sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Novela Gráfica III 15 - O Idiota


DAS PALAVRAS DE DOSTOIEVSKI 
AOS DESENHOS DE ANDRÉ DINIZ

Novela Gráfica III – Vol. 15
O Idiota
Sexta-feira, 06 de Outubro
Argumento – Dostoievski e André Diniz
Desenho – André Diniz
Por + 9,99€
Com a publicação na próxima sexta-feira, em estreia mundial, da adaptação de O Idiota, de Fiodor Dostoievski, feita por André Diniz, chega ao fim esta terceira série da colecção Novela Gráfica. E se os autores espanhóis dominaram esta terceira série, o volume final vem mostrar que a Banda Desenhada não tem fronteiras, nem espaciais nem temporais, pois O Idiota é uma adaptação de um romance de um escritor russo do século XIX, feita no século XXI em Portugal por um autor brasileiro.
Se a adaptação à banda desenhada de textos literários é um género com grande tradição, tanto em Portugal como no resto do mundo, não deixa de ser uma aposta arriscada, face às especificidades da linguagem da BD, que são bem diferentes das da literatura. Por isso, a excessiva reverência pelo texto literário original pode levar a um resultado que está mais próximo do texto ilustrado do que da verdadeira banda desenhada. A adaptação de Os Lusíadas, de Luís de Camões, que José Ruy fez nos anos 80, ou o bem mais recente As Aventuras de Fernando Pessoa, Escritor Universal, de Miguel Moreira e Catarina Verdier, são dois bons exemplos de obras que sofrem deste problema, que afecta de forma notória a fluidez da leitura.
Por ter um domínio exímio da linguagem da banda desenhada, André Diniz, um dos mais premiados autores brasileiros da actualidade, que reside em Portugal desde 2016, opta por uma aproximação muito mais arriscada ao romance de Dostoievski, abdicando completamente do texto do escritor russo, para contar a história do Píncipe Liev Michkin recorrendo apenas à arte sequencial.
Este ambicioso projecto de transformar um livro de mais de 700 páginas numa Banda Desenhada maioritariamente muda (das mais de 400 páginas de O Idiota, pouco menos de 30 contém curtos diálogos) teve um parto demorado, com algumas falsas partidas, que não impediram o autor de levar a sua missão a bom termo.
Já em 2012, numa entrevista ao site Omelete.com., André Diniz falava sobre o projecto de adaptação de O Idiota, referindo: “Eu me apaixonei pelo livro, embora ele seja bem verborrágico em muitos momentos, e decidi fazer uma adaptação diferente. A HQ vai no caminho oposto daquele no qual a obra é escrita: serão mais de 300 páginas sem texto, com cores expressionistas e cenários minimalistas. Foi a forma que eu encontrei de me aproximar daquela essência do personagem que tanto me fascinou”
Dessa primeira versão, resultaram pouco mais de 100 páginas, finalizadas e coloridas por Marcela Mannheimer, com quem o autor já tinha colaborado em Negrinho do Pastoreio, que acabaram por ser descartadas. Houve ainda uma versão intermédia, já a preto e branco, que também ficou pelo caminho até que, em Maio de 2016, numa altura em que André Diniz já estava a morar em Portugal, arrancou com a versão final, em que as cores expressionistas dão lugar a um preto e branco contrastado, com o cinzento como segunda cor, a dar textura e profundidade aos desenhos, num registo bastante original que, apesar de ser totalmente digital, evoca a xilogravura.
Tendo desenhado em menos de um ano as mais de 400 páginas que compõem este livro, que então era inteiramente sem palavras, André Diniz não se importou, e bem, de alterar ligeiramente as regras do jogo, introduzindo, com grande parcimónia e de forma judiciosa alguns (poucos) diálogos, que possibilitam ao leitor menos familiarizado com o romance do Dostoievski uma mais fácil compreensão da complexa história imaginada pelo escritor russo.
O resultado é uma adaptação, tão original como conseguida, de um clássico da literatura mundial, publicada em Portugal antes de sair no Brasil e em França, que vem provar que é perfeitamente possível fazer “literatura desenhada” - termo que Hugo Pratt preferia para designar a BD- contando com a força das imagens e com a sua articulação sequencial, para contar uma história (quase) sem palavras.
Publicado originalmente no jornal Público de 30/09/2017

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