O ARQUITECTO, A CIDADE E O SERIAL KILLER
Novela Gráfica IV - Vol 3
O Fantasma de Gaudí
Argumento – El Torres
Desenhos – Jesús Alonso Iglesias
Quarta-feira, 20 de Junho
Por + 10,90 €
Confirmando a extraordinária vitalidade da actual Novela Gráfica espanhola, o terceiro volume desta nova colecção traz-nos mais dois autores espanhóis (quase) desconhecidos em Portugal, com O Fantasma de Gaudí, um emocionante e divertido triller, centrado na obra de Antoni Gaudí, o famoso arquitecto catalão, cuja arquitectura única, marca de forma indelével a cidade de Barcelona.
Publicado originalmente em Espanha em 2015, O Fantasma de Gaudí venceu o prémio de Melhor Livro de Autor Espanhol no Salão del Comic de Barcelona de 2016 e está nomeada para o Prémio Eisner de Melhor Novela Gráfica Estrangeira, a atribuir em Julho na Comic Con de San Diego. Distinções merecidas para uma história muito bem construída, que aproveita uma intriga policial, que envolve um misterioso serial killer e o inspector da polícia que o persegue, para nos dar a descobrir por dentro a arquitectura de Gaudí e a sua ligação com a cidade de Barcelona, levando o leitor a visitar obras-primas da arquitectura gaudiana, como a Casa Vincens; os Pavilhões, o Palácio e o Parque Guell; a Casa Calvet; a Casa Batlló; a Casa Milà, mais conhecida como La Pedrera e, naturalmente, a inacabada Catedral da Sagrada Família, onde tem lugar o confronto final.
Tudo começa quando Antonia, uma caixa de supermercado, salva um velho de morrer atropelado, precisamente no mesmo local onde Gaudí morreu atropelado por um eléctrico em 1926. O mesmo Gaudí, cuja obra fica no centro de uma investigação policial, quando começam a surgir cadáveres mutilados, em edifícios emblemáticos de Barcelona, projectados pelo arquitecto catalão.
Famoso pelas suas histórias de terror, o argumentista Juan António Torres, mais conhecido por El Torres, tinha aqui um desafio complexo, que lhe foi proposto pelo seu editor. Como refere no posfácio do livro: “Possivelmente esta foi a história mais difícil e, ao mesmo tempo, a mais fácil que escrevi até hoje. Difícil porque, imagina, estás sentado aí com as tuas coisas, e liga-te Ricardo Esteban, que te aguenta as penúrias e te paga os direitos, e essa pessoa diz-te: “Quero que façamos um livro de Gaudí”.
E dizes-lhe que sim. Demoras dois anos a escrevê-lo. Apesar de Gaudí fazer sempre parte das maravilhosas visitas a Barcelona, nunca tinha conhecido a sua vida em pormenor. Mas, claro, agora tinha uma história entre mãos. Tinha de entender a sua arquitectura, conhecer a sua vida. Era hora de pôr mãos à obra.
Senti-me angustiado. A dimensão da sua arte é gigantesca, quase impossível de estudar na sua totalidade.
Não podia escrever uma biografia. Não é o meu género favorito e, diga-se a verdade, vi-me incapaz de escrever uma história interessante baseada na sua vida.
Assim, teria de ser ficção. Ficção sobre Gaudí, sobre a sua obra. (…) Mais uma vez, senti-me angustiado. Foi assim que me senti, com todos e cada um dos protagonistas de O Fantasma de Gaudí. Odiava-o e amava-o ao mesmo tempo. Deixei os livros e deslumbrei-me quando pude a visitar as suas obras. Embrenhei-me na Casa Battló (não tanto como a personagem), para verificar se podia subir pelas escadas de saída, ia e vinha e a história não saía. Estive quase a dizer ao Ricardo que desistia. E de repente surgiu. Um assassino que em simultâneo odeia e ama Gaudí. Que se sente tão confuso e aborrecido quanto eu. De toda essa confusão de sentimentos surgiu esta banda desenhada.”
Uma bela banda desenhada, diga-se, muito bem ilustrada de forma dinâmica por Jesús Alonso Iglesias, com um estilo semi-caricatural no tratamento das personagens e realista nos cenários marcados pela espectacular arquitectura de Gaudí. Uma obra que prende e faz pensar o leitor e que está mesmo a pedir por uma adaptação ao cinema.
Texto publicado originalmente no jornal Público de 16/06/2018
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