Conforme prometido, aqui está a segunda parte da versão (muito) alargada do artigo que escrevi para o último número da revista Bang! a propósito do trigésimo aniversário de Dylan Dog. A primeira parte do artigo pode ser lida aqui e a terceira e última parte será colocada on line no sábado, dia 3 de Dezembro.
PARTE II - DA BD PARA O CINEMA
Curiosamente, antes de criar Dylan Dog, Sclavi tinha proposto a Bonelli recuperar os personagens de um dos seus primeiros romances, Dellamorte Dellamore e transformá-los em heróis de uma série de BD, sendo Francesco Dellamorte uma espécie de estudo preparatório para Dylan Dog, com quem compartilha o aspecto físico e a forma de vestir, para além de um peculiar assistente. Essa ideia acabou por não se concretizar no papel, apesar de Sclavi ter escrito uma história, Orore Nero, publicada no Dylan Dog Speciale nº 3, de 1989, em que Francesco Dellamorte e Dylan Dog quase que se encontram, mas aconteceu de forma indirecta no cinema, graças ao filme realizado em 1994 por Michele Soavi a partir do citado romance. Nascido em 1957, Soavi trabalhou com Dario Argento e Lamberto Bava, para além de Terry Gilliam, realizadores que o escolheram pelo seu impecável sentido estético e de composição, bem patentes em Dellamorte Dellamore, o ponto mais alto de uma curta cinematografica. Depois de ter servido de modelo para Dylan Dog, o actor inglês Rupert Everett acabou por ser o protagonista de Dellamorte Dellamore, o filme visualmente deslumbrante que consegue transpor com inesperado sucesso o universo único de Tiziano Sclavi para o grande ecrã e que o próprio Sclavi considera mesmo “muito melhor do que o livro”.
Confirmando as ligações de Dylan Dog e do seu criador com o cinema, o herói emprestou o nome ao Dylan Dog Horror Fest, um festival de cinema de terror, que teve quatro edições, entre 1987 e 1993, onde os desenhadores de Dylan Dog partilhavam o protagonismo com grandes nomes do cinema de terror, como Dário Argento, Clive Barker, Lamberto Bava, Herschell Gordon Lewis, Sergio Stivaletti, Robert Englund (o actor que faz de Freddy Krueger na série Nightmare in Elm Street) e Jeffrey Combs.
Essa ligação entre Dylan Dog e o cinema, acabaria por dar origem, em 2007, a um filme realizado por Kevin Munroe, que já tinha dirigido o 4º e último filme das Tartarugas Ninja. Um filme que passou despercebido do público, apesar de contar com Brandon Routh no principal papel e Sam Huntington no do seu assistente Marcus.
Um elenco muito habituado aos filmes inspirados na BD, pois Routh participou no divertidíssimo Scott Pilgrim Vs the World, foi o Super-Homem em Superman Returns de Bryan Singer, para além de participar actualmente nas séries televisivas Arrow e Legends of Tomorrow, como Ray Palmer, o Átomo da DC. Apesar da reconhecida experiência do elenco na transposição de BDs para o cinema, esta adaptação não prima pela fidelidade à BD original, bem pelo contrário, pois a acção foi transposta de Londres para New Orleans e, por questões de direitos, o ajudante de Dylan Dog na BD, inspirado no actor Groucho Marx teve que ser substituído por Marcus, o personagem de Hutington no filme, responsável pelos momentos mais divertidos, quando é transformado num zombie e tem que aprender a adaptar-se à sua nova condição de morto-vivo.
Mas o humor da personagem de Marcus e de alguns bons diálogos não salvam um filme com um argumento cheio de buracos, uma direcção pouco criativa, efeitos especiais bastante fracos e que não consegue preservar a originalidade de Dylan Dog, que distinguia a série de outras abordagens ao género do terror, ficando bem longe dos inúmeros filmes de fã, com destaque para os escritos, realizados e interpretados por Roberto D’Antona com meios infinitamente inferiores.
Apesar do resultado estar muito longe de ser brilhante, iniciativas como o filme ajudaram à popularidade da série, que do estatuto inicial de série de culto com vendas não especialmente entusiasmantes, rapidamente evoluiu para um verdadeiro fenómeno de massas, aspecto a que não será estranho a grande qualidade dos seus principais desenhadores, como Angelo Stano, Bruno Brindisi, Giovanni Freghieri, Gustavo Trigo, Nicola Mari, Giampero Casertano e principalmente Corrado Roi. O sucesso de Dylan Dog foi tal, que chegou mesmo ultrapassar Tex como o título mais vendido da casa Bonelli, ao mesmo tempo que a personagem, para além de ver as suas aventuras reeditadas nos mais variados formatos, era adaptada a outros meios de comunicação, desde os jogos de computador ao teatro radiofónico. Nesse campo, o mérito vai para o realizador Armando Traverso que, depois do sucesso das versões radiofónicas de outros clássicos dos fumetti como Tex, Lupo Alberto e Diabolik, decidiu adaptar algumas das mais famosas aventuras de Dylan Dog à rádio, numa série de 25 programas, emitidos em 2002 pela cadeia Radio Due.
Apesar do sucesso da série, que conseguiu conciliar a crítica com o grande público, aliando o sucesso comercial ao prestígio cultural, traduzido numa série de artigos nos mais prestigiados jornais e revistas italianas e não só, e em várias Tese de Mestrado e Doutoramento, Sclavi acabaria por se afastar gradualmente da escrita das aventuras de Dylan Dog. Mais do que o cansaço em relação à personagem, o afastamento foi motivado pela dificuldade cada vez maior em escrever novas aventuras para o (anti)herói que criou. Conforme confessou a Umberto Eco: “a força de Tex provém do carácter repetitivo das histórias: duas ou três tramas e algumas variações sobre esses temas. Isso nunca funcionaria com Dylan Dog, porque o leitor quer ser surpreendido. E asseguro-lhe que ao fim de 140 números é muito difícil continuar a surpreender os leitores.”
Por isso, Sclavi abandonou o seu herói, regressando apenas por ocasião do vigésimo aniversário, em 2006, no Dylan Dog nº 240, assinando o argumento de Ucronia, uma história ilustrada por Franco Saudeli, desenhador que, depois de nos anos 80 e 90 se ter dedicado à BD erótica, trabalha actualmente para a editora Bonelli. Um regresso que se revelou temporário, pois, depois de escrever também as histórias dos nº 243 e 244, o escritor voltaria a afastar-se da escrita da série que criou.
CONTINUA...
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