sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Novela Gráfica III 14 - Uma Aldeia Branca: O Bar do Barbudo


UM BAR CHEIO DE HISTÓRIAS

Novela Gráfica III – Vol. 14
Uma Aldeia Branca: O Bar do Barbudo
29 de Setembro
Argumento e Desenho – Tomeu Pinya

Por + 9,90€

Aqui fica a terceira e última introdução que escrevi para a série III da colecção Novela Gráfica. Como sempre acontece nestes casos, para ler o texto que saiu no Público, basta clicar na respectiva imagem.

A CASA DAS HISTÓRIAS

Uma pequena aldeia branca, numa ilha perdida no Mediterrâneo. Nessa aldeia, como em todas as outras, temos um bar que se enche de turistas no Verão e de velhos a jogar o dominó durante todo o ano. Mas o que torna este bar diferente é o seu dono: Rafa, o barbudo do título, que é um viciado em histórias e que através das histórias que os seus clientes lhe contam, em troca comida ou de uma bebida, viaja por todos os mares do mundo, sem sair da sua pequena ilha.
Este é o ponto de partida para Uma Aldeia Branca: O Bar do Barbudo, esta história de histórias salpicada de Mediterrânico, publicada originalmente em Espanha, pela editora Planeta Agostini em 2009 e que valeu ao seu autor, Tomeu Pinya, o Prémio Popular Autor Revelação no Salón del Cómic de Barcelona, em 2010.
De seu nome completo, Bartolomeu Pinya Oliver, Pinya nasceu em 1982, em Palma de Maiorca e licenciou-se em Belas Artes pela Universidade de Barcelona, em 2004 e em Comunicação audiovisual, pela Universidade Pompeu Fabra, em 2006 e, embora Uma Aldeia Branca tenha sido o seu livro de estreia, o seu percurso na BD não começou aí. Como o próprio refere numa entrevista: “comecei em revistas escolares e universitárias. Estive muito tempo desenhando exclusivamente para mim, e a primeira vez que tentei um projecto sério foi para o apresentar às editoras.
Na verdade, já tinha a primeira história de Uma Aldeia Branca quatro anos antes de ser publicada, mas não me atrevi a mostrá-la a um editor senão dois anos depois, por timidez e insegurança.” A solução encontrada por Pinya para vencer essa insegurança, foi testar essas histórias, de forma isolada, enviando-as a diferentes concursos de BD, antes de as reunir numa obra de maior fôlego. E a certeza de que ali estava um bom livro em potência, chegou, quando algumas das histórias que acabariam por formar o livro, foram premiadas, como aconteceu com Cartes (Prémio ArtJove 2006), Sherezade (Prémio Sant Jordi UPF 2006) y Coloms (XI Prémio Jove d’Igualada).
Por isso, diz Pinya: “Quando finalmente apresentei o projecto, tinha já suficiente confiança no meu traço e um conhecimento do mercado que me permitia intuir que aquilo era publicável, que não estava a fazer perder tempo aos editores com o meu trabalho. Outra coisa era conseguir publicar, claro, mas finalmente a editora Planeta mostrou-se interessada e assim que pude começar a trabalhar de maneira profissional.”
O livro, que assinala a estreia de mais um autor espanhol na colecção Novela Gráfica, é uma obra coral, povoada de personagens com histórias para contar e que, além de Rafa, o dono do bar e de Núria e Marga, as empregadas, inclui naturalmente os clientes do bar. Clientes como Pantaléon, o vagabundo carregado de histórias; Eduardo Corona, o escritor argentino em busca de inspiração; Ignacio, o velho criador de pombos; Lucia, a fotógrafa de guerra: Don Nicolas, que espera (e desespera) pelas cartas do seu velho amor; o marinheiro Bernet Colóm, um Ulisses que regressa sempre a Núria, a sua Penélope, Hugo, o desenhador que não compreende a arte moderna; Kurt, o alemão de aspecto ameaçador e coração de ouro; e Fátima, a Sherezade por quem Rafa sonhou toda a vida.
Se tivermos em conta que o livro se passa numa ilha do Mediterrânico, como Palma de Maiorca, onde Tomeu nasceu, e que o autor, tanto nas fotografias como nos auto-retratos, se apresenta sempre com uma pujante barba, como Rafa, o barbudo dono do Bar, a tentação para encontrar reflexos autobiográficos neste livro é grande, mas deixemos que seja o próprio Tomeu a marcar as distâncias entre a sua vida e a sua arte: “Bem, a verdade é que mesmo que o enquadramento (a ilha, a natureza, etc.) tenha a ver com as minhas próprias vivências, eu nasci e cresci em Palma, que é uma cidade bastante grande. A aldeia, portanto, é uma invenção que me serve para caracterizar os personagens e facilitar que os seus encontros. É um recurso narrativo mais do que resultado das minhas próprias vivências. Há uma parte de mim mesmo em algumas histórias, mas mais na maneira como reflectem a minha maneira de ver as coisas, do que por estarem baseadas em algo que me aconteceu. Procuro usar a minha experiência para dar realismo aos personagens, para que o leitor possa ter a sensação de que os conhece e se reconheça neles.
Rafa, o protagonista, representa, claro, aquele lado de todos nós que queria ter um bar onde vão os amigos divertir-se, sem pensar demasiado nos horários nem no trabalho duro. É também uma projecção de mim: a parte de mim que não pode viver sem histórias.
Mas não creio que fosse feliz sendo apenas o Rafa. Há outros personagens que também sou e necessito ser, como Pantaleón, o narrador vagabundo, que é o que sabe contar as histórias, ou Eduardo, o escritor argentino, que além disso luta com  elas para  as armar e dar-lhes sentido e profundidade.”
Em termos gráficos, é interessante constatar, como o traço caricatural predominante, servido por uma leve aguada de guache cinzento, dá lugar a outros registos gráficos distintos, de acordo com as necessidades da narrativa, seja para dar maior realismo às brincadeiras das crianças, seja para homenagear Sergio Toppi (e também o Sandman de Neil Gaiman) na história contada por Fátima.
Não estamos perante um exercício de virtuosismo gratuito, mas uma mudança ditada pelas características da história a contar. Dê-mos pela última vez, a palavra ao autor: “Sim, posso dizer que me interessa mais a capacidade da Banda Desenhada para explicar historias, do que a gramática própria da BD. Não faço BD experimental, mesmo que explore os recursos narrativos da BD, enquanto sirvam ao propósito da narração. Neste aspecto, o meu interesse centra-se em criar tramas atraentes, com significado, cheias de personagens complexos e interessantes, com quem o leitor se possa identificar. Veremos se o consigo.” Para mim, não restam grandes dúvidas de que o conseguiu. Quanto ao prezado leitor, bastará continuar a leitura, para o descobrir.

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