sexta-feira, 20 de abril de 2018

Colecção Bonelli 2 - Dampyr: Aventuras em Portugal


Colecção Bonelli - Vol 2 
Dampyr – Aventuras em Portugal
Quinta-feira, 19 de Abril
Argumento – Mauro Boselli e Giovanni Eccher
Desenhos – Alessandro Bocci e Maurizio Dotti
Por + 10,90€

Como geralmente acontece quando sou eu a autor da introdução do volume, deixo-vos com essa mesma introdução. Quanto ao texto de apresentação que escrevi para o jornal Público, basta carregar na respectiva imagem, aqui ao lado,  para o poder ler.

UM CAÇADOR DE VAMPIROS EM PORTUGAL

Seja através do cinema, da literatura, ou da BD, a figura do vampiro está cada vez mais enraizada no imaginário da cultura de massas, tanto no Ocidente, como no Oriente. Um sucesso natural, a que não é alheia a grande carga erótica inerente ao conceito de um ser imortal, que suga a vida às suas presas. Um fascínio que tem sido devidamente aproveitado pelo cinema, mas também pela BD, que ao longo de décadas tem sabido reinventar esse arquétipo das mais variadas formas.
Foi o que aconteceu também com Mauro Boselli e Maurizio Colombo, dois argumentistas habituais da casa Bonelli ao criarem em 2000 a série Dampyr, a quem este volume é dedicado. De acordo com o folclore das Balcãs, o Dampyr é fruto da união de um vampiro com uma mulher mortal, sendo por isso alguém que está entre dois mundos e cujo sangue pode destruir os vampiros. O herói involuntário desta série é Harlan Draka, um Dampyr que no início não tem consciência dos seus extraordinários poderes, nem sabe bem como usá-los, mas que acaba por descobrir que, embora tenha conseguido não se envolver na guerra que assola a sua região, não vai poder deixar de tomar partido na guerra contra os vampiros, como Gorka, o mais poderoso vampiro da região, contando como aliados com um militar, Kurjak, e com Tesla, uma vampira que se quer libertar da influência do seu senhor, Gorka.
Boselli e Colombo escolheram como cenário inicial para a aparição do mal simbólico (os vampiros) um espaço martirizado pela guerra, onde o mal é bem real: os Balcãs. Mas os países que formavam a antiga Jugoslávia são apenas a primeira etapa no eterno combate entre o Dampyr e os vampiros. Um combate que vai levar Harlan Draka a diversos países, incluindo Portugal, cenário das duas aventuras que este volume recolhe.
A primeira, O Esposo da Vampira, assinada por Mauro Boselli e Alessandro Bocci,  publicada originalmente em Itália no  nº 75 da série mensal, leva Harlan Draka e o seu amigo Kurjak até Trás-os-Montes, investigar a lenda do Castelo de Monforte da Estrela, que dizem estar assombrado por uma vampira.
E, se os autores mostram grande cuidado na descrição da aldeia fictícia de Riba Preta, ou no Castelo de Monforte da Estrela, já em termos históricos, a coisa resvala um pouco, quando Mauro Boselli põe uma das personagens a dizer que o Castelo tinha a forma actual desde o reinado de D. Dinis, que o erigiu para manter os mouros longe. O problema é que Dom Dinis, que nasceu em 1261 e só se tornou Rei em 1279, nunca teve propriamente que se preocupar com os Mouros, que tinham abandonado o território português antes de ele nascer, em 1249, ano em que a conquista de Faro, Albufeira e Silves, por Dom Afonso III, pai de Dom Dinis, põe oficialmente fim à reconquista portuguesa, pelo que a preocupação de Dom Dinis seriam os castelhanos, nunca os mouros... De qualquer modo, estamos perante uma obra de ficção, não um tratado de História, em que Bocci desenha de forma perfeita os cenários transmontanos e tanto os nomes portugueses, como algumas expressões coloquiais, aparecem correctamente escritos. Apesar desse rigor, habitual na casa Bonelli  Portugal aqui pouco mais faz do que ceder as suas paisagens para cenário de uma história que gira em torno do cinema, homenageando, de forma mais ou menos directa, os grandes clássicos do cinema de terror, mas também da BD (veja-se o mordomo Osgood, a quem Bocci dá as feições inconfundíveis do Uncle Creepy, o anfitrião das revistas de terror da editora Warren).
A cena inicial do livro, que acaba por se revelar como uma sequência de um filme de terror, na linha das produções da Hammer, ou das adaptações dos contos de Edgar Poe produzidos por Roger Corman, dá logo o tom, acentuado pelos diálogos. Roland Kirby, assume que pretende ser o Roger Corman do século XXI e transformar a sua actriz na reencarnação de Barbara Steele (a actriz de La Maschera del Demónio, um clássico do mestre do terror italiano, Mário Bava, que já tinha servido de base a uma aventura de Dylan Dog), enquanto que o actor Eddie Chapman evoca Dário Argento, para além de Corman e Bava.
Mas a maior citação cinéfila acontece na cena em que Lucy é fechada dentro de um caixão. Cena que não pode deixar de evocar a mais célebre sequência do filme La Paura de Lúcio Fulci, que Tarantino também homenageou no seu Kill Bill. E, prosseguindo com as metáforas cinematográficas, não é demais salientar o trabalho de Alessandro Bocci como director de fotografias deste filme de terror em papel, com o extraordinário desenhador italiano, que tem trabalhado sobretudo na série Tex, a mostrar um traço clássico, de grande pormenor e legibilidade, muito bem servido por um excelente uso de tramas.
Harlan regressa a Portugal em Tributo de Sangue, história de Giovanni Eccher e Maurizio Dotti, publicada em Itália no Dampyr 147, em 2012, desta vez para fazer a rota do Vinho do Porto. Como refere Echer: “A história começa no Porto mas depois desloca-se para todo o vale do Douro: parte das construções de Vila Nova de Gaia e chega a Miranda do Douro, para depois voltar para os vinhedos dos produtores do Porto no meio dos quais se imagina que há um mosteiro que, embora inventado, é graficamente inspirado em vários conventos e mosteiros portugueses, como o Convento de Cristo em Tomar e o Mosteiro de Santa Maria em Alcobaça.”
Se na primeira história, Boselli tinha inventado a trama sem nunca ter posto os pés em Portugal, no caso de Eccher foram precisamente umas férias em Portugal a estar na origem do episódio. Como refere o escritor: “O motivo por que a trama é ambientada nesses lugares é muito simples: eu fiquei impressionado durante uma belíssima viagem a Portugal. Além disso, como a minha namorada é dona de uma enoteca em Milão, ela foi a minha guia entre os exportadores de Vila Nova de Gaia, que nos acolheram com muita cortesia e nos permitiram visitar as suas caves e provar os seus produtos.”
E aqui, mais do que cenário, o Porto e Portugal influenciaram a evolução da própria história, pois como refere Eccher: “na história também há um fantasma que se manifesta num trajo típico mirandense, um traje que achei realmente inquietante. E há ainda uma cena de acção que acontece na ponte D. Luís I, que eu imaginei no local e depois inseri no roteiro quando regressei a Itália.”
Já Dotti, que nunca tinha estado no Porto, reconstitui os cenários portugueses com grande rigor, tendo por base as fotografias que Eccher tirou durante as férias, confirmando que não é só um excelente desenhador de cenas de acção.
São estas duas belas aventuras de Dampyr, ambientadas no nosso país, que os leitores portugueses vão finalmente poder ler nas páginas seguintes deste segundo volume da colecção dedicada à editora Bonelli e aos seus mais carismáticos personagens.

Sem comentários: