domingo, 29 de abril de 2012

Avengers chegam ao cinema

O sonho húmido de muitos fãs da Marvel concretizou-se finalmente esta semana, graças à chegada às salas de cinema do filme “The Avengers”, que reúne no mesmo ecrã alguns dos mais populares super-heróis da Marvel, como o Thor, Homem de Ferro, Hulk, Capitão América, Gavião Arqueiro e Viúva Negra, juntos numa super-equipa chefiada por Nick Fury.
Desde que a Marvel criou o seu próprio Estúdio e assumiu a produção das adaptações cinematográficas dos seus heróis, que este filme dos Vingadores (nome pelo qual os Avengers são conhecidos em Portugal) estava previsto e a contratação de Samuel L. Jackson para interpretar o papel de Nick Fury, o director da Shield, com as suas aparições no final dos filmes do Homem de Ferro e do Thor e do Capitão América, deu desde logo a entender ao espectador que todos estes filmes decorriam no mesmo universo e que a reunião de todos esses super-heróis num mesmo filme, era só uma questão de tempo.
Um tempo que chega agora ao fim, com Joss Whedon no ingrato papel do realizador encarregue de satisfazer as elevadas expectativas dos fãs. Whedon, que é mais conhecido como criador da série televisiva “Buffy Vampire Slayer”, conhece bem os heróis da Marvel, tendo tido uma passagem brilhante pela série “Astonishing X-Men” como argumentista, que foi editada em Portugal pela BDMania, pelo que foi uma escolha inteligente por parte do estúdio. Não tendo uma tarefa fácil, e sem conseguir fugir à estrutura habitual destas sagas com muitos personagens, em que eles primeiro discutem e lutam entre si, antes de se aliarem contra uma ameaça comum (neste caso, uma invasão extraterrestre liderada pelo maléfico Loki, o meio-irmão de Thor), Whedon constrói um filme muito bem feito, relativamente equilibrado, cheio de acção e com muito humor, sendo os divertidos e certeiros diálogos, um dos aspectos mais conseguidos. Definido pelo próprio Whedon como um filme de guerra, “The Avengers” não poupa na destruição e nos efeitos especiais, em bem conseguidas cenas de acção, que podem ser vistas em 2D, ou 3D, conforme os cinemas.
Com a excepção de Bruce Banner/Hulk, interpretado desta vez por Mark Ruffalo, todos os outros actores regressam a personagens que já tinham desempenhado, com a curiosa excepção de Cobie Smulders (a Robin da série televisiva “Foi assim que Aconteceu”), que interpreta Maria Hill, uma agente da SHIELD, pelo que o tempo necessário para definir as personagens, (cujas características e motivações o espectador já conhece) acaba por ser utilizado sobretudo nas cenas de acção. E é isso mesmo que “The Avengers” é. Um grande filme de acção, divertido e com cenas espectaculares, mas pouco mais, sobretudo quando comparado com os Batmans de Cristopher Nolan. O que, não sendo muito, será mais do que suficiente para a maioria dos fãs da Marvel. (“The Avengers: Os Vingadores”, de Joss Whedon, com Robert Downey Jr., Chris Evans, Samuel L. Jackson e Mark Ruffalo, Marvel Studios, 2012. Em exibição em Coimbra nos cinemas Zon /Lusomundo Dolce Vita e Fórum Coimbra) Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 27/04/2012

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A propósito do 25 de Abril

Mesmo que os tempos actuais nos façam pensar se valeu a pena ter feito a revoluçõ, a verdade é que continua a ser feríado. Um feríado que deve ser lembrado e comemorado. E, no que à Banda Desenhada diz respeito, a data é evocada através de várias iniciativas. Primeiro temos a reedição, numa versão colorida e actualizada, de O País dos Cágados, de Artur Correia e António Gomes de Almeida, uma divertida vocação, em tom de fábula, da história política de Portugal, desde o salazarismo até à chegada da Troika. O livro, lançado na Feira do Livro de Lisboa, no proprio dia 25 de Abril, terá uma apresentação no Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, na Amadora, no próximo dia 15 de Maio. Mas antes disso, também no CNBDI, integrada nas habituais sessões Às quintas falamos de BD, que se realizam todas as últimas quintas-feiras de cada mês, vai decorrer uma sessão com o tema Abril na BD, em que eu e o João Paulo Paiva Boléo vamos falar sobre o 25 de Abril na Banda Desenhada, com especial destaque para dois títulos recentes, Salazar de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha e As Paredes têm Ouvidos, de Giorgio Fratinni. Estará igualmente presente o cantor Manuel Freire, também ele apreciador de Banda Desenhada, que com a sua música criar a banda sonora ideal para esta evocação do 25 de Abril na BD. Se estiverem pelas redondezas, apareçam a partir das 21h. Eu lá estarei!

sábado, 21 de abril de 2012

Persepolis finalmente em português

Devido às convulsões politicas e militares que costumam abalar aquela zona do globo, o Irão é uma presença habitual nos noticiários. Mas existe um outro Irão, que não o do fanatismo islâmico, que vai para além da imagem estereotipada transmitida pelos meios de comunicação. É esse outro Irão que Marjane Satapri nos dá a descobrir em “Persépolis”, a autobiografia em Banda Desenhada da única autora de BD iraniana. Numa altura em que sai finalmente em Portugal a edição integral deste clássico, numa edição da Contraponto, não podíamos deixar de falar aqui do livro e da sua autora. Nascida no irão em 1969, no seio de uma família de esquerda com grande peso no país (o bisavô foi o último Imperador da dinastia Qajar e o avô chegou a ser Primeiro Ministro), Marjane tinha dez anos quando se deu a revolução que levou ao exílio do Xá e à instauração de uma República Islâmica, tendo vivido por dentro um momento fulcral da história do seu país. Um momento que soube transpor para o papel com eficácia, sensibilidade e rigor, numa obra bem escrita e de leitura extremamente agradável, onde o humor consegue estar presente, apesar do dramatismo dos factos relatados.
A Banda Desenhada autobiográfica, género com grandes cultores de ambos os lados do atlântico, para além da capacidade do autor em nos fazer partilhar as suas vivências, vive muito do interesse dessas mesmas vivências. Ou seja, a BD autobiográfica é tanto mais interessante quanto mais cativante for a vida do seu autor. E, neste campo, Marjane Satrapi preenche amplamente ambos os requisitos: não só a sua experiência de vida é extremamente interessante, como ela a sabe contar com uma simplicidade plena de eficácia que prende completamente o leitor. Até porque, como confessou numa entrevista “tenho uma excelente memória, o meu cérebro não faz qualquer selecção. Lembro-me de tudo. O que é muito bom quando queremos trabalhar, mas é muito mau quando queremos viver”.
Actualmente a viver em França, Satrapi, que frequentou o Liceu Francês de Teerão até 1980, tem uma formação cultural muito próxima da esquerda europeia, com muitas referências comuns, de Che Guevara e Fidel Castro, até Marx (que ela, num dos momentos mais divertidos do livro, achava parecido com Deus, embora com o cabelo mais encaracolado...), o que resulta surpreendente para o leitor ocidental, que do Irão construiu uma imagem exótica e (pelos vistos) desajustada da realidade da alta burguesia iraniana. Também em termos de BD, as referências de Satrapi são europeias, especialmente de David B. e dos autores da editora francesa L’Association, o que é natural pois para além de não existir tradição de BD no Irão, a autora iraniana partilhou o atellier com Cristophe Blain (o autor de “Isac, o Pirata”, cuja namorada da altura era a melhor amiga de Marjane), Emmanuel Guibert, Joann Sfar e o próprio David B., que a encorajou a passar a sua vivência ao papel e assina a introdução do primeiro volume. Muito longe de ter o virtuosismo de David B., um mestre do preto e branco, Satrapi defende-se ainda assim bastante bem, graças a um grafismo muito depurado e quase “naif”, mas de grande eficácia narrativa, servido por um preto e branco contrastado que guia a atenção do leitor para o que é essencial.
Publicado o primeiro volume em final de 2000, a série conheceu um imediato sucesso comercial e crítico, traduzido em dois prémios em Angoulême e na edição em diversos países, incluindo os Estados Unidos, onde o seu trabalho foi comparado ao “Maus” de Art Spiegelman, uma das referências assumidas desta obra de Satrapi. Da edição original em 4 volumes, apenas o 1º foi publicado em Portugal (e numa edição bastante pobre) pelas edições Polvo, em 2004 e nem o sucesso global do filme de animação de 2007, corealizado pela própria Satrapi e que, curiosamente acaba de chegar esta semana às bancas com o jornal Público, incentivou a Polvo a prosseguir com a edição… Felizmente, a Contraponto veio suprir esta lacuna grave, publicando num único volume a saga autobiográfica de Satrapi, numa cuidada edição, que segue a edição integral americana. E a verdade é que, apesar da crise e da retracção do mercado editorial nacional, isso não impediu que nos últimos seis meses, dois títulos fundamentais como “Blankets” e “Persepolis”, tenham finalmente edição nacional. (“Persépolis”, de Marjane Satrapi, Contraponto, 352 pags,19,90 €) Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 20/04/2012

sábado, 14 de abril de 2012

Thorgal regressa com o jornal Público

Uma das mais populares séries de aventuras da moderna BD franco-belga, a série “Thorgal” está de regresso a Portugal, onde têm tido uma divulgação errática e pouco condizente com o extraordinário sucesso da série em França. Uma lacuna que esta coleção da Asa lançada com o jornal “Público”, procura corrigir, editando de uma penada 16 álbuns com aventuras de Thorgal Aegirsson, o Viking que veio das Estrelas.
Fruto da colaboração entre o belga Jean Van Hamme e o polaco Grzegorz Rosinski, esta série, em que se cruzam a BD histórica e a “Heroic Fantasy” com a ficção científica, nasceu em 1977 nas páginas do Tintin belga e, 33 álbuns e 2 séries paralelas depois, prossegue a sua publicação com um sucesso sempre crescente.

Nascido na Polónia em 1941 e tendo passado pela Academia de Belas Artes de Varsóvia, Rosinski cedo decidiu trocar a sua actividade de pintor e ilustrador pela banda desenhada, mas seria na sequência de uma visita a Bruxelas em 1976, que a sua vida iria verdadeiramente mudar, depois de conhecer o argumentista Jean Van Hamme. Mas deixemos que seja o próprio Van Hamme a contar como tudo começou: « Vi chegar esse tipo que não falava uma palavra de francês e decidi testá-lo: peguei em 2 páginas de um argumento da série “Michael Logan” e pedi-lhe que as ilustrasse para o dia seguinte de manhã. O que ele fez não era muito conseguido tecnicamente, mas mostrava garra. Percebi que se orientasse o seu trabalho, ensinando-o a enquadrar melhor os personagens, este tipo tinha condições para ir longe. Como trabalhava regularmente para as Editions du Lombard, peguei em Rosinski pelo pescoço e fomos ver A. P. Duchateau, na altura redactor-chefe da revista Tintin, com quem eu tinha boas relações.
O problema é que Rosinski não queria desenhar coisas modernas, pois não gostava, nem tinha documentação suficiente. Como ele era eslavo e eu sempre fui sensível àquilo a que se costuma chamar cultura germânica, propus-lhe uma aventura com vikings, vista numa perspectiva mitológica». Assim nascia Thorgal Aegirson, o filho das estrelas obrigado a partilhar o seu destino com uma tribo de guerreiros vikings, e que apenas queria ser feliz com a sua mulher, Aaricia, mas a quem o destino nunca dá tréguas, envolvendo-o nas mais complicadas intrigas e em mil perigos.
Outro aspecto interessante da série, é o facto das personagens envelhecerem, um pouco à semelhança do que acontece com o Príncipe Valente, de Hal Foster, com os filhos de Thorgal a irem gradualmente assumindo um maior protagonismo, à medida que vão crescendo.
O talento gráfico de Rosinski, cujo estilo evolui de forma notável do 1º para o 2º álbum, aliado ao apurado sentido dramático de Van Hamme e à sua habilidade para misturar os mais variados ingredientes numa receita de sucesso, cedo fizeram da série um best-seller. A Portugal, Thorgal chegaria em 1980, a cores nas páginas da revista Tintin e, quase em simultâneo, a preto e branco no “Mundo de Aventuras”, que publicaria os cinco primeiros álbuns da série e “O Drakkar Perdido”, uma história curta sobre a infância do herói, onde era explicada a sua origem extra-terrestre, em que o grande formato e a impressão a preto e branco permitiam apreciar melhor o excelente desenho de Rosinski, um mestre do desenho realista. E se o fim da revista implicou o fim da série em português, também em álbum o herói de Rosinski e Van Hamme não teve melhor sorte, vendo a sua carreira sucessivamente afectada pela difícil situação, primeiro da Bertrand e depois da Editorial Futura.
Depois de uma passagem pela revista “Selecções BD”, que publicou um par de histórias curtas, chegou a vez da Asa pegar na série em 2002, mas de forma pouco convicta, limitando-se a publicar 4 álbuns ao longo de quase 12 anos, para finalmente recuperar o tempo perdido com esta colecção. Uma colecção que se inicia com “Aaricia”, o 14ª álbum da série que, tal como acontecia em relação a Thorgal no álbum “L’Enfant des Étoiles”, desvenda em histórias curtas (duas das quais já tinham sido publicadas na revista “Selecções BD”), alguns aspectos obscuros da infância de Aaricia, a companheira de Thorgal. Um bom ponto de partida para uma coleção a seguir com atenção e que prossegue com “O Senhor das Montanhas”, um dos melhores títulos da série, em que Van Hamme joga com argúcia e eficácia com os paradoxos das viagens no tempo.
Só é pena que, tal como aconteceu com a coleção dedicada ao Tenente Blueberry, de Giraud e Charlier, esta coleção deixe de fora quase metade dos álbuns da série assinados pelos seus criadores originais (a partir do volume 30, o argumento da série passa a ser a assegurado por Yves Sente e as histórias centram-se mais em Jolan, o filho de Thorgal), muitos deles nunca publicados em Portugal. Resta esperar que o desejado sucesso desta coleção incentive a Asa a publicar os títulos que faltam, começando pelos três volumes do ciclo do País Qâ que ainda estão por publicar...
(“Thorgal 2: O Senhor das Montanhas”, de Rosinski e Van Hamme, Edições Asa/Público, 48 pags, 7,90 €. Todas as semanas em distribuição conjunta com o jornal "Público", entre 4 de Abril e 18 de Julho de 2011)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 13/04/2012
PS - Para meter inveja aos leitores deste blog, aqui fica um autógrafo que o Rosinski me desenhou, no Salão de Barcelona, em 2000.

sábado, 7 de abril de 2012

O Homem ilustrado: Ray Bradbury em Banda Desenhada

Um dos mais célebres escritores de ficção científica de sempre, o norte-americano Ray Bradbury é também um dos autores que mais tem visto os seus trabalhos transpostos para outros suportes, do cinema à Banda Desenhada. Quem não se lembra de Farnheit 451, o genial filme que François Truffaut realizou a partir do romance homónimo de Bradbury, exemplo maior de uma série de adaptações ao grande e ao pequeno ecrã. É verdade que a escrita eminentemente visual de Ray Bradbury, em que o terror e a ficção científica funcionam como eficazes metáforas da natureza humana, a isso se presta, mas acaba por ser também a consequência de um amor recíproco entre este autor e as histórias aos quadradinhos.
É o próprio Bradbury, que chegou a escrever o argumento para uma versão cinematográfica não concretizada do Little Nemo de Winsor McKay, a confessar o seu amor pelos comics nos seguintes termos: “Como posso negar a influência exercida sobre a minha vida pelos autores de comics e os seus trabalhos? É uma longa história de amor que começou tinha eu 3 anos de idade e nunca mais terminou, influenciando a minha vida, a minha imaginação e a minha escrita.
Sem Buck Rogers, descoberto quando tinha nove anos, nunca teria desejado voar para o futuro com tanta intensidade. Sem as tiras coloridas de Tarzan que eram publicadas todos os domingos, nunca teria lido com tal entusiasmo as obras de Edgar Rice Burroughs sobre a viagem de John Carter a Marte, que inspiraram, aos doze anos de idade, o meu primeiro romance.” (…) “Coleccionei o Prince Valiant durante mais de 30 anos e escrevi autênticas cartas de amor a Harold Foster, o seu criador, chamando-lhe o maior desenhador de comics que conheci em toda a minha vida. Como recompensa, Foster mandou-me dois gigantescos originais das páginas dominicais do Principe Valiant, que levarei comigo para o túmulo”.
Se Bradbury sempre foi um leitor assumido e entusiasta de BD, esta só começaria a utilizar os seus contos como fonte de inspiração, na década de 50, graças à editora EC Comics, célebre pelos seus comics de terror e de ficção científica, ilustrados pelos melhores desenhadores americanos da época, como Jack Davis, Bernard Krigsteen, Graham Ingels, Wallace Wood e Al Williamson. Um dos primeiros exemplos foi Home to Stay, uma história desenhada por Wally Wood e publicada no nº 13 da revista Weird Fantasy, adaptando Kaleidoscope e The Rocket Man, dois contos incluídos no livro de Bradbury, The Illustrated Man. E foi o próprio Ray Bradbury que telefonou a William Gaines, o editor da EC Comics para lhe dizer que a história da EC era melhor que os seus contos originais que lhe tinham servido de base, “embora não tão boa que não tivessemos que lhe pagar direitos de autor”, acrescenta Gaines.
A partir daí, com a benção do próprio Bradbury, sucedem-se as adaptações dos contos originais, desenhadas pelos melhores autores da EC, que assinam aqui alguns dos seus melhores trabalhos para a editora, como no caso de Wood, com Mars is Heaven. Infelizmente, o trabalho incontornável da EC Comics nunca teve a devida divulgação em Portugal e as adaptações que os seus desenhadores fizeram de Ray Bradbury não são excepção. Por isso, é ainda mais digno de atenção O Papa Defuntos, um álbum da Editora brasileira L& PM, distribuido em Portugal na década de 90, em que Jack Davis, Graham Ingels, Wally Wood, Bernie Krigstein e Jack Kamen adaptam contos de Bradbury.
Bem mais recentes, do início dos anos 90, são as Ray Bradbury Chronicles, uma série de adaptações publicadas nos EUA pela editora Topps e que resultam da iniciativa do editor Byron Preiss que conseguiu reunir um vasto leque de autores contemporâneos, dos dois lados do Atlântico, que nos dão a sua visão das histórias de Bradbury. Embora desigual, como todas as antologias, esta antologia reuniu a nata da BD americana (de Mike Mignola a P. Craig Russel, de Kent Williams a Richard Corben, de Timothy Truman a Dave Gibbons) a que se juntam os espanhois Vicente Segrelles, desenhador de O Mercenário, Toni Garcés e Daniel Torres, o criador de Roco Vargas, série de ficção científica “retro” parcialmente publicada em Portugal pela Meribérica.
Cinco dessas adaptações foram publicadas em Portugal, entre 1999 e 2001, na 2ª série da revista Selecções BD, coordenada por Jorge Magalhães. Nessas adaptações, assinadas por Vicente Segrelles, Dave Gibbons, Toni Garcês, Daniel Torres e Marc Chiarello, que os leitores portugueses puderam descobrir nas Selecções BD, há duas verdadeiras pérolas: Vem à minha Cave, um conto sobre uma discreta e silenciosa invasão extraterrestre, ilustrado por Dave Gibbons, o desenhador de Watchmen, que com o seu traço clássico e planificação cerrada, traduz de forma admirável o clima de grande “suspense” da história e Encontro Nocturno, o conto das Crónicas Marcianas adaptado por Daniel Torres. Uma bela história sobre dois personagens de diferentes eras, que ocasionalmente se cruzam numa estrada, que Bradbury considera como uma das suas histórias favoritas e que Daniel Torres trata com grande delicadeza e beleza, graças a um traço de grande elegância, valorizado por umas cores etéreas, perfeitamente adequadas a uma história em que espaço e tempo se confundem.
Mas, para além de todos os nomes que Byron Preiss conseguiu reunir neste projecto, outros desenhadores de nomeada tiveram oportunidade de dar uma correspondência visual às palavras de Ray Bradbury, como foi o caso de Moebius e de William Stout, com as suas ilustrações para a colectânea Dinosaur Tales, que reunia os melhores contos sobre dinossauros escritos pelo autor americano, incluindo o célebre A Sound of Thunder, já adaptado para a BD por All Williamson e por Richard Corben, em duas versões bem díspares, mas igualmente conseguidas, sobretudo quando comparadas com a patética adaptação cinematográfica realizada por Peter Hyams em 2005.
Também o português José Carlos Fernandes transpôs para a BD os contos de Ray Bradbury. Antes de se sentir com capacidades para escrever as suas próprias histórias, Fernandes “treinou a mão” adaptando contos de Gabriel Garcia Marquez e de Ray Bradbury. E se a adaptação de O Dragão, se revela bastante incipiente quando comparada com a versão de Segrelles, este tipo de trabalho revelou-se uma notável escola de aprendizagem, conforme o próprio Fernandes admite, e outras adaptações posteriores, como O Dia em que Choveu para Sempre, podem perfeitamente ombrear com os trabalhos recolhidos por Byron Preiss, em termos narrativos e de planificação.
Mas as adaptações dos textos de Bradbury à BD não param. Para além das ilustrações que Dave McKean, que já tinha desenhado uma das capas de Ray Bradbury Comics da Topps, fez para The Homecoming, também Fahrenheit 451 foi adaptado à BD por Tim Hamilton, numa muito conseguida adaptação, que não foi a única recente, pois em Julho de 2011, saíram mais duas adaptações, de Something Wicked this Way Comes, desenhada por Ron Winberly e de The Martian Chronicles, ilustrada por Dennis Calero.
Tal como o autor, que aos 91 anos de idade, mantém um invejável dinamismo, também a obra de Ray Bradbury se mantém bem viva. Nos contos e romances que escreveu, ou nas Bandas Desenhadas que os adaptam.
Texto originalmente publicado na revista Bang! nº 12, de Março de 2012

Este texto é dedicado ao Jorge Magalhães, que pela primeira vez me convidou a escrever sobre Ray Bradbury.
Martian Chronicles - Bradbury e Dennis Calero
The City - Bradbury e Mignola
Something Wicked... - Bradbury e Winberly
Night Meeting - Bradbury e Torres
Fahrenheit 451 - Bradbury e Hamilton