sábado, 19 de junho de 2010
Fábio Moon e Gabriel Bá
Nem todos se podem gabar de, em pouco mais de 10 anos, passarem de um fanzine semanal fotocopiado, vendido junto dos amigos, para o catálogo das principais editoras americanas, como a Vertigo (ramo adulto e autoral, da poderosa DC Comics), Dark Horse e Image, mas é esse o percurso de Fábio Moon e Gabriel Bá, dois autores brasileiros, irmãos gémeos desde 1976, que juntos, ou separados, se têm afirmado como dos mais importantes autores da actualidade.
Interessados desde a infância pela Banda Desenhada, Moon e Bá formaram-se em Artes Plásticas em Faculdades diferentes, mas a vontade de contar histórias em Banda Desenhada já existia antes disso, embora se resumisse a histórias soltas e a experiências efémeras em fanzines. O verdadeiro início da carreira da dupla dá-se em 1996, numas férias na Califórnia em que conhecem Shane Amaya, argumentista que os convida a colaborar com ele numa história medieval chamada "Roland", desenhada por Moon e colorida por Bá, que acabaria por só ser publicada quatro anos depois, em 2000, graças a uma Bolsa da Xeric Foundation.
Ao mesmo tempo que começam a trabalhar em ROLAND, Moon e Bá decidem criar um fanzine semanal, com histórias curtas, de poucas páginas, para venderem aos amigos. Inicialmente, o fanzine era suposto chamar-se "2B or not 2B", mas Laerte, que tinha sido convidado para fazer uma página de BD por nº, achou que o nome em inglês não tinha nada a ver com os autores e com as histórias que eles queriam contar. Foi então que decidiram mudar o nome para “10 Pãezinhos”.
Depois de algumas histórias curtas, a dupla decide aventurar-se em histórias de maior fôlego, como “O Girassol e a Lua”, publicada em 7 capítulos no fanzine “10 Pãezinhos”, que para o efeito aumentou o número de páginas e duplicou a tiragem, entregando a distribuição a nível nacional à Devir, então especializada na importação e distribuição de comics americanos e jogos de tabuleiro. Posteriormente, as histórias publicadas em “10 Pãezinhos” foram sendo recolhidas em livro, como aconteceu com “O Girasol e a Lua” e “Meu Coração Não Sei Porquê (publicada nos EUA com o título Úrsula”), enquanto a dupla ia procurando alargar a sua presença no mercado americano, de modo a conseguir viver da BD.
Conforme refere Gabriel Bá, no Blog da dupla esse processo de internacionalização foi acontecendo de modo natural: “ um trabalho chama o outro (no caso, um quadrinho independente que fizemos, o ROCK'n'ROLL, chamou a atenção do editor da Image, que nos colocou em contato com o Matt Fraction, e desse contato fizemos o CASANOVA, que chamou a atenção do Scott Allie, editor da Dark Horse, que nos colocou em contato com o Gerard Way, e daí veio o Umbrella Academy, que foi o primeiro trabalho de Quadrinhos que pagava nossas contas).”
Escrito por Gerard Way, vocalista dos My Chemical Romance, "Umbrella Academy" foi o trabalho que mais contribuiu para a popularidade de Gabriel Bá nos EUA, mas tal como acontece com "Casanova", de Matt Fraction, série desenhada sucessivamente pelos dois irmãos, ou com "BPRD 1947", a série paralela ao universo de Hellboy de Mike Mignola, é mais uma série em que os dois irmãos, que têm muitas histórias para contar e sabem muito bem como o fazer, despendem o seu talento a contar as histórias de outros. O que já não acontece em "DE: Tales", uma colectânea de histórias da série “10 Pãezinhos”, publicada pela Dark Horse.
Mas a melhor maneira de descobrir o universo de Gabriel Bá e Fábio Moon, para além das edições brasileiras de “10 Pãezinhos” que a Devir distribuiu em Portugal (Fanzine, Crítica e Mesa para Dois) é através da série "Daytripper", uma série em 10 volumes, em publicação pela Vertigo, de que já saíram, no momento em que escrevo este texto, cinco edições. Definida muito simplesmente pelos seus autores como “uma história sobre a vida”, cada capítulo de Daytripper incide sobre um momento específico da vida de Brás de Oliva Domingos, o filho de um escritor famoso que ser ele próprio também escritor, e sobre a forma como as escolhas que faz podem modificar a sua vida.
Intimista e surpreendente, Daytripper mostra a dupla ao seu melhor nível, numa história profundamente brasileira nos cenários e nas personagens, mas que lida com questões universais. Numa entrevista sobre as influências literárias por trás de Daytripper, a dupla fala de Jorge Amado, Will Eisner, Fernando Pessoa, João Guimarães Rosa e Machado de Assis. De todas estas influências, a de Machado de Assis, escritor do século XIX, contemporâneo do nosso Eça de Queirós, é a mais evidente e a mais constante em toda a obra da dupla, que adaptou à BD o conto "O Alienista", de Machado de Assis. Não só Brás, o protagonista de Daytripper tem o mesmo nome que outro Brás, o das Memórias Póstumas de Brás de Cubas, um dos mais célebres romances de Assis, mas também pela forma como termina cada capítulo, Daytripper podia perfeitamente ter como sub-título, As Memórias Póstumas de Brás de Oliva Domingos…
Texto originalmente publicado no Splaft! nº 6, revista/Catálogo do Festival de BD de Beja, em Maio de 2010
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