Feita a 25 de Outubro, durante o lançamento do livro no auditório do jornal Público, a entrevista que fiz a Sérgio Godinho e os autores do livro que explora o seu universo, usando-o como personagem, acabou por sair, não no Ipsílon, como estava inicialmente previsto, mas no próprio jornal de sábado, no fim-de-semana em que o livro foi apresentado no AmadoraBD. Por questões de espaço, mais do que uma transcrição fiel da entrevista, tive de optar por fazer uma síntese do que foi dito na apresentação do livro e na conversa posterior com os intervenientes. Mesmo assim, penso que o essencial está cá.
MÚTUO CONSENTIMENTO
No passado dia 25 de Outubro, o auditório do Público foi palco do lançamento de O Elixir da Eterna Juventude, uma Banda Desenhada em que Sérgio Godinho é o protagonista, ao lado das personagens das suas canções. O pretexto ideal para uma conversa com o próprio Sérgio e com Fernando Dordio e Osvaldo Medina, o escritor e o ilustrador que o transformaram num herói de BD.
Querem contar-nos como é que nasceu este projecto?
Fernando Dordio - Este projecto começou há mais de três anos. Quando se ouvem as músicas do Sérgio, elas transmitem muitas ideias, e ideias visuais. Mesmo que ele não descreva fisicamente as personagens nas suas canções, nós imaginamo-las, pois conhecemos o seu comportamento emocional. Eu, como fã das músicas, fui construindo as imagens ao longo do tempo e depois o que faltava era um ponto de ligação entre essas imagens, um motor para a história e a música, o Elixir da Eterna Juventude acabou por ser esse motor.
Foi um processo gradual, que passou por ouvir as musicas e mergulhar no universo das personagens, até que um dia, depois de ter ido ver o espectáculo Liberdade, disse para mim mesmo "tenho de arranjar uma forma de traduzir estas ideias em BD.” Mesmo tendo o Sérgio Godinho como personagem, está é uma obra pessoal e, por isso, decidi colocar-me também na história.
Sérgio Godinho - O Fernando diz no livro que "este trabalho foi produzido em contacto e troca de ideias permanentes com o próprio Sérgio Godinho, de modo a que nada fosse feito à sua revelia". É verdade que nada foi feito à minha revelia e de facto o Fernando foi-me mandando o trabalho em progresso e sinopses parcelares, mas eu, muitas vezes, preferi ser surpreendido, em vez de ser o "controleiro" deste trabalho, pois não tenho essa função, nem vocação.
A minha intervenção principal foi na fase inicial, apontando ao Fernando que a história estava demasiado densa e tinha ideias a mais. O que até é bom, pois pode-se sempre desbastar. Já quando se tem ideias a menos, é uma chatice, pois a coisa torna-se mais complicada.
Há sempre coisas que estão a mais e é preciso tirar a chamada "palha". O Fernando acabou por fazer essa depuração, embora mantendo a sua veia exuberante. Mas foi tudo feito com “mútuo consentimento”, como na minha canção.
FD – Sim. Além de me ajudar a focar a história, o Sérgio influenciou a própria história. A primeira versão do argumento era mais baseada nas músicas antigas, foi o Sérgio que sugeriu que a história cobrisse a sua carreira toda.
SG - Embora eu seja o foco dela, está é uma história autónoma, e felizmente autónoma. Não há uma mera ilustração das minhas canções, mas uma história que vai para lugares improváveis, tendo como ponto de partida muitas das minhas canções e também a minha excelsa pessoa (risos) mas que toma liberdades narrativas enormes e nem podia ser de outra maneira.
As canções do Sérgio quase não têm descrições físicas das personagens. Isso ajudou ou complicou?
SG – Nem físicas, nem psicológicas. Mais do que o retrato psicológico das personagens, o que acontece às personagens é o que me interessa. Uma canção é forçosamente um exercício de síntese, por isso a caracterização das personagens acaba por ser feita através da acção
FD - As músicas do Sérgio têm ideias visuais que eu aproveitei na história. Por exemplo, na música O Rei do Zum Zum, ele aparece a contornar a rotunda a toda a velocidade e é precisamente assim que ele aparece na história.
São esses pequenos apontamentos visuais, que dão identidade às personagens.
Além do Sérgio Godinho, o Jorge Palma (dando a cara ao Jeremias, personagem de uma das suas canções) e o José Afonso também estão presentes. Porque não usaste apenas as personagens do Sérgio e o próprio Sérgio?
FD - Como em Portugal não é fácil levar para a frente projectos de Banda Desenhada, quando percebi que este ia mesmo avançar, decidi, como dizia um treinador de futebol (Quinito) "colocar a carne toda no assador" e juntar na mesma história, as minhas principais referências musicais: José Afonso, Sérgio Godinho e Jorge Palma (que empresta as feições ao Jeremias). São universos musicais e poéticos que se tocam e que fazia sentido cruzar.
Estou muito curioso para ver a reacção do Jorge Palma, pois usei-o no livro sem falar com ele.
Osvaldo, como é que foi o processo de desenhar o livro?
Osvaldo Medina - Podia dizer agora que foram anos de pesquisa, mas não foi. Foi um processo rápido e intuitivo, de criar imagens que colem com aquilo que está descrito nas músicas e com o que as pessoas estão à espera de ver aqui. Não houve nenhuma busca incessante pelo personagem.
A BD é uma paixão e é algo que eu faço com paixão, mas além disso há o meu trabalho: eu dou aulas, trabalho em animação, faço ilustração. Ou seja, nunca me pude dedicar a este livro a tempo inteiro, até porque ao mesmo tempo estava a fazer outro livro (a biografia de Agostinho Neto em BD).
Por isso, o livro demorou cerca de um ano a ser desenhado. Quando nos encontrámos no Coimbra BD em Março do ano passado, eu tinha umas vinte páginas desenhadas, mas no último mês fiz mais de trinta páginas.
O que é que te custou mais desenhar?
OM- Os vampiros foi a parte mais fácil, o complicado mesmo foi desenhar o Zeca Afonso, pois tinha que ser uma imagem que as pessoas identificassem imediatamente com o José Afonso.
Os teus vampiros estão mais próximos das gárgulas, do que da imagem mais tradicional do vampiro. Qual a razão desta opção?
OM - O Fernando estava à espera de uma imagem diferente para os vampiros, uma coisa mais discreta mas eu decidi assumir completamente os vampiros. Temos de apontar o dedo aos vampiros, chamar os bois pelos nomes!
FD - o argumento ficou bastante melhor, a partir do momento em que o Osvaldo desenha os vampiros daquela maneira. O Osvaldo tem características de desenho muito específicas e eu, obviamente, queria tirar partido dessas características. O Final que eu tinha imaginado inicialmente, não tirava partido disso, mas quando o Osvaldo desenhou os vampiros da forma que desenhou então eu percebi finalmente como é que tinha de ser o final do livro.
Sérgio, que balanço fazes desta aventura?
SG - Foi uma experiência muito interessante e surpreendente ver tudo isto a aparecer e também perceber como o traço do Osvaldo dava vida à imaginação do Fernando.
Fiquei muito satisfeito e deu-me um certo orgulho ser assim retratado.
Entrevista publicada originalmente no jornal Público de 04/11/2017
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