UMA INFÂNCIA NO BARRIO CHINO
Novela Gráfica III – Vol. 10
Histórias do Bairro
Sexta, 01 de Setembro
Argumento – Gabi Beltrán
Desenho – Bartolomé Segui
Por + 9,99€
Depois de Miguelanxo Prado e
Max, chegou a vez dos leitores portugueses descobrirem mais um exemplo da incrível vitalidade da novela gráfica espanhola, com
Histórias do Bairro, de
Gabi Beltran e
Bartolomé Segui, o décimo volume desta série III, que chega aos quiosques de todo o país na próxima sexta-feira, 1 de Setembro.
Embora na edição portuguesa surja num único volume,
Histórias do Bairro foi publicado originalmente em dois volumes, o primeiro dos quais,
10 Histórias del Barrio, arrebatou o Prémio Ciutat de Palma de Cómic, em 2011, sendo publicado pela editora basca Astiberri, como título abreviado de
Historias del Barrio, menos de um ano depois, na prestigiada colecção Sillon Orejerro, que acolhe, entre outras, as obras de
Paco Roca e também do português
José Carlos Fernandes. Seguiu-se, em 2014, a segunda parte da história da adolescência do jovem Gabi, em
Historias del Barrio: Caminos, mas o próprio Beltran é o primeiro a apontar que os dois volumes formam uma única história referindo que este segundo volume: “não é uma continuação em si. Quando acabamos com tudo isto, só haverá uma obra.”
Relato sem concessões de uma infância e uma adolescência passadas no bairro Sa Gerreria, o
barrio chino da cidade de Palma de Maiorca, a capital das ilhas Baleares, numa altura em que a ilha não era o destino turístico que hoje é,
Histórias do Bairro retrata um dia-a-dia de pobreza, marcado pelas drogas, delinquência e prostituição Para além dos seus amigos e companheiros de brincadeiras que ultrapassavam largamente os limites da legalidade, ficamos a conhecer também os gostos musicais e literários de Gabi, que não são diferentes dos de qualquer adolescente português de inícios da década de 80. Veja-se a T-shirt dos
Joy Division, que Gabi veste ao longo de todo livro, ou a importância que a música
Golden Brown dos
Stranglers adquire na história
O Descapotável. Já em termos literários, Beltran utiliza as leituras do jovem Gabi para enquadrar as histórias na época e também reflectir o seu próprio amadurecimento intelectual, com as revistas de BD icónicas da transição para a democracia, como a
Totem ou a
1984 a darem lugar nos capítulos finais, a escritores como
Steinbeck, Hemigway ou
F. Scott Fitzgerald, nomes maiores da chamada “geração perdida”, que Gabi vai descobrir nas estantes da mulher mais velha que lhe mostra que o mundo pode ser bem mais vasto do que o
Barrio Chino.
Embora seja também ele ilustrador, Gabi Beltrán assume-se aqui como escritor, algo evidente nos textos de cariz autobiográfico que intercalam cada uma das histórias, e ocupa-se “apenas” do argumento e das cores de
Histórias do Bairro, entregando o desenho ao seu conterrâneo Bartolomé Segui, que conhece muito a Palma de Maiorca dos inícios da década de 80, por nela ter vivido. Vencedor, com
Felipe Hernandez Cava, do Prémio Nacional del Comic em 2009, com
Las Serpientes Cegas, Segui opta aqui por um estilo mais caricatural e de legibilidade mais imediata, que dá um toque visualmente mais agradável a uma realidade de grande dureza, o que ajuda o leitor a entrar mais facilmente na história.
Mas, melhor do que eu, deixemos que seja
Alvaro Pons a exaltar os méritos do desenhador (e da linguagem da BD): “…Seguí adapta-se às necessidades do argumentista e sabe integrar os relatos de Beltrán num nível narrativo duplo: por um lado, a voz do narrador, que flui independente no exercício da memória; por outro, as histórias que se vão contando, que se vão apoiando no primeiro relato, mas sem perder a sua própria autonomia. Seguí consegue gerir os silêncios gráficos, pese embora a voz de fundo do narrador, fazendo chocar esse texto de natureza puramente literária com a força da narração visual para obter efeitos impensáveis em qualquer outra arte”.
Publicado originalmente no jornal Público de 26/08/2017
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