quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Elogio da dupla, a propósito de Ivo Milazzo

De Pratt a Manara, de Battaglia a Toppi, de Giardino a Magnus, de Buzelli a Gianni de Luca, de Liberatore a Crepax, passando pelas dezenas de artistas que todos os meses produzem milhares de páginas para as revistas da editora Bonelli, Itália é um verdadeiro viveiro de grandes desenhadores de Banda Desenhada, tal como o foi, durante o Renascimento, de pintores, escultores e arquitectos.
Ivo Milazzo, o mestre italiano que o Festival de BD de Beja traz finalmente a Portugal, é um desses Mestre dos fumetti, nome dado à BD em Itália. Um desenhador com uma carreira de quarenta anos, marcada pela diversidade de géneros, numa fase inicial, que abarca desde histórias de Tarzan para o mercado francês, até coisas tão díspares, como o Pato Donald ou Tio Patinhas, até Diabolik, antes de se decidir definitivamente pelo estilo realista, patente nos seus trabalhos para as séries Nick Raider e Mágico Vento, para só falar nas séries da Bonelli em que colaborou.
Mas, para mim, o nome de Ivo Milazzo, evoca imediatamente outro nome, o do argumentista Giancarlo Berardi, com quem forma uma das mais sólidas duplas dos fumetti, responsável, entre (muitas) outras coisas, pela série Ken Parker, único título da dupla editado em Portugal, primeiro na revista Selecções BD e posteriormente pela Asa, em dois belos álbuns a cores.
Criado em 1974, Ken Parker chegaria às bancas italianas com revista própria em 1977, numa arriscada (mas bem sucedida) aposta do editor Sérgio Bonelli num western diferente do Tex que lhe deu fama e fortuna. Um Western mais intimista, mais próximo da natureza, protagonizado por pessoas vulgares, que vivem os seus dramas como qualquer mortal. Mais do que um cowboy, Parker é um caçador, na linha da personagem interpretado por Robert Redford no filme Jeremiah Johnson, de Sidney Polack (que passou em Portugal com o título As Brancas Montanhas da Morte) a quem aliás vai buscar os traços fisionómicos.
Num mercado como o italiano, em que as equipas criativas alternam bastante, Berardi e Milazzo constituem um caso à parte, assumindo Ken Parker como um projecto marcadamente pessoal, que traduz os gostos e as referências cinematográficas e literárias dos seus criadores, alimentadas numa infância e adolescência passadas em grande parte nos cinemas de Génova.
Depois de ter descoberto com Ken Parker, o traço personalizado de Milazzo, um desenho extremamente depurado, mas de grande força plástica e rigor de composição, com um enorme dinamismo, na linha de outro grande mestre italiano, Hugo Pratt, voltei a encontrá-lo em Sangue no Colorado, um “Texone” escrito por Claudio Nizzi, em que o desenhador prova que está tão à vontade nas aventuras cheias de acção do ranger Tex, como a desenhar as aventuras mais intimistas do caçador Ken Parker.
Graças às edições da Mythos e da Ópera Gráphica, importadas do Brasil, pude ir matando saudades da dupla Berardi/Milazzo, em aventuras de Ken Parker, ou em histórias curtas sem heróis, como as recolhidas nos álbuns Contrastes e Noturno, mas do que li, os momentos mais inspirados desta dupla em perfeita sintonia, são duas histórias de Ken Parker: A Terra dos Heróis, uma pérola de metalinguagem, em que os autores surgem com personagens e o herói dialoga com os leitores, repleta de homenagens cinematográficas e Um Príncipe para Norma, em que o traço depurado de Milazzo dialoga com o desenho carregado de Giorgio Trevisan, numa belíssima homenagem a Marilyn Monroe.
Mais recentemente, voltei a encontrar o desenho de Milazzo, agora enriquecido pela cor directa, em Impeesa, uma biografia em BD de Baden Powell, o fundador do escutismo, escrita por Paolo Fizzarotti, mas, apesar da eficácia do argumento de Fizzarotti, confesso que senti alguma estranheza quando me apercebi que, na capa, ao lado do de Milazzo, estava outro nome que não o de Berardi…
Texto originalmente publicado no nº 7 da revista Splaft!, em Maio de 2011

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