sábado, 31 de março de 2012

Death Note em português

Depois de uma primeira experiência há alguns anos com “Dark Angel”, de Kia Asamiya, que não passou do segundo volume, a Devir volta a apostar no mangá, com “Death Note”, a excelente série de Obata e Ohba, uma intriga policial com toques fantásticos, que conheceu grande sucesso, tanto no Japão, como nos Estados Unidos, tendo sido já adaptada à animação e ao cinema de imagem real.
Tudo começa quanto Light Yagami, um estudante brilhante descobre, por acaso, um caderno que um Shinigami, um dos Deuses da Morte, deixou cair na Terra. Esse caderno, o Death Note” que dá título à série, permite a quem o encontre matar quem muito bem quiser, bastando para isso escrever o nome dessa pessoa no Death Note. Um extraordinário poder que Light vai usar para livrar o mundo dos principais criminosos, o que o coloca na mira das principais polícias mundiais, e do misterioso L, perturbados com tantas mortes misteriosas.
Além do jogo de xadrez (metafórico) entre Light e L, dois opositores brilhantes que tentam antecipar as jogadas um do outro, sem conhecerem as respectivas identidades, a história vive da evolução do próprio Light, que se vai deixando corromper por este poder absoluto de vida ou morte, e da relação entre Light e Ryuk, o Shinigami que lhe deu o Death Note, num relato muito bem construído e cheio de suspense, que nos próximos volumes se vai tornar mais complexo e vai conhecer inúmeros desenvolvimentos surpreendentes.
Para além da inteligência do argumento de Tsugumi Ohba, a série conta com um excelente trabalho gráfico de Takeshi Obata, com um estilo elegante e detalhado, extremamente eficaz em termos narrativos, dando os separadores dos capítulos e a imagem da capa, uma boa ideia da versatilidade do seu traço.
Uma excelente aposta da Devir, numa boa edição, em tudo idêntica à edição americana da Viz, mas que para vingar, vai precisar de um ritmo de publicação sustentado, semelhante ao que a Asa tem usado com a série “Dragon Ball”, ou pelo menos, bastante superior ao que a Devir tem seguido com a série “Walking Dead”. “Death Note” é uma série viciante, mas esse vício precisa de ser alimentado de forma regular, de modo a que o leitor possa chegar rapidamente ao fim dos 12 volumes que constituem a série, sob o risco de perder os leitores para a edição americana, que já está disponível na íntegra.
(“Death Note” Vol 1: Aborrecidos”, de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, Devir, 198 Pags, 9,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 30/03/2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

The Walking Dead: Michone na série de TV e na Playboy

A 2ª temporada da versão televisiva de The Walking Dead, cuja exibição terminou há pouco, depois de um início bastante lento, onde basicamente não aconteceu nada de relevante, teve um final bastante mais movimentado, com dois grandes momentos que abrem caminho para a terceira temporada: uma primeira visão da prisão onde se vai desenrolar a terceira temporada e a chegada à série de Michone, uma das mais carismáticas e populares personagens da BD criada por Robert Kirkman.
Uma negra armada de uma katana (a espada dos samurais) que maneja com uma precisão mortífera, Michone parece inspirada na Elektra de Frank Miller e aparece pela primeira vez na série de BD no nº 19, recolhido no 4º volume da edição encadernada, de katana na mão e com dois zombies sem braços e queixada, levados pela trela. Um momento que a série de televisão reproduz de forma rigorosa, embora antecipando-o em termos de história, com a particularidade de não vermos as feições de Michone sob o capuz, pois a actriz Danai Gurira, que a vai interpretar na série ainda não tinha sido escolhida quando a cena foi filmada.
Coincidindo com a chegada dela à série televisiva, a revista Playboy americana publicou no seu número de Abril, uma história curta de seis páginas, escrita por Robert Kirkman e desenhada por Charlie Adlard que mostra a origem de Michone, episódio inédito, apenas evocado na BD. São essas páginas, que, como era previsível, já circulam pela Internet, que aqui vos deixo.






domingo, 25 de março de 2012

Clássicos Ilustrados I : Masterpiece Comics de R. Sikoryak

É grande a tradição de adaptações à Banda Desenhada de clássicos da Literatura, especialmente no mercado norte-americano. Por exemplo, a EC Comics, antes de se dedicar às histórias de terror, publicava maioritariamente adaptações de obras literárias. Ficou famosa a série Classics Comics (mais tarde Classics Ilustrated), editada por Albert Kanter, que entre 1941 e 1971, publicou 169 adaptações de clássicos da literatura mundial, ou o inspirado remake dos anos 90 da editora First Comics, que recorreu a autores como Bill Sienkiewicz, P. Craig Russel; Kyle Baker, Dean Motter e Jill Thompson, para excelentes adaptações, como o Moby Dick de Sienkiewicz, que chegaram a Portugal na versão brasileira da Editora Abril.
Mas a abordagem de R. Sikoryak, que motiva este texto, é completamente diferente e muito divertida, adaptando diferentes clássicos em estilos diversos, que remetem para outras Bandas Desenhadas, jogando com o conhecimento do leitor dos clássicos da BD americana, estabelecendo curiosos paralelos entre a Banda Desenhada e a Literatura, alguns deles nada obvios à partida. Assim, por exemplo, O Retrato de Doryan Gray, de Oscar Wilde, é apresentado por Sikoryak como uma página do Little Nemo in Slumberland de Winsor McKay, o Fausto de Goethe, como uma série de tiras do Garfield, o Monte dos Vendavais de Emily Bronte, como uma história de terror da EC Comics, a Letra Escarlate de Nataniel Hawtorne como uma história de Little Lulu, Crime e Castigo de Dostoyevsky, como uma história do Batman dos anos 50, como as desenhadas por Dick Sprang e, as minhas favoritas, a Metamorfose, de Kafka, como uma tira dos Peanuts, de Charles Schulz, com Gregor Samza como Chartlie Brown e a história de O Estrangeiro de Camus, contada através de uma sequência de falsas capas de Superman.
E a verdade é que a coisa resulta muito bem, graças à capacidade mimética do traço de Sikoryak, que imita na perfeição o estilo característico dos autores e das publicações que usa nas suas adaptações.
Publicadas em diversos sítios, como a revista Raw, dirigida por Art Spiegelman, ao longo de mais ou menos 20 anos, essas histórias foram recolhidas em álbum pela Draw and Quarterly, em 2009, com grande sucesso, pois o exemplar que eu tenho, de 2010, já é da 4ª edição.
Aqui ficam alguns exemplos das divertidas adaptações 2 em 1 de Sikoryak, para vos despertar a curiosidade.
Masterpiece Comics, de R. Sikoryak, Draw and Quarterly, 2010, $ 19,95 US




sábado, 17 de março de 2012

EVOCANDO JEAN (Gir/Moebiu) GIRAUD (1938-2012)

Jean Giraud, nome maior da BD europeia, faleceu aos 73 anos no passado sábado, dia 10 de Março, em Paris, vítima de cancro. Possivelmente, um dos melhores desenhadores realistas que a Banda Desenhada conheceu, com o nome Gir, com que assinava as aventuras do Tenente Blueberry, Giraud, com o pseudónimo Moebius, foi também um dos mais influentes autores de BD de sempre, co-fundador da revista “Metal Hurlant”, responsável pela criação de alguns dos mais fantásticos universos da BD, para além de ter emprestado o seu fabuloso traço à Banda Desenhada, em histórias surreais e ao cinema e à publicidade, em magníficas ilustrações marcadas pela originalidade do seu universo e pelo arrojo gráfico do seu traço.
Nascido em 1938, nos arredores de Paris, Giraud iniciou-se na BD depois de cumprir o serviço militar, em 1958, como assistente de Jijé, na série Jerry Spring, tendo sido o próprio Jijé a recomendá-lo a Jean-Michel Charlier quando este procurava um desenhador para um novo Western que tinha criado, a série “Fort Navajo”, protagonizada pelo emblemático Tenente Mike S. Blueberry.
O grande sucesso de Blueberry trouxe fama e dinheiro a Giraud, mas não o deixou realizado em termos criativos, o que o levou a progressivas incursões pelo fantástico e pela ficção científica, com o pseudónimo Moebius, com que assina algumas tiras na revista Hara Kiri, em 1963, curiosamente o mesmo ano em que o Tenente Blueberry se estreia na revista Pilote.
Mas, se quisermos procurar um momento de viragem da sua carreira, não podemos ignorar a história “La Deviation”, publicada na Pilote em 1973 e assinada Gir, em que o universo onírico de Moebius emerge plenamente. Em 1975, na revista “Metal Hurlant”, que criou com Philippe Druillet e Jean-Pierre Dionnet, Moebius assina algumas das suas histórias mais famosas, como Arzach e A Garagem Hermética, fabulosas experiências visuais em que a coerência narrativa acabava por ser menos importante do que a liberdade gráfica e criativa.
Se a colaboração com o cineasta chileno Alejandro Jodorowsky num projecto de adaptação cinematográfica do romance “Dune”, de Frank Herbert acabou por não chegar a bom porto, deu origem a uma frutuosa colaboração no campo da BD, de que nasceu a série “O Incal”, para além de outras pérolas como “Os Olhos do Gato” e “La Folle du Sacre-Coeur”
Ao mesmo tempo que, enquanto Gir prosseguia a série “Blueberry”, assumindo também o argumento, após a morte de Charlier, em 1989, enquanto Moebius, emprestava o seu talento a filmes como “Alien”, “Tron”, “O Abismo” e “O Quinto Elemento”, entre outros, ao mesmo tempo que prosseguiam as tentativas de levar as suas histórias ao cinema, sem grande sucesso, ou com resultados que ficavam muito aquém das potencialidades das suas BDs. Para além do cinema, também a publicidade recorria com frequência ao seu talento e a série Le Monde d’Edena tem como ponto de partida um álbum publicitário feito para a Citroen.
Embora tenha trocado durante algum tempo a França, pelo Tahiti (onde viveu no meio de uma seita) e por Los Angeles (onde colaborou com Stan Lee numa história do Surfista Prateado), as viagens de Giraud eram mais interiores e era através do desenho que se evadia para sítios como o Deserto B, espaço mítico em eterna mutação, que evoca o México que tanto o marcou na adolescência.
Apesar já estar doente há alguns anos (o que o impediu de colaborar com Neil Gaiman no livro “Endless Nights”, da série Sandman) Giraud manteve-se sempre activo e criativo, recuperando algumas das suas criações mais emblemáticas, como Arzach e o Major Fatal em novas aventuras, mas também na divertida série autobiográfica, “Inside Moebius”.
Entre o final de 2010 e inícios de 2011, a Fundação Cartier dedicou-lhe uma magnífica exposição, de que dei nota neste blog, ao mesmo tempo que a editora que ajudou a fundar, “Les Humanoides Associés”, tem vindo a reeditar de forma sistemática os seus trabalhos publicados na revista “Metal Hurlant”. Ou seja, Moebius não morreu esquecido, como o prova a primeira página do jornal Liberation que lhe é dedicada, com uma ilustração de Bilal que abre este post, e é muito provável que outros prossigam as suas séries após a sua morte. Mas esses aspectos materiais pouco interessarão a Jean Giraud, que sempre privilegiou a dimensão espiritual. Liberto do seu corpo doente, Giraud pode concretizar o seu sonho recorrente e voar livre nos céus do Deserto B.
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 16/03/2012





domingo, 11 de março de 2012

Boa Viagem, Mestre!


PS - A memória de Jean (Moebius) Giraud e o seu legado incontornável, serão mais detalhadamente evocados neste espaço dentro de alguns dias.

terça-feira, 6 de março de 2012

Finger Paintings: A Nova Iorque de Jorge Colombo

Radicado nos Estados unidos desde 1989, o ilustrador português Jorge Colombo viu recentemente ser editado nos EUA, um livro com as melhores ilustrações de Nova Iorque que fez utilizando a aplicação "brushes" do Iphone. O livro, editado em Setembro de 2011 pela Chronicle Books, recolhe 100 ilustrações de Colombo publicadas (sobretudo) na revista New Yorker, o que tem lógica, pois a primeira capa que Colombo publicou na revista New Yorker, em Junho de 2009 foi também a primeira imagem criada num smartphone a ser usada como capa de uma revista, o que fez dela notícia a nível internacional.
Embora, actualmente, o uso desta aplicação já esteja mais generalizado (o pintor David Hockney também é um utilizador habitual desta aplicação, tanto no Iphone, como no Ipad) o facto de Colombo ter sido o primeiro a usá-la em ilustrações comerciais, garantiu uma grande visibilidade ao seu trabalho, evidente no mini-blog dedicado às ilustrações de Colombo, que a New Yorker criou no seu site.
Uma das mais prestigiadas publicações culturais em língua inglesa, a New Yorker tem mostrado grande abertura em relação à Banda Desenhada, o que não será alheio ao facto de Françoise Mouly, a directora de arte da revista, que é mulher de Art Spiegelman (o criador de Maus) ser uma profunda conhecedora da BD, tendo aberto as páginas e a capa da New Yorker a autores como Mattotti, Loustal, Charles Burns, Chris Ware, Eric Drooker, Max, Adrien Tomine, Jacques Sempé e Daniel Clowes, entre outros grandes desenhadores europeus e americanos.
Antes de se mudar para os EUA em 1989, Jorge Colombo foi director de arte do jornal O Independente, crítico de Banda Desenhada na revista Tintin, no JL e no jornal Se7e e um dos mais conceituados ilustradores portugueses, responsável, entre muitas outras coisas, por uma série de capas memoráveis para editoras como a Teorema. Quando atravessou o Atlântico para ir viver com a sua namorada, a artista Amy Yoes, Colombo viveu em Chicago e São Francisco, antes de se radicarem finalmente em Nova Iorque, em 1998, cidade que tem retratado de forma metódica e apaixonada. Algumas das ilustrações que fez durante os primeiros 10 anos que passou nos Estados Unidos puderam ser vistas em 1999, numa exposição na Bedeteca de Lisboa, servida por um fantástico catálogo em formato de livro de bolso.
A imagem usada para o convite da exposição, que podem ver em cima, faz a ponte com as ilustrações digitais feitas no Iphone, com o traço linha clara e as ecolines sobre papel a darem lugar a uma abordagem mais impressionista, com um curioso efeito de sfumatto. Mas, como uma imagem vale mais do que mil palavras, em vez de vos falar do livro de Colombo, prefiro deixar-vos com um punhado de imagens do mesmo. Enjoy!