Uma das mais populares séries de aventuras da moderna BD franco-belga, a série “Thorgal” está de regresso a Portugal, onde têm tido uma divulgação errática e pouco condizente com o extraordinário sucesso da série em França. Uma lacuna que esta coleção da Asa lançada com o jornal “Público”, procura corrigir, editando de uma penada 16 álbuns com aventuras de Thorgal Aegirsson, o Viking que veio das Estrelas.
Fruto da colaboração entre o belga Jean Van Hamme e o polaco Grzegorz Rosinski, esta série, em que se cruzam a BD histórica e a “Heroic Fantasy” com a ficção científica, nasceu em 1977 nas páginas do Tintin belga e, 33 álbuns e 2 séries paralelas depois, prossegue a sua publicação com um sucesso sempre crescente.
Nascido na Polónia em 1941 e tendo passado pela Academia de Belas Artes de Varsóvia, Rosinski cedo decidiu trocar a sua actividade de pintor e ilustrador pela banda desenhada, mas seria na sequência de uma visita a Bruxelas em 1976, que a sua vida iria verdadeiramente mudar, depois de conhecer o argumentista Jean Van Hamme. Mas deixemos que seja o próprio Van Hamme a contar como tudo começou: « Vi chegar esse tipo que não falava uma palavra de francês e decidi testá-lo: peguei em 2 páginas de um argumento da série “Michael Logan” e pedi-lhe que as ilustrasse para o dia seguinte de manhã. O que ele fez não era muito conseguido tecnicamente, mas mostrava garra. Percebi que se orientasse o seu trabalho, ensinando-o a enquadrar melhor os personagens, este tipo tinha condições para ir longe. Como trabalhava regularmente para as Editions du Lombard, peguei em Rosinski pelo pescoço e fomos ver A. P. Duchateau, na altura redactor-chefe da revista Tintin, com quem eu tinha boas relações.
O problema é que Rosinski não queria desenhar coisas modernas, pois não gostava, nem tinha documentação suficiente. Como ele era eslavo e eu sempre fui sensível àquilo a que se costuma chamar cultura germânica, propus-lhe uma aventura com vikings, vista numa perspectiva mitológica». Assim nascia Thorgal Aegirson, o filho das estrelas obrigado a partilhar o seu destino com uma tribo de guerreiros vikings, e que apenas queria ser feliz com a sua mulher, Aaricia, mas a quem o destino nunca dá tréguas, envolvendo-o nas mais complicadas intrigas e em mil perigos.
Outro aspecto interessante da série, é o facto das personagens envelhecerem, um pouco à semelhança do que acontece com o Príncipe Valente, de Hal Foster, com os filhos de Thorgal a irem gradualmente assumindo um maior protagonismo, à medida que vão crescendo.
O talento gráfico de Rosinski, cujo estilo evolui de forma notável do 1º para o 2º álbum, aliado ao apurado sentido dramático de Van Hamme e à sua habilidade para misturar os mais variados ingredientes numa receita de sucesso, cedo fizeram da série um best-seller. A Portugal, Thorgal chegaria em 1980, a cores nas páginas da revista Tintin e, quase em simultâneo, a preto e branco no “Mundo de Aventuras”, que publicaria os cinco primeiros álbuns da série e “O Drakkar Perdido”, uma história curta sobre a infância do herói, onde era explicada a sua origem extra-terrestre, em que o grande formato e a impressão a preto e branco permitiam apreciar melhor o excelente desenho de Rosinski, um mestre do desenho realista. E se o fim da revista implicou o fim da série em português, também em álbum o herói de Rosinski e Van Hamme não teve melhor sorte, vendo a sua carreira sucessivamente afectada pela difícil situação, primeiro da Bertrand e depois da Editorial Futura.
Depois de uma passagem pela revista “Selecções BD”, que publicou um par de histórias curtas, chegou a vez da Asa pegar na série em 2002, mas de forma pouco convicta, limitando-se a publicar 4 álbuns ao longo de quase 12 anos, para finalmente recuperar o tempo perdido com esta colecção. Uma colecção que se inicia com “Aaricia”, o 14ª álbum da série que, tal como acontecia em relação a Thorgal no álbum “L’Enfant des Étoiles”, desvenda em histórias curtas (duas das quais já tinham sido publicadas na revista “Selecções BD”), alguns aspectos obscuros da infância de Aaricia, a companheira de Thorgal. Um bom ponto de partida para uma coleção a seguir com atenção e que prossegue com “O Senhor das Montanhas”, um dos melhores títulos da série, em que Van Hamme joga com argúcia e eficácia com os paradoxos das viagens no tempo.
Só é pena que, tal como aconteceu com a coleção dedicada ao Tenente Blueberry, de Giraud e Charlier, esta coleção deixe de fora quase metade dos álbuns da série assinados pelos seus criadores originais (a partir do volume 30, o argumento da série passa a ser a assegurado por Yves Sente e as histórias centram-se mais em Jolan, o filho de Thorgal), muitos deles nunca publicados em Portugal. Resta esperar que o desejado sucesso desta coleção incentive a Asa a publicar os títulos que faltam, começando pelos três volumes do ciclo do País Qâ que ainda estão por publicar...
(“Thorgal 2: O Senhor das Montanhas”, de Rosinski e Van Hamme, Edições Asa/Público, 48 pags, 7,90 €. Todas as semanas em distribuição conjunta com o jornal "Público", entre 4 de Abril e 18 de Julho de 2011)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 13/04/2012
PS - Para meter inveja aos leitores deste blog, aqui fica um autógrafo que o Rosinski me desenhou, no Salão de Barcelona, em 2000.
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