Jean Giraud, nome maior da BD europeia, faleceu aos 73 anos no passado sábado, dia 10 de Março, em Paris, vítima de cancro. Possivelmente, um dos melhores desenhadores realistas que a Banda Desenhada conheceu, com o nome Gir, com que assinava as aventuras do Tenente Blueberry, Giraud, com o pseudónimo Moebius, foi também um dos mais influentes autores de BD de sempre, co-fundador da revista “Metal Hurlant”, responsável pela criação de alguns dos mais fantásticos universos da BD, para além de ter emprestado o seu fabuloso traço à Banda Desenhada, em histórias surreais e ao cinema e à publicidade, em magníficas ilustrações marcadas pela originalidade do seu universo e pelo arrojo gráfico do seu traço.
Nascido em 1938, nos arredores de Paris, Giraud iniciou-se na BD depois de cumprir o serviço militar, em 1958, como assistente de Jijé, na série Jerry Spring, tendo sido o próprio Jijé a recomendá-lo a Jean-Michel Charlier quando este procurava um desenhador para um novo Western que tinha criado, a série “Fort Navajo”, protagonizada pelo emblemático Tenente Mike S. Blueberry.
O grande sucesso de Blueberry trouxe fama e dinheiro a Giraud, mas não o deixou realizado em termos criativos, o que o levou a progressivas incursões pelo fantástico e pela ficção científica, com o pseudónimo Moebius, com que assina algumas tiras na revista Hara Kiri, em 1963, curiosamente o mesmo ano em que o Tenente Blueberry se estreia na revista Pilote.
Mas, se quisermos procurar um momento de viragem da sua carreira, não podemos ignorar a história “La Deviation”, publicada na Pilote em 1973 e assinada Gir, em que o universo onírico de Moebius emerge plenamente. Em 1975, na revista “Metal Hurlant”, que criou com Philippe Druillet e Jean-Pierre Dionnet, Moebius assina algumas das suas histórias mais famosas, como Arzach e A Garagem Hermética, fabulosas experiências visuais em que a coerência narrativa acabava por ser menos importante do que a liberdade gráfica e criativa.
Se a colaboração com o cineasta chileno Alejandro Jodorowsky num projecto de adaptação cinematográfica do romance “Dune”, de Frank Herbert acabou por não chegar a bom porto, deu origem a uma frutuosa colaboração no campo da BD, de que nasceu a série “O Incal”, para além de outras pérolas como “Os Olhos do Gato” e “La Folle du Sacre-Coeur”
Ao mesmo tempo que, enquanto Gir prosseguia a série “Blueberry”, assumindo também o argumento, após a morte de Charlier, em 1989, enquanto Moebius, emprestava o seu talento a filmes como “Alien”, “Tron”, “O Abismo” e “O Quinto Elemento”, entre outros, ao mesmo tempo que prosseguiam as tentativas de levar as suas histórias ao cinema, sem grande sucesso, ou com resultados que ficavam muito aquém das potencialidades das suas BDs. Para além do cinema, também a publicidade recorria com frequência ao seu talento e a série Le Monde d’Edena tem como ponto de partida um álbum publicitário feito para a Citroen.
Embora tenha trocado durante algum tempo a França, pelo Tahiti (onde viveu no meio de uma seita) e por Los Angeles (onde colaborou com Stan Lee numa história do Surfista Prateado), as viagens de Giraud eram mais interiores e era através do desenho que se evadia para sítios como o Deserto B, espaço mítico em eterna mutação, que evoca o México que tanto o marcou na adolescência.
Apesar já estar doente há alguns anos (o que o impediu de colaborar com Neil Gaiman no livro “Endless Nights”, da série Sandman) Giraud manteve-se sempre activo e criativo, recuperando algumas das suas criações mais emblemáticas, como Arzach e o Major Fatal em novas aventuras, mas também na divertida série autobiográfica, “Inside Moebius”.
Entre o final de 2010 e inícios de 2011, a Fundação Cartier dedicou-lhe uma magnífica exposição, de que dei nota neste blog, ao mesmo tempo que a editora que ajudou a fundar, “Les Humanoides Associés”, tem vindo a reeditar de forma sistemática os seus trabalhos publicados na revista “Metal Hurlant”. Ou seja, Moebius não morreu esquecido, como o prova a primeira página do jornal Liberation que lhe é dedicada, com uma ilustração de Bilal que abre este post, e é muito provável que outros prossigam as suas séries após a sua morte. Mas esses aspectos materiais pouco interessarão a Jean Giraud, que sempre privilegiou a dimensão espiritual. Liberto do seu corpo doente, Giraud pode concretizar o seu sonho recorrente e voar livre nos céus do Deserto B.
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 16/03/2012
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