Foi hoje a enterrar (ou mais propriamente, a cremar) um amigo. Um amigo que foi o mais importante autor de BD das duas últimas décadas do século XX e que, nos anos 80, entre a revista Tintin e o jornal Se7e, foi o único profissional de BD em Portugal.
Para mim, o melhor Relvas está na primeira metade do Espião Acácio, no L123 e Chevadilha Speed e em histórias do Se7e, como Concerto para Oito Infantes e um Bastardo, Niuiork, Sangue Violeta, Nunca Beijes a Sombra do teu Destino, no incompleto O Rei dos Búzios e em algumas das histórias do Karlos Starkiller. Mas no resto da sua obra, mesmo quando as histórias acabavam por ir para onde lhe apetecia e não para onde o leitor gostava que elas fossem, havia sempre um diálogo, ou monólogo, inesquecível, ou uma sequência, ou imagem perfeita, no seu dinamismo, eficácia e simplicidade.
Conhecíamos-nos pessoalmente há mais de 20 anos, mais ou menos na mesma altura em que comecei a escrever sobre ele, primeiro para a revista Quadrado e depois, em 1997, para o catálogo de uma das primeiras exposições da Bedeteca de Lisboa (Relvas: à Queima-roupa), entre outros sítios, como este blog, mas muito antes disso, já eu guardava os recortes das BDs que ele publicava no Se7e.
Para além das tardes e noites de copos que partilhámos, em Lisboa, na Amadora e em Coimbra (onde ele viveu alguns meses) tive o prazer (e o privilégio) de comissariar duas das três exposições mais recentes que a cidade da Amadora lhe dedicou. A última, Relvas: Retrospectiva/Outras perspectivas, de que fui curador por indicação do próprio Relvas, teve lugar nas novas instalações da Galeria Artur Bual, um espaço que, por ironia do destino, acolheu o jantar de encerramento do último AmadoraBD, que teve lugar mais ou menos há mesma hora a que o Relvas dava entrada no Hospital. Durante o tal jantar, tive oportunidade de fazer uma visita guiada à exposição aos convidados estrangeiros presentes e um deles, Denis Kitchen (editor de Will Eisner) comentou que lhe parecia incrível como tantas histórias, em registos e técnicas diferentes, saíram todas das mãos de um mesmo autor.
O Relvas sempre foi um resistente. Com o apoio incansável da Nina, foi resistindo como pode à doença de Parkinson que o ia minando. Resistiu também a uma queda que o deixou paralisado e a uma operação à coluna. Só não conseguiu resistir à pneumonia provocado por uma infecção hospitalar.
Muito mais cedo do que todos gostaríamos, o Relvas lá se foi. Agora conto contigo, Júlio, para não deixares morrer o Espião Acácio, lançando rapidamente o tão aguardado livro que ele já não vai poder ver. Do mesmo modo que conto, convosco, Margarida e Marco, para darem vida às histórias do Relvas que ele e o Viriato vos contaram.
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