A CASA NO MUNDO DO SONHO
Sandman - Vol 2
Casa de Bonecas
Argumento – Neil Gaiman
Desenhos – Mike Dringenberg e Malcon Jones III
Quinta, 13 de Outubro
Por + 11,90 €
Neste segundo volume da série Sandman que, curiosamente, até foi o primeiro a ser originalmente publicado em livro, o leitor vai ficar a conhecer, para além de uma namorada de Morfeu, a quem o orgulho do Mestre dos Sonhos condenou à eternidade no Inferno, mais dois elementos da família dos Eternos, Desejo e Desespero. Mas a história centra-se sobretudo no modo como Morfeu tem de lidar com as consequências que o seu afastamento durante os anos em que esteve prisioneiro, teve sobre o Domínio do Sonho. Uma ausência que possibilitou a fuga de alguns pesadelos, como Bruto e Sebo, e especialmente, o Coríntio, um serial-killer com dentes no lugar dos olhos, que devora os globos oculares daqueles que mata e que serviu de inspiração a uma série de assassinos em série, que se vão reunir numa convenção, numa cena que serve a Neil Gaiman para parodiar as convenções de ficção científica e de Banda Desenhada e a glamourização da figura do serial-killer que o aparecimento da Internet só veio acentuar.
Mas o ponto fulcral da história é Rose Walker, cuja simples existência ameaça o equilíbrio entre o Domínio do Sonho e o Mundo Desperto em que vivemos, e a casa na Flórida onde ela foi viver, a tal Casa de Bonecas do título (que, ao contrário do que muitos leitores pensaram, não é uma homenagem à peça homónima de Ibsen, mas sim ao romance infantil do mesmo nome de Rumer Godden) e os seus peculiares habitantes. Habitantes como Hal Carter, o simpático senhorio, o casal Barbie e Ken, as sinistras irmãs Chantal e Zelda e a sua colecção de aranhas e o misterioso Gilbert, que na verdade é Fidler's Green, um local mágico, um campo verdejante para onde os marinheiros vão depois de morrer, referido por Herman Melville no seu romance Billy Budd e a quem Gaiman e Mike Dringenberg dão as feições de G. K. Chesterton, num bom exemplo de como as referências literárias estão sempre presentes na série.
E por falar em literatura, em Homens de Boa Fortuna, episódio intermédio, em que Dringenberg cede o lugar a Michael Zulli, para além de conhecermos Hob Gadling, o homem que não queria morrer e o único amigo humano do Senhor dos Sonhos, descobrimos que Morfeu faz um acordo com William Shakespeare, garantindo a imortalidade para sua obra, em troca de duas peças, Sonho de uma Noite de Verão e A Tempestade, obras do poeta inglês que irão estar em destaque em futuros volumes.
Depois da saída, por divergências criativas, de Sam Kieth, o desenhador inaugural de Sandman, que declarou numa entrevista que se sentia na série “como Jimmy Hendrix nos Beatles”, Dringenberg que o substituiu, contando com Malcon Jones III como arte-finalista preferencial, deu um toque mais realista à arte de Sandman, que assenta como uma luva à própria evolução da série, que se foi gradualmente centrando no lado humano das personagens, mesmo das que são muito mais do que humanos, como é o caso dos Eternos, ou das criaturas que povoam o Mundo do Sonho.
O seu estilo mais tradicional, por oposição ao traço mais barroco e fantasista de Keith não colide com uma grande versatilidade, nem com o uso de soluções narrativas engenhosas, como as cenas em plano subjectivo, vistas através dos óculos escuros do Coríntio, a alteração do sentido de leitura da página, quando entramos no Domínio do Sonho (na mesma linha do que Guido Crepax tinha feito na história Valentina no Metro, recentemente publicada na série II da colecção novela Gráfica), ou a bela homenagem a Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCkay nos sonhos de Jed.
Publicado originalmente no jornal Público de 06/10/2016
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