domingo, 23 de outubro de 2016

Paco Roca regressa a casa com A Casa

UMA CASA CHEIA DE MEMÓRIAS

A Casa
Argumento e Desenho – Paco Roca
Sexta, 21 de Outubro
Por + 14,90 €
Depois de O Inverno do Desenhador, publicado este ano na série II da colecção Novela Gráfica, Paco Roca volta a marcar encontro com os seus leitores portugueses através de A Casa, o seu mais recente livro que chega às bancas e quiosques nacionais com o Público de sexta-feira, dia 21, no preciso dia em que arranca mais uma edição do AmadoraBD, o maior Festival nacional de Banda Desenhada, onde se espera que o autor espanhol possa marcar presença.
Conhecido inicialmente em Portugal pelo seu livro Rugas, uma belíssima reflexão sobre um tema delicado e cruel, a doença de Alzheimer, contada com um rigor que não se revela incompatível com a delicadeza e o humor, Paco Roca nasceu em Valência, em 1969, tendo-se estreado na BD em 1990, ilustrando capas para as revista El Vibora e Kiss Comics, da editorial La Cupula, onde saíram as suas primeiras histórias de BD, histórias curtas de temática erótica, desenhadas num estilo muito diferente do actual. Só no ano 2000 com o seu livro de estreia, El Juego Lúgubre, um livro em que a personagem e a obra de Salvador Dali servem de ponto de partida para uma história policial com contornos (naturalmente) surrealistas é que o seu estilo pessoal começa a despontar, evoluindo de forma fulgurante, até chegar à maturidade de Rugas e de O Inverno do Desenhador.

Galardoado com o prémio  para o Mejor Cómic Nacional de 2015, atribuído pela Confederación Española de Gremios y Asociaciones de Libreros (CEGAL), A Casa, que chegou às livrarias espanholas em Dezembro de 2015, surpreende pelo registo mais intimista, em comparação com o fôlego épico de Los Zurcos del Azar, o seu trabalho anterior, que está actualmente a ser adaptado para uma série de televisão de produção franco-espanhola.
Como bem refere o crítico e académico espanhol Pepo Perez, a memória é o tema dominante da obra de Paco Roca, seja a memória pessoal e colectiva de Zurcos del Azar, a memória perdida de Rugas, ou a memória dos derrotados de O Inverno do Desenhador. E, naturalmente, A Casa não foge a este tema, bem pelo contrário, fazendo dele o fulcro da narrativa. Uma narrativa com contornos autobiográficos, que a fotografia do autor com o pai no final do livro só vem ajudar a confirmar.
A Casa tem como ponto de partida o regresso de três irmãos à casa de família em que cresceram, um ano após a morte do seu pai, com o objectivo de esvaziarem a casa para a puderem vender. Mas o desfazer de uma casa implica um corte com um passado, cujas memórias impregnam os objectos, cheios de recordações de tempos mais simples e, talvez por isso, mais felizes. Ou seja, um relato intimista e de grande sensibilidade que fala da memória, de afectos, do passar do tempo, das relações familiares, com uma aparente simplicidade que esconde uma extraordinária eficácia narrativa.
Partindo da “Linha Clara” franco-belga para a transcender, Roca opta por um traço mais espontâneo do que o usado em O Inverno do Desenhador, em que a cor assume outra vez um papel fundamental para transmitir o passar do tempo. Gerindo com incrível precisão os diálogos e os silêncios, em páginas de estrutura clássica, em que a escolha do formato italiano (sobre o horizontal) do livro, corresponde perfeitamente à própria arquitectura da casa, lentamente “levantada do chão” (para citar Saramago) e ao ritmo da história, Roca arranja ainda espaço para algumas soluções narrativas notáveis, como a figueira transformada em árvore genealógica, ou o diagrama em que nos apercebemos das memórias guardadas pelos objectos deitados no contentor do lixo.
Livro após livro, Paco Roca tem-se afirmado rapidamente como um dos mais importantes autores europeus da actualidade e A Casa é mais um passo decisivo nesse caminho do autor espanhol em direcção ao sublime.
Publicado originalmente no jornal Público de 14/10/2016

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