terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Evocando Tibet, o criador de Ric Hochet e Chick Bill
Este novo ano que agora começa, já viu partir um nome grande da Banda Desenhada franco-belga. Tibet, o prolífico criador de Ric Hochet e Chick Bill, provavelmente, o desenhador com mais álbuns publicados, ao longo de uma carreira de quase 60 anos, faleceu no passado dia 3 de Janeiro, aos 78 anos, em Roquebrune-sur-Argens, uma cidadezinha balnear na Côte d’Azur, onde Tibet e a mulher costumavam passar férias e onde existe um Boulevard (uma rua larga e arborizada, cujas iniciais identificativas são precisamente…Bd) Ric Hochet.
De seu nome verdadeiro Gilbert Gascard, o francês Tibet (a alcunha foi-lhe dada pelo seu irmão mais novo, então com pouco mais de um ano, que não conseguia pronunciar “Gilbert”, e ficou para sempre) nasceu em 1931 em Marselha, tendo iniciado uma carreira na animação em 1948, nos Estúdios Disney, onde conheceu Duchâteau. Tendo entrado na redacção da revista Tintin em 1951, foi nessa revista que nasceram as suas duas séries mais populares. Primeiro, em 1953, Chick Bill, um western humorístico, inicialmente protagonizado por animais antropomorfizados que acabaram por se transformar em humanos, por insistência de Hergé, cuja força reside na relação entre o xerife Dog Bull e o seu imbecil adjunto Kid Ordin. Escrita e desenhada por Tibet (com excepção de alguns episódios, escritos por Greg, Chick Bill” é um pouco menos popular do que “Ric Hochet”, mas ainda assim um grande sucesso, com o 70º álbum da série a ser lançado em França, dentro de dias, a 15 de Janeiro.
Já “Ric Hochet” estreou-se em 1955, no nº 242 da edição belga da revista Tintin com a história curta “Ric Hochet méne le Jeu”, escrita por A. P. Duchâteau, em que o futuro jornalista é ainda um simples ardina de treze anos que se deslocava numa scooter, em vez do vistoso Porsche amarelo que bem conhecemos. A partida de Duchâteau para o Congo em 1956 fez com que o jovem vendedor de jornais desaparecesse de circulação durante uns anos, para regressar em 1958, já com 17 anos, como jornalista do La Rafale, propondo todas as semanas um enigma policial ilustrado para os leitores da revista Tintin resolverem. Só em 1963, um Ric Hochet entretanto tornado adulto se estreia numa história longa, com “Traquenard au Havre”, primeiro título de uma colecção que já alberga 76 volumes, publicados a um ritmo, pouco habitual na BD franco-belga, de um novo álbum de oito em oito meses.
Alternando os álbuns de Chick Bill com as aventuras de Ric Hochet, Tibet era um dos raros (senão mesmo o único...) autores franco-belgas a conseguir publicar mais de três álbuns por ano, mantendo inalterável a qualidade do seu traço caracterizado por uma grande legibilidade habitual nos autores da “linha clara” (género definido pelas cores planas e traço estilizado, normalmente associado ao trabalho de Hergé, de quem Tibet foi assistente) algo só possível graças à colaboração de assistentes, na série “Ric Hochet”, que lhe desenhavam os cenários e os carros. E além das duas séries, Tibet ainda teve tempo para outros projectos mais pessoais, como a série “Aldo Remi” (dois volumes, publicados pela Editora Glenat e um terceiro completo, mas ainda inédito), ou o romance autobiográfico “Qui a fait pleurer maman”, sobre a sua infância, marcada pela doença da mãe.
Também em Portugal, onde a versão nacional da revista “Tintin” formou toda uma geração de leitores, actualmente entre os 35 e os 50 anos, a popularidade de Ric Hochet era enorme, tendo sido presença constante na revista Tintin e em álbuns das editoras Bertrand, Futura e Dom Quixote, para além de ter sido incluído na colecção “Série Ouro”, editada pela Panini com o jornal “Correio da Manhã” e, naturalmente, na colecção “Clássicos da Revista Tintin”, editada em 2009 pela Asa e pelo Jornal “Público”.
As aventuras de Ric Hochet deverão continuar, mesmo depois da morte de Tibet, que deixou o 77º álbum da série, a editar em Março, completamente pronto e já tinha desenhado 28 páginas do volume seguinte, além de que ele e Dûchateau tinham um acordo que lhes permitia prosseguir a série, no caso de um deles decidir parar. Mas mesmo que assim suceda, não apaga a perda de um criador incansável, cuja simpatia e sentido de humor eram tão lendárias, como a sua capacidade de contar histórias divertidas. Um dos últimos sobreviventes da fase inicial da revista Tintin que, no autoretrato que escolhi para fechar este texto, surge a esculpir a efígie de Ric Hochet num rochedo, suspenso de uma corda segura pelo seu cúmplice Duchateau.
(Versão alargada de um texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 9/01/2009)
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