador de Jodorowsky está suspensa. E é, já não no ecrã, mas no papel, que ele voltou ao Western com François Boucq em Bouncer, à ficção científica com Juan Gimenez e Fred Beltran e ao drama histórico com Milo Manara, em Borgia.
E o encontro entre o criador chileno e o desenhador italiano era só uma questão de tempo, pois um dos projectos de filme nunca concretizado que Jodorowsky alimentou durante mais tempo foi a adaptação ao cinema de Viagem a Tulum, uma BD de Manara escrita por Federico Fellini, em que Jodorowsky e Moebius aparecem como protagonistas. Mais uma vez, foi Manara, que já tinha transposto para a BD A Viagem de G. Mastorna, o filme que Fellini nunca chegou a realizar, a dar vida nas páginas da Banda Desenhada a uma história que Jodorowsky nunca teria os meios económicos nem a liberdade para concretizar no cinema.
Versão bastante alargada e actualizada de um texto publicado originalmente em Outubro de 2006, no catálogo do Festival de cinema Imago, que dedicou um ciclo a Jodorowsky, no ano em que teve a Banda Desenhada como tema de destaque e que, depois de Jodorowsky ter estado em destaque neste blog, me pareceu interessante e oportuno recuperar.
As ilustrações para os cartazes de El topo e Santa Sangre, bem como o estudo para Dune, são da autoria de Moebius.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Marvel Fairy Tales


Embora o objectivo dos meus textos no Diário As Beiras, seja falar de Banda Desenhada publicada em Portugal, no caso de “Marvel Fairy Tales” impunha-se abrir uma excepção, bem justificada pela presença de João Lemos, Nuno Plati e Ricardo Tércio, três desenhadores portugueses que partilham o atelier no Lisbon Studio, na ficha técnica de uma edição da Marvel, a maior editora americana, casa de super-heróis como o Homem-Aranha, ou o Wolverine.
O grande responsável pela entrada do trio de desenhadores lusos pela porta principal no mundo dos comics americanos, é o editor e argumentista C. B. Cebulsky, cujo “olho” para descobrir novos talentos é bem conhecido. Cebulsky tem-se especializado em trazer para a editora Marvel talentos de outras latitudes, tanto europeus como japoneses e projectos como as mini-séries da linha “Marvel Fairy Tales”, têm servido para lançar esses talentos.
No caso do volume que motiva este texto, para além de uma história de “Spiderman Fairy Tales” (desenhada por Ricardo Tércio) e de outra de “X-Men Fairy Tales” (ilustrada por Kyle Baker), estão as 4 histórias da mini-série “Avengers Fairy Tales”, 3 delas desenhadas por autores portugueses, enquanto a restante tem arte do japonês Takeshi Miyazawa.
O conceito de “Marvel Fairy Tales” é tão simples, como eficaz. Consiste em adaptar conhecidas lendas e contos de fadas, ao universo da Marvel. Este conceito já deu origem a três mini-séries: “X-Men Fairy Tales”, “Spiderman Fairy Tales” e “Avengers Fairy Tales”, as duas primeiras previamente recolhidas em edições encadernadas, enquanto que as histórias de “Avengers Fairy Tales”, só agora surgem neste “Marvel Fairy Tales”, apresentadas num formato menor do que o usado nas anteriores edições. As histórias escolhidas para este “Marvel Fairy Tales, são o “Peter Pan”, de J M Barrie, ilustrado por João Lemos; o “Pinóquio” de Carlo Colodi, com desenhos de Nuno Plati; “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carol, desenhado pelo japonês Takeshi Miyazawa; “O Feiticeiro de Oz”, de L. Frank Baum, com arte de Ricardo Tércio, que ilustra também a história do Capuchinho Vermelho; e uma lenda tradicional africana, sobre a amizade entre uma tartaruga e uma águia, muito vagamente adaptada por Kyle Baker ao universo dos X-Men.
Do traço etéreo e estilizado de João Lemos, ao virtuosismo de Ricardo Tércio, de quem podemos ver o estudo de Mary Jane, a namorada do Homem-Aranha, até ao desenho mais caricatural de Nuno Plati, que faz uma interessante fusão de influências europeias com uma estética de animação, os desenhadores portugueses fazem aqui um excelente trabalho. Só é pena que o formato e, sobretudo, o papel, em que foi impresso este livro, não permita apreciar totalmente a sua arte…
Seria bom que alguma editora nacional editasse estas histórias com outra dignidade e com algum enquadramento, pois não seria difícil arranjar esboços e estudos preparatórios dos desenhadores “tugas” do Lisbon Studio.
(“Marvel Fairy Tales”, Vários autores, Marvel, 144 pags, 14,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 13/02/2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Filme de Adèle Blanc-Sec já tem novo teaser e site


aqui falei da adaptação cinematográfica que Luc Besson está preparar das aventuras extraordinárias de Adèle Blanc-Sec, a popular heroína criada por Jacques tardi. Com a data da estreia do filme em França já marcada para 14 Abril de 2010, vão surgindo as novidades. Além de um segundo teaser, mais substancial, que já está no You Tube, também o site oficial, muito bem feito, já está online. Pela amostra do novo teaser, dá para ver que Luc Besson teve a preocupação de respeitar a estética de Tardi, conseguindo arranjar actores suficientemente parecidos com as personagens desenhadas pelo autor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Jodorowsky explora o filão do Incal - Parte II


Depois de na passada semana ter analisado o 1º volume de “O Incal Final”, chegou agora a vez de “As Armas do Metabarão, o segundo dos títulos lançados recentemente pela Vitamina BD, em que Jodorowsky continua a explorar o universo que criou com Moebius para a série “O Incal”.
Pegando no carismático Metabarão, o guerreiro supremo, personagem nascido nas páginas do “Incal”, a “Casta dos Metabarões” explora a genealogia do personagem fazendo-o o último descendente de uma casta de indomáveis guerreiros. Nascia assim uma série directamente inspirada na tragédia grega e que encontrou no traço hiper-realista do argentino Juan Gimenez a tradução ideal para uma história que, por oposição à ficção científica luminosa e espiritual de Moebius no “Incal”, gira à volta do choque entre o metal e a carne, num universo em que as máquinas muito sofisticadas de alta tecnologia convivem com trajes inspirados na Idade Média e na Renascença, num mundo em que a arte e a cultura japonesas têm muito peso, pois o Metabarão tem evidentes afinidades, estéticas e culturais, com os Samurais.
Esta saga de contornos épicos, que já tinha dado origem a uma prequela, “Castaka”, desenhada pelo galego Das Pastoras, prolonga-se neste “As Armas do Metabarão”, cujo principal motivo de atracção residia em ver como o desenho de Travis Charest recriava os personagens de Jodorowsky. Este talentoso desenhador canadiano com uma carreira construida no mercado dos comics americanos, para onde desenhou a série WildCATS e fez capas para várias editoras, viu no convite da editora Humanoides Associés, feito em 2000, para desenhar e pintar a história escrita por Jodorowsky uma oportunidade de desenvolver o seu estilo, sem os constrangimentos de prazos habituais no mercado americano, que o tinham levado a desistir da série mensal WildCATS.
Numa entrevista feita em 2001, quando já estava a trabalhar na história, Charest declarou: "nunca estive tão nervoso com um projecto, como agora. É a primeira vez que pinto e desenho uma novela gráfica sozinho e também nunca estive envolvido com uma personagem tão importante. Para ser sincero, às vezes penso se sei no que me estou a meter. Acho que podem acontecer duas coisas com este livro, ser um grande sucesso e a melhor coisa que já fiz, ou não conseguir acabá-lo e cair lentamente no esquecimento..."
E, apesar de as primeiras imagens serem prometedoras, desde a capa que desenhou para o livro de regras do Role Playing Game dos Metabarões, até "Metabaron: Alpha et Omega", a história curta que desenhou para a revista "Metal Hurlant", que saiu também no nº 1 da edição portuguesa da Devir, infelizmente para Charest, acabou por acontecer a segunda coisa que ele previu e, depois de só ter desenhado 30 páginas em 7 anos, acabou naturalmente por ser substituído por Zoran Janjetov, que já tinha trabalhado com Jodorowsky nas séries "Avant L'Incal" e "Les Technopéres", que desenhou as 22 páginas que faltavam.
Além de se resentir em termos gráficos da mudança, pois Janjetov, sendo um desenhador competente, não chega aos calcanhares de Charest em termos de desenho, trabalho de cor e sobretudo planificação (já para não falar da forma perculiar como Janjetov desenha as sobrancelhas do Metabarão, que mais parecem umas antenas…) também a história se ressente da mudança. Pensada originalmente com uma história de 52 páginas, com o título "Dreamshifters", que não incluía a história curta desenhada por Charest para a "Metal Hurlant", a necessidade de aproveitar todo o material desenhado por Charest, levou Jodorowsky a reescrever a história, acrescentando uma sequência inicial de quatro páginas desenhada por Janjetov, que serve de enquadramento à história curta feita para a "Metal Hurlant". O problema é que assim, sobraram apenas 40 páginas para contar uma história prevista para 52, o que naturalmente implicou uma aceleração na parte final, com prejuízos evidentes em termos da fluidez da narrativa. Resta o prazer (fugaz e cada vez mais raro) de apreciar o espectacular trabalho gráfico de Travis Charest.
“As Armas do Metabarão”, de Jodorowsky, Charest e Janjetov, Vitamina BD, 62 pags, 14,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 6/02/2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Calvin e o seu criador voltam a ser notícia


15 anos depois de ter terminado a série Calvin e Hobbes, Bill Waterson volta a ser notícia por dois motivos. Primeiro, os correios americanos vão lançar em Julho um selo com Calvin e Hobbes, cuja imagem se reproduz acima e, o que também é notícia, houve um jornalista do Cleveland Plain Dealer, um jornal da cidade onde Waterson vive, que conseguiu o feito raro de entrevistar o criador de Calvin e Hobbes, uma entrevista não particularmente inspirada a nível das perguntas, que podem ler aqui.
Por ser a única entrevista dada por Waterson nos últimos 20 anos a um meio de comunicação social, a própria entrevista foi também ela notícia no New York Daily News.
Waterson, que depois da morte de J D Salinger deve ser o mais reclusivo autor vivo, mantém o sentido de humor e não lamenta nada ter terminado com a série no auge da sua fama, em vez de continuar até se esgotar a criatividade. Uma decisão que se respeita, mas que os fãs de Calvin, como eu, lamentam...
Update - A entrevista a Bill Waterson foi publicda em Portugal na edição da revista Sábado distribuída no dia 19 de Fevereiro.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Jodorowsky explora o filão do Incal - Parte I


Depois de “Castaka” e a “Casta dos Metabarões”, a Vitamina BD acaba de editar mais dois álbuns que exploram o universo criado por Moebius e Jodorowsky na série “O Incal”, verdadeiro mito fundador do Universo em BD de Jodorowsky, que o argumentista chileno tem explorado das mais diversas formas, com diferentes desenhadores. Esses álbuns são “Os Quatro John Difool”, primeiro volume da série “Incal Final”, com desenhos do mexicano José Ladronn e “As Armas do Metabarão”, um álbum isolado ambientado no universo da série “A Casta dos Metabarões”, com desenhos de Travis Charest e Zoran Janjetov, de que falarei na próxima semana.
Conhecido em Portugal essencialmente pelo seu trabalho como argumentista de Banda Desenhada, Alejandro Jodorowsky é muito mais do que isso. Verdadeiro homem do Renascimento, este filho de judeus emigrantes russos, nascido no Chile em 1929, foi actor, mimo (discípulo de Marcel Marceau), tarólogo de renome, responsável com Philipe Camoin pela restauração do Tarot de Marselha, criador de uma nova técnica terapêutica chamada psicomagia, poeta, escritor, dramaturgo, encenador, fundador do grupo surrealista Panique (com Fernando Arrabal e Roland Topor) e realizador de cinema, que encontrou na BD a forma ideal de fazer chegar ao grande público as histórias que quer contar e que não conseguiu meios para o fazer no cinema.
Foi precisamente o falhanço da adaptação ao cinema do romance “Dune”, de Frank Herbert, que em 1975 lhe permitiu iniciar uma colaboração com a Moebius, na série O Incal. Obra que, conforme o próprio Jodorowsky refere: “representa tudo o que eu não consegui fazer em Dune. Há bocados inteiros do filme que foram inventados por mim. Eles estão todos no Incal.”
Depois dos 6 álbuns da série principal, desenhada por Moebius, a exploração do Universo do Incal continuou em várias direcções, com a prequela “Avant L’Incal” (Antes do Incal), desenhada por Zoran Janjetov, num estilo bastante colado ao de Moebius e com as séries paralelas “Les Technopéres” e “A Casta dos Metabarões”, que por sua vez deu origem à prequela “Castaka”, desenhada por Das Pastoras e a “As Armas do Metabarão”.
Em 2000, Jodorowsky lançou com Moebius a série “Aprés do Incal”, (prevista para 6 volumes, tal como os ciclos de “Incal” e “Antes do Incal”) que fecharia a trilogia dedicada ao Incal, mas que não passou do 1º volume, face à desistência de Moebius, o que levou Jodorowsky a repensar o projecto e a encontrar um desenhador que estivesse a altura de substituir Moebius. O artista que reuniu o consenso dos dois criadores foi o mexicano José Ladronn, que os leitores portugueses já conhecem da mini-série dos Inumanos publicada pela Devir em 2005 e que, para além de ter colaborado com Jodorowsky numa história curta publicada na última série da revista “Metal Hurlant”, já tinha desenhado as personagens da série “O Incal” nas capas que fez para a edição americana de “Avant L’Incal”.

E não há grandes dúvidas que a escolha não podia ser mais acertada. Basta reparar no pormenor que Ladronn põe em cada desenho e no seu excelente trabalho de cor, felizmente longe do colorido metálico usado na nova coloração do “Incal” e no “Depois do Incal”, desenhado por um Moebius pouco motivado e claramente em “piloto automático”.
Em termos de história ainda é cedo para saber o que nos vai trazer este “Incal Final”, que pouca coisa aproveita do argumento do descartado “Depois do Incal”, até porque Jodorowsky já declarou, numa entrevista à revista “Casemate, que o ciclo do “Incal Final” será composto por 6 álbuns, tal como os ciclos anteriores, ao contrário dos 2 volumes anunciados pela editora… Já quanto ao desenho, este novo ciclo está uns bons furos acima de “Avant L’Incal”, graças ao excelente trabalho de Ladronn, artista talentoso que faz uma interessante síntese entre os estilo mais “linha clara” usado por Moebius no “Incal” e o traço barroco de Juan Giménez, conseguindo criar algo novo e personalizado.
“Incal Final 1: Os Quatro John Difool”, de Jodorowsky e Ladronn, Vitamina BD, 64 pags, 14,50 €)
Texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 30/01/2010