segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Regresso de Bouncer


Cinco longos anos após a publicação do 4º volume, eis que a Asa lança finalmente em português “O Fascínio das Lobas”, o 5º volume da série “Bouncer”, sossegando todos aqueles que já pensavam que esta era mais uma daquelas séries que a editora do Grupo Leya tinha deixado ficar pelo caminho.
Primeira incursão conjunta de Boucq e Jodorowsky pelo Oeste selvagem, depois da saga mística de “Face de Lua”, “Bouncer é apresentado como um western clássico, pelo próprio Jodorowsky (que já abordou o género num filme muito pouco convencional, “El Topo”). Mas, se o compararmos com outros westerns da BD europeia, como “Blueberry, ou “Comanche”, “Bouncer” apenas pode ser considerado “clássico” em termos da obra de Jodorowsky, pois embora os elementos fantásticos sejam relativamente discretos, as obsessões habituais na obra do argumentista do Incal, como as mutilações, a família e a religião, estão bem presentes nesta série extremamente violenta e povoada de personagens bizarras.
Mas, apesar de Jodorowsky assinar aqui um dos seus argumentos mais conseguidos, o melhor de “Bouncer” é mesmo o desenho de Boucq, verdadeiramente sumptuoso no tratamento dos cenários míticos do Monument Valley. Notável desenhador e narrador, Boucq cria aqui um fabuloso western de papel, filmado em “cinemascope”, com as vinhetas sobre o comprido a substituírem com vantagem o ecrã de 70 milímetros.
Saga que prova que Jodorowsky é capaz de conciliar o seu universo pessoal com os cânones do Western, numa história que Boucq desenha com notável virtuosismo, “Bouncer prossegue as suas aventuras com este “O Fascínio das Lobas” álbum que conclui a história iniciada em “A Vingança da Serpente”. Apesar de personagens carismáticas como os assassinos mexicanos, Jeovah, Angel e Christian Villalobos, os três anjos da morte, são as mulheres que dominam esta história, o que é evidente logo na capa do livro. Mulheres tão diferentes como a submissa Yin Li, a impiedosa Mara Mars e Antoine Grant, a mulher com nome de homem que vem substituir o Bouncer como carrasco de Barro-City e com quem o pistoleiro maneta se vai envolver.
Ainda que Jodorowsky resolva de forma algo preguiçosa, com a última confissão de um moribundo, a intriga policial que andou a construir nos últimos dois álbuns, os elementos surreais e a dimensão shakespereana que fazem de “Bouncer” um Western diferente dos outros, estão lá todos. Tal como está o traço virtuoso de Boucq, o único desenhador europeu capaz de fazer sombra a Moebius.
Numa altura em que a série já tem 7 volumes publicados em França, esperemos que a Asa não nos faça aguardar tanto tempo pelo próximo volume…
(“Bouncer 5: O Fascínio das Lobas”, de Boucq e Jodorowsky, Edições Asa, 64 pags, 14,10 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 24/7/2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Banda Desenhada no Festival das Artes


Tem início hoje a 2ª edição do Festival das Artes de Coimbra, iniciativa promovida pela Fundação Inês de Castro, que tem como palco principal, o magnífico espaço da Quinta das Lágrimas. Para além da música, do teatro, do cinema, da literatura e das artes plásticas, a programação deste ano, também tem espaço para a Banda Desenhada. Assim, no dia 17, pelas 18h15m, inaugura (se tudo correr bem...) no coro alto do Mosteiro de Santa Clara a Velha, a exposição "Do Mar Profundo", com ilustrações de Miguelanxo Prado para o filme "De Profundis", que também estará em exibição contínua no Mosteiro durante o tempo que durar a exposição (entre 17 de Julho e 1 de Agosto).
Além disso, no dia 23 de Julho, pelas 22h30m, na Sala Àqua do Hotel da Quinta das Lágrimas, este vosso criado vai dar uma conferência com o título "Desenhar a Água", uma viagem pelos mares de tinta de Hugo Pratt, François Bourgeon e Miguelanxo Prado, onde vou analisar a forma como a água (e em especial, o mar), está presente na obra destes três grandes nomes da Banda Desenhada europeia. Apareçam!
Festival das Artes. Quinta das Lágrimas, Coimbra, de 16 de Julho a 1 de Agosto 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O regresso de Gaston Lagaffe


Depois de “Alix”, as edições Asa e o jornal Público recuperam outro personagem clássico da BD franco-belga, numa nova colecção a distribuir com o jornal. Desta vez, o escolhido foi Gaston Lagaffe, do genial André Franquin.
Criado em 1957, Gaston resultou de uma proposta, feita por Franquin a Yvan Delporte, então director da revista Spirou, de criar uma personagem “sem emprego, nem qualidades” que, ao fim de algum tempo a vaguear pela revista sem ter nada para fazer, se torna empregado de escritório e moço de recados na Editora Dupuis, onde é colega de Fantasio. Um emprego que não o impediu de prosseguir com aquilo que melhor sabe fazer, ou seja, nada! Lagaffe destaca-se do resto dos funcionários da editora em que trabalha pela sua grande capacidade inventiva, enorme preguiça e extraordinária aptidão para provocar confusões e fazer estragos com um mínimo de esforço, embora nunca de forma propositada. Peculiares características que lhe garantiram o sucesso junto dos leitores, sucesso esse que lhe assegurou a sua própria série, a partir de Dezembro de 1961.
Desde então, Franquin, que até 1968 contou com o apoio de Jidéhem na passagem a tinta e desenho dos cenários, escreveu e desenhou mais de 900 gags protagonizados por Gaston Lagaffe. Gags esses, que começaram por ser ilustrações soltas e que cedo evoluíram para a meia página e pouco depois a página inteira, com Gaston a conquistar rapidamente o seu espaço e a afirmar-se com um dos mais populares heróis da revista Spirou.
A popularidade de Gaston não se limitou ao mercado franco-belga, chegando também a Portugal, onde esse (anti) herói inactivo, depois da estreia na revista Foguetão em 1961, rebaptizado como Zacarias, e de algumas aparições nas páginas das duas séries da revista Spirou e do Jacaré, se tornou bem conhecido dos leitores portugueses graças às edições em álbum da Editora Arcádia, em inícios dos anos 80 e, um pouco mais tarde, da Meribérica, editora que nas décadas seguintes disponibilizou em álbum a quase totalidade das trapalhadas de Gaston, embora, com a excepção deste 1º volume, que foi o último que a Meribérica editou, com uma organização completamente diferente da seguida nesta edição da Asa com o jornal Público, que segue a mais recente edição francesa. As primeiras histórias recolhidas neste volume, apresentam a personagem e enquadram-na no seu pequeno mundo – o local de trabalho, a revista Spirou, e mais tarde o círculo dos seus amigos. A relação com Fantásio e com o seu emprego domina a maioria das histórias, tendo Franquin realçado a irascibilidade, perfeccionismo e mesmo alguma pomposidade de Fantásio, para melhor contrastar o carácter inanimado (e humano) de Gaston. A falta de sorte ou de jeito tem normalmente um desfecho violento ou infeliz para Fantásio, que se vai resignando à amizade com Gaston, nunca desistindo, contudo, de o tentar corrigir.
A colecção, de 18 títulos, começou a ser distribuída esta quarta-feira, com o primeiro volume a um preço especial de 2,50 €, ficando os restantes a 6,40 €, preço perfeitamente aceitável para um álbum de 48 páginas em capa dura.
(“Gaston”, de Franquin, Edições Asa/Público, 48 pags, 6,40 €. Todas as semanas em distribuição conjunta com o jornal "Público", entre 7 de Julho a 10 de Novembro de 2010)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 10/07/2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

Astroboy em português!


Aproveitando a chegada aos cinemas nacionais da mais recente adaptação ao cinema de animação de “Astro Boy”, o pequeno robot criado pelo mestre da BD Japonesa, Osamu Tezuka, a Asa acaba de lançar em português a série “Astro Boy”. Esse lançamento é feito através de uma colecção em 3 volumes, distribuídos a um ritmo mensal, que recolhe alguns dos melhores episódios da série, proporcionando aos leitores nacionais uma pequena amostra do imenso talento do mais importante nome da BD japonesa, que em pouco mais de 40 anos de carreira, produziu mais de 150 000 páginas de BD e realizou mais de 60 filmes de animação.
Admirador confesso de Walt Disney, Tezuka estreia-se na BD em 1947, com “A Nova Ilha do Tesouro”, o 1º título de uma vastíssima obra que iria revolucionar claramente os “mangá” (nome pelo qual é conhecida a BD no Japão), tanto em termos estéticos como narrativos. Num Japão devastado pela guerra, as histórias de evasão e aventura fantástica e ficção científica, de que “Astroboy” é um dos exemplos mais populares, criadas por Tezuka, conquistaram facilmente um público em busca de emoção e divertimento, para além de criarem as bases do mangá tal como o conhecemos.
Para além de um estilo caricatural, em que é visível a influência dos artistas da Disney, de grande dinâmica e de grande legibilidade (portanto fácil de reproduzir em mau papel e de transpor para animação), que o aproxima da “linha clara” de Hergé, o traço de Tezuka tem como principal característica um grande detalhe e realismo no tratamento dos cenários, em oposição à estilização dos rostos (outro ponto em comum com o trabalho de Hergé) onde pontificam uns olhos enormes e muito abertos que, para a maioria do público ocidental são vistos como um sinal identificador do mangá. Outra característica inovadora da obra de Tezuka, e que se irá institucionalizar a partir dele, é a diferente forma de representar o movimento, com os personagens a aparecerem de forma nítida sobre um fundo representado por raios concêntricos (ao contrário do que sucede na BD ocidental em que os objectos em movimento aparecem desfocados contra um fundo nítido), o que para além de facilitar bastante o trabalho dos desenhadores (que assim escusam de desenhar os pormenorizados cenários) é facilmente apreendido pelo leitor.
A partir também da obra (monumental e incontornável) de Osamu Tezuka nasceu e floresce a actual indústria dos “mangá” e também da “anime”, pois, ao criar em 1961, a empresa de produção Mushi Productions, que se vai ocupar da adaptação à animação televisiva de algumas séries da sua autoria, Tezuka vai dar uma primeiro passo no sentido da ligação quase umbilical actualmente existente entre “manga” e “anime” (o cinema de animação japonês), que faz com que qualquer manga de sucesso seja automaticamente transposto para a animação, o que naturalmente, aconteceu também (já por diversas vezes) com “Astroboy.
Astroboy é um pequeno robot de aspecto humano, construído por um cientista louco, o Dr Temna, à imagem e semelhança do seu filho que tinha morrido num acidente, que vai ser abandonado pelo seu criador e vendido como escravo para um circo, até que outro cientista, o Doutor Ochanomizu, se apercebe das suas enormes possibilidades e o resgata, dando-lhe as condições para se tornar um dos robots mais poderosos da Terra. Criado em 1951, “Astroboy” cedo se tornou extremamente popular tanto no Japão como nos Estados Unidos, onde chegou através da série de animação dos Estúdios Mushi produzida nos anos 60. Aliás, o nome Astroboy foi-lhe dado pelos americanos, pois a designação original da série é "Tetsuwan Atom", o que significa "O Poderoso Átomo" e a popularidade da série nos EUA é atestada pela homenagem feita por Frank Miller e Geoff Darrow na série "The Big Guy e Rusty, the Boy Robot".
Desde então, Astro Boy tem sido alvo de inúmeras edições e reedições, o que é visível na introdução feita por Tezuka ao longo da própria história, que contextualiza a série para uma nova geração de leitores, dirigindo-se directamente a esses leitores, em mais uma prova do carácter inovador de uma série clássica, mas que envelheceu muito bem.
Parabéns à Asa pela escolha de Astroboy, que lhe permite estrear-se “a sério” (títulos anteriores, como a série “Warcraft”, embora adoptassem a estética “mangá”, não eram feitos por japoneses) na edição de mangá em Portugal, com uma bela edição que, além do mais, respeita o sentido de leitura original japonês.
(“Astro Boy” Vol 1, de Osamu Tezuka, Edições Asa, 224 pags, 8,00 €
“Astro Boy Vol 2, de Osamu Tezuka, Edições Asa, 208 pags, 8,00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 3/07/2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

El Eternauta, ou as muitas vidas de Juan Salvo


Se perguntarem a um Argentino qual a melhor Banda Desenhada de sempre publicada no seu país, é muito natural que El Eternauta seja referido. Alvo de inúmeras reedições (nem todas legais) e de várias continuações, o clássico de ficção científica escrito por H. G. Oesterheld e desenhado por Solano Lopez é a única obra de BD a integrar a colecção dos Clássicos da Literatura Argentina publicada pelo jornal EL CLARIN, o que diz bem da sua popularidade, importância e reconhecimento institucional.
Publicada ao longo de dois anos na revista HORA CERO SEMANAL entre 1957 e 1959, El Eternauta é o relato da invasão da cidade de Buenos Aires por forças extraterrestres, relato que é feito por um dos sobreviventes, Juan Salvo, ao próprio Oesterheld, que, num exercício de meta ficção, aparece como personagem da sua própria história. Tudo começa com a queda de uma estranha neve fluorescente que mata ao contacto com a pele, neve essa que abre o caminho para uma invasão extraterrestre comandada pelos Ellos, seres que nunca veremos, e executada por tropas de assalto compostas por seres de outros planetas, como os Cascarudos, animais de grande porte parecidos com escaravelhos gigantes, e os Manos, semelhantes aos humanos, com a excepção das mãos com imensos dedos, povos conquistados pelos Ellos e usados como carne para canhão na invasão ao planeta Terra.
Depois de uma série de peripécias, em torno do combate desigual dos sobreviventes contra os invasores, Juan Salvo entra acidentalmente numa máquina dos invasores que o transporta para outras dimensões, para longe da sua família, transformando-o “num peregrino através dos séculos, um viajante na eternidade, um ETERNAUTA”.
Uma dessas muitas viagens pelo espaço e pelo tempo trá-lo finalmente de volta a Buenos Aires, em 1959, onde encontra Oesterheld a quem conta o que se irá passar anos depois (a acção da história decorre em 1963) para que este, através da Banda Desenhada, avise os leitores para o que está para acontecer.
Se as histórias de invasões extraterrestres não eram propriamente novidade, o que era novidade era que essa invasão tivesse como cenário a cidade de Buenos Aires, onde viviam a maioria dos leitores de HORA CERO, que reconheciam com facilidade os cenários desenhados com rigor fotográfico por Solano Lopez e se identificavam com Juan Salvo e os seus amigos, grupo heterogéneo na sua composição social que representava os vários extractos da sociedade argentina e que é o verdadeiro herói da história, como salienta Oesterheld: “O verdadeiro herói de El Eternauta é um herói colectivo, um grupo de homens. Isso reflecte, embora sem intenção prévia, as minhas convicções: o único herói válido é o herói “em grupo”, nunca o herói individual, o herói solitário”.
Para além da dimensão espectacular da aventura, e de algumas cenas fortíssimas, como a sequência inicial com a neve mortal, esta história de um grupo de indivíduos normais colocados numa situação excepcional, tem momentos de pura poesia, como é o caso da magnífica cena em que um dos Manos (seres pacíficos, obrigados a combater pelos Ellos, que lhes infiltraram uma “glândula de terror”, que liberta uma substância que os mata caso sintam medo) se despede da vida cantando uma estranha canção.
Anos mais tarde, em 1969, Oesterheld vai recuperar, agora com arte de Alberto Breccia, El Eternauta. Publicada agora na GENTE, uma revista semanal de informação, esta ficção apocalíptica protagonizada por um indivíduo que, tal como Sherlock Time e Mort Cinder, outros personagens criados por Oesterheld, não está sujeito às leis do tempo, podendo, ao atravessar um portal dimensiona1, aparecer num outro local ou época, não teve a aceitação que merecia e os autores esperavam.
Talvez devido às mudanças na própria história (nesta nova versão, em vez de uma invasão global, as grandes potências fazem um acordo com os invasores extraterrestres, entregando-lhes a América do Sul) algo perturbador para as consciências ociosas dos leitores da revista GENTE, ou ao grafismo de Breccia, a milhas do estilo mais convencional de Solano Lopez e um pouco abstracto para o gosto do público, que tem dificuldade em reconhecer a cidade de Buenos Aires nas colagens de Breccia, choveram as cartas de protesto e o editor decidiu acabar com a série, pedindo desculpas aos leitores. Isto permite perceber o final circular da história (a melhor maneira que Oesterheld encontrou de concluir rapidamente a narrativa) e o desequilíbrio dos capítulos finais, em que Oesterheld condensou em quatro ou cinco páginas, repletas de texto, uma acção inicialmente prevista para ocupar quinze ou vinte páginas.
De qualquer modo, e apesar deste final inglório, estamos perante um trabalho graficamente inovador, em que Breccia, aqui claramente seduzido pela arte contemporânea, visível nas inúmeras referências à "Op Art" e à "Pop Art", começava a utilizar a técnica da colagem, abrindo caminho para o que iria ser uma característica marcante da sua produção na década seguinte.
Conforme refere Oesterheld: “A versão de El Eternauta publicada na GENTE foi um fracasso. E fracassou porque não era para essa revista. Eu era outro, não podia escrever o mesmo. E Breccia, por seu lado, também era outro. Este Eternauta tinha as suas virtudes e também os seus defeitos. Por um lado, a mensagem literária, por outro, a mensagem gráfica. Quanto à mensagem literária, apercebi-me, muito mais tarde, que me tinham suprimido parágrafos inteiros. (…) Em relação à parte gráfica, o verdadeiro final foi quando chamaram o Breccia e lhe explicaram que havia um desfasamento com o que o público queria e lhe pediram que suavizasse a coisa. Avisaram-no mais duas ou três vezes, mas ele nunca fez caso. Não aceitou fazer modificações e então decidiram acabar com El Eternauta”.

Mas o Eternauta regressaria numa segunda aventura desenhada por Solano Lopéz, cuja publicação se iniciou em 1976, na revista SKORPIO. Escrita por Oesterheld então já na clandestinidade, devido à sua ligação activa ao movimento Montonero, a história terminou a sua publicação numa altura em que Oesterheld já tinha “desaparecido” às mãos da ditadura militar argentina e provavelmente já nem estaria vivo. Nesta história, passada num futuro próximo, Oesterheld não se limita a escutar as aventuras de Juan Salvo, o Eternauta, mas participa activamente nelas como membro da resistência. Ou seja, o personagem, tal como o seu criador, assume uma opção clara pela acção directa. Apesar do traço de Solano Lopéz mostrar uma grande evolução, o carácter marcadamente panfletário da história, faz com que esta continuação seja bastante menos interessante. Juan Salvo, em vez de um homem normal, preocupado em recuperar a sua família, surge aqui como um líder revolucionário implacável, disposto a tudo sacrificar à sua causa.
Uma mudança radical no comportamento do herói que Solano Lopéz não aceitou bem, pondo mesmo em causa que tivesse sido o próprio Oesterheld a escrever toda a história, mas que é coerente com a forma como a obra de Oesterheld reflecte as suas opções políticas e ideológicas. Conforme refere Carlos Trillo: “não é preciso ser um grande caçador de metáforas para associar os Ellos com os militares que tomaram o poder”. Impressão que o facto das três versões já referidas do Eternauta, terem sido publicadas na sequência de golpes de estado militares, só vem reforçar.
Houve ainda outras versões de El Eternauta publicadas sem Oesterheld e nem sempre desenhadas por Solano Lopéz, mas nenhuma delas ficará na história, para além de revelarem à evidência a força do personagem criado por Oesterheld. Personagem que foi alvo de diversas adaptações teatrais e até de uma Ópera Rock, para além de uma adaptação cinematográfica que está em produção e que, ao contrário do que chegou a ser anunciado, não vai ser realizado por Lucrécia Martel.

A comemoração dos 50 anos da publicação de El Eternauta, que coincidiram com os 30 anos do “desaparecimento” de Oesterheld, trouxeram de novo El Eternauta para a ribalta mediática, o que se traduziu em iniciativas como a exposição na Biblioteca Nacional Argentina e, mais importante, numa reedição condigna de El Eternauta, feita pela Editora Norma, que permite a uma nova geração descobrir a obra-prima de Oesterheld e Solano Lopéz.
Texto originalmente publicado no nº 25 do BD Jornal, em Maio de 2010.