sexta-feira, 29 de julho de 2016

Novela Gráfica II 7 - Parque Chas


À DESCOBERTA DO LADO FANTÁSTICO DE BUENOS AIRES

Novela Gráfica II – Vol. 7 
Parque Chas
Argumento –  Ricardo Barreiro
Desenhos – Eduardo Risso
Quinta, 28 de Julho
Por + 9,90€
Depois de Mort Cinder na primeira série, a colecção Novela Gráfica dá a descobrir aos leitores portugueses mais um clássico da Banda Desenhada argentina: Parque Chas, de Ricardo Barreiro e Eduardo Risso. 
Obra que lançou Eduardo Risso, fabuloso desenhador que os leitores bem conhecem de Batman: Noir, Parque Chas é uma viagem ao lado fantástico da cidade de Buenos Aires, através de um dos seus Bairros mais emblemáticos, que aqui se revela um verdadeiro triângulo das Bermudas do Imaginário, onde vampiros, sereias, fantasmas e personagens de BD se cruzam e reencontram, para levar o visitante para um lugar obscuro e perigoso onde as memórias da História se fundem com a literatura e a BD e a ameaça do desconhecido é constante.
A escolha por parte de Ricardo Barreiro do bairro de Parque Chas não é inocente, pois a própria geometria do Bairro, com uma série de ruas circulares com nome de cidades europeias, dá ao visitante a sensação de que se encontra num verdadeiro labirinto. Além disso, Parque Chas é um bairro que deixou de o ser, pois em 1976, durante a ditadura militar, o Intendente Osvaldo Cacciatore levou a cabo uma reorganização administrativa da cidade de Buenos Aires, em que a zona de Parque Chas perdeu o estatuto de Bairro, que só seria reposto em 2005.
Ou seja, o Parque Chas foi mais uma memória apagada pela ditadura argentina que a BD vai recuperar e a pré-publicação da história em 1987 na revista Fierro, publicação dirigida por Juan Sasturain, que aproveitou a liberdade concedida pelo fim da ditadura militar para dar espaço e inteira liberdade criativa, aos excelentes desenhadores e argumentistas argentinos, surge como natural, pois Sasturain, além de editor e teórico da BD, é o argumentista de Perramus, uma BD desenhada por Alberto Breccia que lida precisamente com a memória dos anos de chumbo da ditadura, da mesma forma metafórica que Parque Chas o faz.
Falecido em 1999, com apenas 49 anos, Ricardo Barreiro foi um dos mais produtivos escritores argentinos de BD, com uma carreira dividida entre a Argentina e a Europa, onde se exilou durante a ditadura. Em Parque Chas, Barreiro retoma dois temas, bastante presentes na sua obra: a cidade como uma entidade viva e misteriosa, já abordada em Ciudad, com Juan Gimenez; e as homenagens à obra de Hector G. Oesterheld, o argumentista de Mort Cinder e, principalmente de El Eternauta, livro que descreve uma invasão de Buenos Aires por extraterrestres, que a segunda parte de Parque Chas retoma de forma explicita e de que Barreiro escreverá uma das continuações.
Mas, para além da história, Parque Chas vale (e muito) pelo desenho de Eduardo Risso, que aqui troca o preto e branco de alto contraste que se tornaria a sua imagem de marca pelos cinzentos da grafite, num trabalho extraordinariamente detalhado e visualmente espectacular, que acentua a dimensão inquietante de um espaço mítico, da não menos mítica cidade de Buenos Aires.
Publicado originalmente no jornal Público de 22/07/2016

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Novela Gráfica II 6 - A Garagem Hermética

Este é um daqueles casos em que o espaço disponibilizado pelo jornal Público se revela insuficiente para falar devidamente do livro. Felizmente, tive também a coluna semanal no Ipsílon que saiu com o jornal de hoje, para complementar o texto com uma série de citações de Moebius sobre a sua obra de culto, que poderão ler clicando na respectiva imagem.

COM MOEBIUS, À DESCOBERTA DA GARAGEM HERMÉTICA

Novela Gráfica II – Vol. 6 
A Garagem Hermética
Argumento e Desenhos – Moebius
Quinta, 21 de Abril
Por + 9,90€
Depois de, num dos volumes de maior sucesso da primeira série da colecção Novela Gráfica, termos tido a oportunidade de apreciar o génio de Moebius em colaboração com Alejandro Jodorowsky, esta segunda série recupera A Garagem Hermética de Jerry Cornelius, um clássico de Moebius enquanto autor completo e da revista Metal Hurlant que é finalmente editado em Portugal a preto e branco e no formato original.
Figura incontornável da BD mundial, tanto como Moebius, ou como Gir, Jean Giraud foi um dos mais fabulosos desenhadores do século XX, um talento multifacetado, capaz de criar universos com simples imagens. Com uma carreira dividida entre a aventura clássica, de que o Western Tenente Blueberry, que criou com Jean-Michel Charlier é um dos expoentes máximos, e as  fabulosas experiências visuais em que a coerência narrativa acabava por ser menos importante do que a liberdade gráfica e criativa, Moebius procurou sempre utilizar o desenho para criar universos e é precisamente isso que acontece com A Garagem Hermética, série que traduz como poucas a filosofia inerente à revista Metal Hurlant.

Logo em 1975, no editorial do primeiro número da revista que fundou com Jean-Pierre Dionnet, Philippe Druillet e Bernard Farkas, Moebius declara que: “Não há qualquer razão para que uma história seja como uma casa, com uma porta para entrar, janelas para  ver a paisagem e uma chaminé para o fumo. Pode muito bem imaginar-se uma história com a forma de um elefante, de um campo de trigo, ou de um fogo de artifício”.
Esse manifesto da revolução da BD, tem inteira tradução em A Garagem Hermética, uma história de duas páginas, feita sem qualquer intenção de continuação, mas que se transformaria numa série quando Dionnet a publica na Metal Hurlant nº 6 e pede a Moebius outro capítulo para o número seguinte. Com os capítulos a serem inventados à medida que Moebius os desenhava, sem qualquer preocupação de coerência com os episódios anteriores, ou com os episódios seguintes, a história foi crescendo de forma orgânica, tendo com fio condutor a presença do Major Grubert, ou Major Fatal. Como o próprio autor refere: “Desenhava e sistematicamente escrevia continua. Era um acto surrealista. Dei-me conta que, para lá das aparências, o meu espirito funcionava com uma coerência muito particular. Aprendi a ter confiança naquela parte de mim à qual não tenho um verdadeiro e fácil acesso, mas que organiza as coisas de um modo mágico".

O resultado é uma obra surpreendentemente coerente, que sintetiza na perfeição o génio de Moebius, mostrando os diversos caminhos que o seu traço irá explorar. Um clássico incontornável, finalmente disponível em Portugal numa edição que lhe faz inteira justiça.
Publicado originalmente no jornal Público de 15/07/2016 e na revista Ipsílon de 22/07/2016

sábado, 16 de julho de 2016

Novela Gráfica II 5 - A História de um Rato Mau



COM BRYAN TALBOT NO RASTO DE BEATRIX POTTER

Novela Gráfica II  – Vol. 5 
A História de um Rato Mau
Argumento e Desenhos –Bryan Talbot
Quinta, 14 de Julho
Por + 9,90€
No seu quinto volume, esta segunda série da colecção Novela Gráfica apresenta aos leitores portugueses, um dos nomes maiores da BD de língua inglesa, o inglês Bryan Talbot, que em A História do Rato Mau, nos apresenta Helen Potter, uma jovem vítima de abuso sexual, que empreende uma viagem de descoberta pela Inglaterra rural, seguindo os passos da célebre autora de livros infantis, Beatrix Potter, na esperança de exorcizar os seus fantasmas e reencontrar a paz.
Bryan Talbot nasceu em Inglaterra em 1952, tendo trabalhado nos comics underground britânicos e na revista 2000 AD, para onde desenhou Nemesis, the Warlock e Judge Dredd, antes de seguir o caminho de diversos compatriotas seus, como Alan Moore, Brian Bolland, Neil Gaiman, Dave McKean e Garth Ennis e começar a trabalhar para o mercado americano e para a DC Comics, sobretudo na linha Vertigo, para onde ilustrou as séries Hellblazer, Fables e o Sandman, de Neil Gaiman. Além de muito trabalho como desenhador para a DC, Talbot tem também bastantes trabalhos a solo, com destaque para as séries The Adventures Of Luther Arkwright e Grandville, mas A História de um Rato Mau, que os leitores portugueses poderão descobrir a partir da próxima quinta-feira, é dos seus trabalhos mais importantes.
Um elemento bem presente na obra de Talbot, é a homenagem aos grandes nomes da ilustração infantil. E, tal como sucede em Grandville com o francês Jean Ignace Isidore Gerard, que assinava os seus trabalhos como J. J. Grandville e que foi dos primeiros ilustradores a usar animais antropomorfizados como personagens. A História de um Rato Mau é também uma bela homenagem à vida e obra de Beatrix Potter, uma das mais importantes escritoras e ilustradoras infantis britânicas, criadora de Pedrito Coellho (Peter Rabitt).
Inicialmente, Talbot queria apenas contar uma história passada no Lake District, uma região no norte de Inglaterra, onde passava férias na adolescência. A figura da escritora e ilustradora Beatrix Potter que aí viveu e ambientou a maioria dos seus livros, pareceu-lhe uma boa porta de entrada. Do mesmo modo, uma adolescente tímida que tinha visto a pedir esmola na estação de Metro de Tottenham Court Road, acabou por inspirar e servir de modelo para Helen, a personagem central do livro que, tal como a própria Beatrix Potter e o filho de Talbot, tem por companheiro um rato de estimação (que, neste caso, até é uma ratazana…). Depois de encontrada uma justificação para Helen fugir de casa e se tornar um sem-abrigo (o abuso por parte do pai), todos estes elementos díspares se encaixaram perfeitamente, numa história coerente e de grande força dramática.
Como o próprio Talbot refere no posfácio do livro: “por vezes, as histórias realmente ganham vida própria. Em vez de criar uma banda desenhada sobre o Lake District, acabei por escrever e desenhar uma história sobre abuso sexual infantil. E fiquei contente por isso ter acontecido. Este foi o livro em que estive envolvido que mais valeu a pena e o melhor – já para não dizer o mais difícil – trabalho de banda desenhada que já fiz.”
Publicado originalmente no jornal Público de 08/07/2016

sábado, 9 de julho de 2016

Novela Gráfica II 4 - A Dança das Andorinhas

No caso deste volume, para além do editorial, tive a oportunidade de fazer uma pequena entrevista via Skype, com a Zeina Abirached, que estava em Berlim, para o coluna que o jornal Púbico dispensou no Ípsilon, para divulgação da desta série II das Novelas Gráficas. Tanto o texto do Público, como a entrevista podem ser lidos simplesmente clickando nas imagens. Quanto ao meu editorial está em texto aqui em baixo.

UMA NOITE EM BEIRUTE


Durante a década de 60 do século XX, Beirute, a capital do Líbano, era conhecida como a “Paris do Médio Oriente”. Mas essa foi uma realidade que Zeina Abirached, a autora da história que poderão ler nas próximas páginas, já não conheceu. O país que deixou de ser uma colónia francesa em 1945, conseguiu manter durante algumas décadas um delicado equilíbrio entre muçulmanos (xiitas e sunitas) e cristãos (maronitas, ortodoxos e arménios católicos e protestantes). Um equilíbrio que o exílio das tropas palestinianas da OLP no sul do Líbano, na sequência do “Setembro Negro”, veio destruir, dando origem a uma primeira guerra civil que durou entre 1975 e 1990 e provocou mais de cento e cinquenta mil mortos. Quando Zeina nasceu, em 1981, Beirute, a sua cidade natal, estava dividida ao meio, entre as tropas muçulmanas, apoiadas pela Síria e as milícias cristãs, com o apoio de Israel, que no ano seguinte, invadiria oficialmente o Líbano, no âmbito da “Operação Paz na Galileia”, cercando e bombardeando a cidade de Beirute, onde rapidamente deixou de haver electricidade, ou água canalizada.
Como a própria refere: “até aos 10 anos, a guerra foi a única realidade que conheci.” O muro que cortava a sua rua, na fronteira da zona de demarcação, mantinha toda a vizinhança “amputada” do resto da cidade. O muro não só limitava a sua liberdade de movimentos, mas era sobretudo uma lembrança constante de que viviam numa cidade em guerra. Uma barreira física, mas sobretudo psicológica, que perdurou muito para além da sua destruição. Abirached que, quando o muro foi demolido, descobriu surpreendida, que a rua do outro lado do muro tinha o mesmo nome que a sua, conta que, anos depois do fim da guerra, quando já tinha 20 ou 21 anos, se perdeu no meio da cidade, sem saber onde estava. Na verdade, estava muito perto de casa, mas numa área que antes lhe era inacessível, por causa do muro que cortava a sua rua. O muro já lá não estava, mas ela continuava a movimentar-se na cidade como se ele existisse. Nem ela, nem nenhum dos seus vizinhos se recordava com precisão quando é que o muro foi deitado a baixo.
Num país mais interessado em esquecer do que recordar os anos de guerra civil, onde não existe nenhum monumento às vítimas da guerra e o conflito não é ensinado nas escolas, por não existir consenso quanto à versão oficial a transmitir aos alunos, a Banda Desenhada foi o meio escolhido por Abirached para manter (e ao mesmo tempo exorcizar) essas memórias, prestando tributo às vitimas inocentes que a cidade, ao apagar o seu passado, quer deixar esquecer.
Em 2004 Abirached trocaria Beirute por Paris, onde estudou Artes Decorativas e trabalhou como designer, antes de se dedicar à BD. Uma escolha natural, tendo em conta a sua educação francófona, onde a Banda Desenhada estava bem presente (em A Dança das Andorinhas podemos ver um álbum do Tintin, na mesa de cabeceira do pai de Zeina), mas que lhe valeu inevitáveis comparações com Marjane Satrapi, a autora de Persepolis.
O facto de ambas terem nascido no Médio Oriente, terem vivido situações de guerra na sua infância e terem optado pela linguagem da BD para darem a conhecer a sua história, permite estabelecer um paralelo entre Marjane Satrapi e Zeina Abirached. E os pontos de contacto não se ficam por aí, pois ambas também se aventuraram na animação (Satrapi com Persepolis e Abirached com Le Mouton, uma curta metragem sobre os seus cabelos encaracolados) e escolheram contar a histórias de parentes seus ligados à música (um violinista, em Poulet Aux Prunes, de Satrapi, e um pianista, em Le Piano Oriental, de Abirached). Mas se é mais ou menos óbvio que o grande sucesso de Persepolis tornou mais fácil para Abirached encontrar uma editora disposta a publicar o seu trabalho, a verdade é que estamos perante duas autores com uma voz própria e bem distinta, como distintos são Persepolis e A Dança das Andorinhas.

A história de Marjane Satrapi tem um âmbito mais alargado, traçando o destino do Irão, desde a queda do Xá e o triunfo da Revolução Iraniana, no início dos anos 80 até meados da década de 90, quando Satrapi regressa ao Irão, depois de um exílio na Austria, mas, paradoxalmente, apesar dessa perspectiva mais global, a presença da história pessoal e das vivências da autora, acabam por se sobrepor a tudo o resto. Já Zeina Abirached limita o âmbito da sua história à sua rua, cortada ao meio pela zona de demarcação, e ao prédio onde vivia, com a família e com os restantes habitantes do nº 38 da rua Youssef Semaani, reduzindo a sua presença na história a um papel mais passivo de mera espectadora (normal numa criança de três ou quatro anos).
Também em termos gráficos, as diferenças são óbvias, apesar de ambas trabalharem o preto e branco. Satrapi nunca se conseguiu libertar completamente do estilo do seu mestre David B., enquanto Abirached utiliza a sua experiência do design para criar um estilo sintético, altamente estilizado, em que a influência da Arte bizantina se cruza com os teatros de sombras chinesas, aspecto que a representação bidimensional e a repetição hipnótica dos cenários, acentua. Mas o ponto alto do trabalho de Zeina Abirached é o seu sentido narrativo e de planificação, que lhe permite controlar com mestria o tempo da narrativa, através de soluções tão simples como inesperadas.

O pequeno mundo a que Zeina se viu confinada nesta fase do cerco de Beirute, já tinha sido abordado nos seus trabalhos anteriores, Beyrouth Catharsis - o seu primeiro livro, desenhado no Líbano em 2002, quando Zeina estudava ainda na Academia de Belas Artes de Beirute, mas só publicado em livro em França em 2006 - cujo título fala por si, e também no seu segundo livro, desse mesmo ano. Um pequeno livro-objecto de formato italiano, chamado precisamente 38, rue Youssef Semanni, em que cada tira corresponde a um andar e aos seus habitantes, que tanto pode ser lido na horizontal, como na vertical, numa primeira demonstração da capacidade da autora de jogar e subverter as características da narrativa na Banda Desenhada, que será desenvolvido em O Jogo das Andorinhas.
O ponto de partida para o seu primeiro trabalho de fôlego, foi a descoberta de um vídeo na Internet. Mas deixemos que seja a própria Zeina a contar como tudo se passou: “Em Outubro de 2006, no site na Internet do Instituto Nacional do Audiovisual (INA) encontrei uma reportagem gravada em Beirute em 1984.
Os jornalistas entrevistavam os habitantes de uma rua situada na proximidade da linha de demarcação, que cortava cidade em duas. Uma mulher, bloqueada pelos bombardeamentos, na entrada do seu apartamento, disse uma frase que me perturbou: “Sabem, acho que, mesmo assim, estamos, talvez, mais ou menos em segurança, aqui”. Essa mulher era a minha avó”.
O título do livro foi Zeina buscá-lo a um grafitti em francês num muro de uma zona de Beirute abandonada durante a guerra, assinado Florian e que, de acordo, com o que Ziena conseguiu descobrir, teria sido feito nos anos 90 por um bailarino belga de passagem por Beirute.
O resultado é uma obra fascinante, de grande ternura e humanismo, que centrando-se numa noite de bombardeamentos no auge da guerra, em 1984, retrata com grande sensibilidade e humor, a dicotomia entre a realidade exterior hostil de uma cidade destruída pela guerra e a intimidade protectora do espaço familiar. Mesmo que esse espaço esteja confinado ao átrio de um apartamento fustigado pelas bombas.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Novela Gráfica II 3 - Presas Fáceis

AS VÍTIMAS DO SISTEMA BANCÁRIO SÃO PRESAS FÁCEIS 
NO NOVO LIVRO DE MIGUELANXO PRADO

Novela Gráfica II - Vol 3
Presas Fáceis
Argumento e Desenhos – Miguelanxo Prado
Quinta, 30 de Junho
Por + 9,90 €
Na próxima quinta-feira, chega a vez desta série II da colecção Novela Gráfica abrir as suas portas a um nome bem conhecido dos leitores portugueses, Miguelanxo Prado. Nascido em 1958, na Galiza, Miguelanxo Prado, foi estudante de arquitectura, pintor de formação, e tornou-se autor de BD por vocação e convicção. A sua estreia na arte sequencial deu-se em 1979, no fanzine galego Xofre e, a partir daí seguiu-se um percurso de sucesso, tanto na BD como na animação, marcado por prémios como o de Melhor Livro no Festival de Angoulême, para Traço de Giz, ou o Prémio Nacional del Comic atribuído em Espanha à sua anterior novela gráfica, Ardalén, para além de colaborações com os escritores Laura Esquivel e Neil Gaiman e o cineasta Steven Spielberg.
Em Portugal, onde é presença frequente nos Festivais de BD, a sua obra tem sido editada de forma consistente, primeiro pela Meribérica/Liber e depois pelas Edições Asa, calhando agora à Levoir e ao Público o privilégio de dar a estampa Presas Fáceis, o seu mais recente livro, acabado de publicar em Espanha no passado mês de Maio.
Neste Presas Fáceis, o autor galego regressa ao registo policial, género de que é leitor fiel e que já tinha abordado, de forma paródica em O Manancial da Noite, livro escrito por Fernando Luna e protagonizado por Manuel Montano, um detective privado formado pela escola de detectives de Lisboa, a que Prado deu as feições de Bogart.
Mas desta vez o humor está (quase) ausente e, se quisermos estabelecer um paralelo entre este livro e anteriores trabalhos de Prado - até pela ausência da cor, de que Miguelanxo Prado é um mestre incontestado - o melhor talvez seja recuarmos a Stratos, um dos seus primeiros trabalhos de fôlego, publicado originalmente em meados da década de 80, onde a ficção científica é utilizada como um pretexto para analisar os defeitos das sociedades actuais, em que aspectos como o crescente endividamento dos cidadãos junto dos bancos e o espectro do desemprego crescente são abordados da forma crua. Um álbum que, com todo o seu humor (muito) negro, é uma critica feroz, mas que não perdeu a menor actualidade, à desumanização das sociedades industrializadas, em que os princípios são esquecidos pela miragem do lucro fácil e os arrivistas detêm o poder.
Como o próprio Prado revelou numa entrevista, na origem de Presas Fáceis, está uma notícia ouvida na rádio: “Tinham descoberto os corpos de um casal de idosos em sua casa. Tinham-se suicidado devido ao desespero de terem perdido todas as suas poupanças, depois de alguém no banco as ter convertido, de forma fraudulenta, em acções preferenciais e porque enfrentavam uma acção de despejo, depois de terem avalisado com a sua casa a hipoteca de um dos seus filhos, que deixou de a poder pagar quando ficou desempregado.
Todos os elementos desta história são tristemente familiares. Toda a gente conhece, quase de certeza, casos semelhantes, ainda que contornos menos trágicos. A realidade não permite uma leitura optimista. (…) Basta fazer contas para ver que, com a indemnização de 18 milhões, que recebeu um ex-presidente de um Banco depois de o levar à falência, dava para pagar as pensões durante o resto da sua vida a 100 reformados médios. É indefensável e inadmissível que esta gente continue a usufruir desses valores milionários, enquanto o Banco de Espanha e a Comissão Nacional do Mercado de Valores que deviam assegurar que isso não acontecesse, desviam o olhar e façam de conta que não se passa nada.”
É essa realidade facilmente transposta para o nosso país (basta pensar nos casos BPN e BES…), que serve de pano de fundo ao notável último livro de Prado, que chega às bancas na próxima quinta-feira, numa edição enriquecida por um excelente prefácio do historiador e ex-eurodeputado Rui Tavares. 
Texto publicado originalmente no jornal Público de 24/06/2016