Quem poderia imaginar que uma personagem criada inicialmente para ter apenas uma participação esporádica num episódio da série de televisão Batman: The Animated Series acabaria por se tornar, 25 anos depois da sua estreia, numa das mais conhecidas personagens do Universo DC. Uma personagem que só é ultrapassada em popularidade, que não em vendas, pela trindade Batman, Super-Homem e Mulher-Maravilha e que chegou a estar presente simultaneamente em três revistas mensais –Harley Quinn, Harley and her Gang of Harleys e Suicide Squad - para além de diversas mini-séries e números especiais. Uma personagem que é também a mais recriada pelos cosplayers (fãs que se mascaram em público das suas personagens favoritas) nos grandes Festivais de comics, como a San Diego Comic Con, ou a nossa Comic Con Portugal, que decorre esta semana em Matosinhos, e que chegou também ao cinema com igual sucesso, graças à excepcional interpretação da actriz Margot Robbie no filme Esquadrão Suicida.
Tudo em começou em 1992, no episódio Joker’s Favor da série de desenhos animados, Batman: The Animated Series criada por Dini e Timm, mas o que estava inicialmente previsto como uma aparição esporádica de uma ajudante do Joker vestida de Arlequim, que saia de dentro de um bolo, acabou por se transformar numa presença regular da série, face à imediata e extraordinária popularidade de Harley Quinn. Como refere Bruce Timm: “Quando o Paul (Dini) me falou em criar uma namorada para o Joker, eu achei que era boa ideia, por isso metemo-la no episódio Joker’s Favor.
Mas foi só quando a vimos, já animada, no ecrã, que toda a gente se apaixonou instantaneamente por ela. Era uma combinação da personalidade, da voz – a voz da actriz Arleen Sorkin – e do visual. É uma personagem fantástica. Apercebemo-nos logo que tínhamos acertado em cheio. Por mais que eu não quisesse usá-la muito, pois o seu lado mais divertido interferia com o nosso objectivo de tornar o Joker mais sinistro, a verdade é que todos adorávamos a personagem e por isso, o Paul enfiou-a em todos os episódios do Joker.”
A passagem da animação para a BD dá-se em 1993 no nº 12 da revista Batman Adventures, mas é no ano seguinte, com a novela gráfica Batman: Amor Louco, de Dini e Timm, história já publicada numa anterior colecção da Levoir, que a sua popularidade verdadeiramente explode pela primeira vez. Tudo começou com um convite de Denny O’Neil, um dos melhores escritores do Batman de sempre e então editor das revistas do Cavaleiro das Trevas, feito durante um almoço no San Diego Comic Con, para que Timm e Dini apresentassem uma proposta à DC para uma BD. Foi então que Paul Dini se lembrou de explorar a origem da Harley Quinn, que nunca tinha sido abordada na série de animação, revelando que Harley era inicialmente a Dra. Harleen Quinzel, uma Psiquiatra do Asilo Arkham, que acaba por se apaixonar pelo Joker, sendo arrastada por ele para o mundo da loucura, acabando por se transformar em Harley Quinn, a Arlequina, a sua namorada e cúmplice.
Para além da sua participação em aventuras do Batman, ao lado do Joker, com quem tem uma relação no mínimo complicada, em que é vítima de abusos e maus-tratos, Harley Quinn vai também integrar o novo Esquadrão Suicida, formar as Gotham City Sirens, com a Hera Venenosa e a Catwoman e ganhar a sua própria revista, mas a mudança que lhe garantiu um aumento exponencial de popularidade deu-se em 2013, já dentro da linha Novos 52, quando Jimmy Palmiotti e Amanda Conner, uma dupla de autores que são também marido e mulher, revitalizaram a personagem afastando-a de Gotham City e do Joker, numa nova revista, cuja fase inicial serve de base a esta colecção em três volumes.
Não foi a primeira vez que Harley Quinn teve a sua própria revista, pois já entre entre 2001 e 2003 tinha protagonizado uma série mensal que durou 38 números, em que colaboraram autores como Terry Dodson e Karl Kesel, mas esta nova série, em que surge com a nova imagem que ganhou na Linha Novos 52, mais próxima da que lhe conhecemos no cinema, do que do fato de Arlequim que envergou até então, teve um sucesso incomparável.
A mudança operada por Palmiotti e Conner na revista da Harley Quinn, foi tão simples como eficaz, fazendo-a abandonar o Joker e um passado ligado ao crime, recomeçando a vida noutro lugar: neste caso, Coney Island, um espaço que um nova-iorquino como Palmiotti, que nasceu no Brooklyn, conhece bem e que se revela o cenário perfeito para aventuras tão delirantes como divertidas, que incluem espiões na reforma, um texugo empalhado (que conversa com a heroína…) e heroínas e vilãs como a Poderosa e a Hera Venenosa (que, ficamos a saber pelo próprio Palmiotti, tem uma relação não-monogâmica com a Harley, cuja bissexualidade é assumida).
E com uma nova cidade, vem uma nova vida, com novos amigos, novos vizinhos e novos interesses amorosos, que os leitores poderão descobrir nesta colecção, mesmo que o seu passado com o Joker volte por vezes para a atormentar, como acontece numa das histórias do volume dois. Nas palavras de Jimmy Palmiotti: “Nós sabemos perfeitamente que ela tem esse passado. Não tentámos fazer como se esse passado nunca tivesse existido. Mas eu acho que é realmente importante que uma personagem possa crescer e é isso que nós estamos a tentar fazer com a Harley. Fazê-la crescer, ter novos relacionamentos, dar-lhe responsabilidades. E essa é outra razão porque ela é fantástica. Em Gotham não passava de um personagem secundário, enquanto que agora, que está em Coney Island, é ela a protagonista.
A colaboração entre os dois argumentistas é tão harmoniosa como o seu casamento e Amanda Conner descreve-a nestes termos: “sempre que me perguntam como é que escrever a Harley, respondo assim “o Jimmy constrói a casa e depois eu pinto-a e decoro-a”. Por isso, é mesmo um trabalho de equipa Eu não saberia exactamente o que fazer sem uma estrutura tão bem construída. Sabem, o Jimmy constrói mesmo casas fantásticas”
Fundamental para a nova casa que Pamiotti e Conner construíram para a Harley Quinn é o trabalho gráfico de Chad Hardin, o vencedor de um concurso internacional, em que participaram vários desenhadores portugueses, para escolher o desenhador de Harley Quinn. Hardin, contando com a colaboração ocasional de Stephane Roux e John Timms, cria uma Harley tão sexy como divertida, enchendo as pranchas de detalhes engraçados, que fornecem um nível de leitura suplementar. Mas tal como acontecia na série Jonah Hex, Palmiotti não perde uma oportunidade de colaborar com os melhores desenhadores do mercado. Algo bem patente na história publicada no Harley Quinn nº 0, que abre esta colecção, ou na aventura passada na Comic Con de San Diego, no volume 3, em que está igualmente patente, outra característica fulcral desta série: o uso da metalinguagem, através do quebrar constante da “quarta parede”, com a própria Harley, consciente de que é uma personagem de BD, a conviver com os seus criadores e com os editores e autores da DC, que se tornam eles próprias personagens destas mesmas histórias.
Mas o melhor elogio ao trabalho de Palmiotti e Conner, vem do próprio Bruce Timm, o criador da Harley Quinn, que refere: “o Jimmy e a Amanda inventaram uma excelente versão da Harley que a mantém relevante para os leitores actuais. Mantém a diversão e mantém-na divertida. É sempre fiel à personagem e é sempre nova. Adoro realmente ser surpreendido, como os outros leitores, em cada novo número e descobrir o que é que eles inventaram desta vez.”
Ironicamente, o momento em que a etapa de Palmiotti e Conner na Harley Quinn chega finalmente em Portugal coincide com o fim dessa etapa nos E.U.A, pois no dia 20 chega às Livrarias de Comics americanas, o nº 38 da série mensal, que é último escrito pela dupla, que será substituída pelo escritor Frank Tierry. Uma etapa de quatro anos, iniciada em Agosto de 2013, no mesmo mês do seu casamento, que agora chega ao fim porque, como refere Palmiotti: “Achámos que talvez fosse uma boa altura para fazer uma pausa, ir em Lua-de-mel, talvez gastarmos um com o outro algum do dinheiro que ganhámos, e termos tempo livre para gozar a vida e conhecermo-nos melhor. Adoramos a personagem, mas sabemos que, por vezes, estás a trabalhar num livro e as vendas caem e a personagem deixa de ser popular. Por isso, achámos melhor fazer uma pausa agora, que a personagem está no auge da sua popularidade.”
Para Amanda Conner, que desenhou mais de 100 capas da Harley Quinn, esta paragem é uma oportunidade de voltar ao seu principal amor: o desenhar BD. Algo de que teve de abdicar devido ao seu trabalho como co-argumentista numa série que, durante algum tempo, chegou a sair quinzenalmente.
Mais do que um “Adeus”, os autores dizem “Até Já” a Harley Quinn, pois ideias para novas aventuras da personagem são coisas que não lhes faltam. Como Palmiotii confessa: “o caderno onde a Amanda guarda os seus esboços e ideias para novas histórias da Harley Quinn é do tamanho de uma bíblia”. Ou seja, não faltam boas ideias para um eventual regresso, para além da garantia da DC de que seriam recebidos de braços abertos.
1 – Harley Quinn: À Solta na Cidade
14 de Dezembro
Argumento – Jimmy Palmiotti e Amanda Conner
Desenhos – Chad Hardin, Stéphane Roux e outros
Como é que uma rapariga se pode descobrir a si mesma no meio da confusão do Universo DC? Nada mais fácil que falar com os artistas que a desenham e escrevem, e impor algumas regras! Esta aventura surreal ilustrada por alguns dos maiores nomes dos comics, dá o ponto de partida para a nova vida de Harley Quinn, escrita por Jimmy Palmiottti e Amanda Conner. No início desta nova série, Harley herda de um dos seus pacientes no Asilo Arkham, um prédio de habitação e comércio em Coney Island, Nova Iorque, o que lhe dá a oportunidade perfeita de recomeçar a vida longe de Gotham e do Joker. Mas, os impostos e os custos de manutenção do edifício são elevados e as rendas pagas pelos peculiares inquilinos não cobrem estes custos, o que obriga Harley a voltar a trabalhar como psiquiatra num lar de idosos de dia, e integrar uma equipa de Roller Derby à noite, para poder pagar as contas. Se a isto juntarmos os inúmeros assassinos que aparecem, atraídos por uma recompensa de dois milhões de dólares pela sua cabeça e uma rede de antigos espiões do KGB, que vai ajudar Sy Borgman, um agente reformado da CIA, a desmantelar, vemos que a nova vida de Harley está bastante preenchida.
2 – Harley Quinn: Miúdas sem Regras
21 de Dezembro
Argumento - Jimmy Palmiotti e Amanda Conner
Desenhos – Chad Hardin, Stéphane Roux e Marco Failla
Russos e ursos, assaltos a bancos, peças de teatro e jogos de Roller Derby. Descoberto o mistério sobre quem lhe tinha colocado a cabeça a prémio, há ainda muito com que Harley Quinn se pode entreter, para variar do seu enfadonho negócio de ser proprietária de um edifício em Coney Island, Nova Iorque! Sobretudo se conseguir juntar um grupo de amigas e não se deixar limitar por nenhumas regras. Regras que não existem no clube de combate clandestino que Harley descobriu, onde mais ganhas consoante os adversários que derrubares. Com um agente como Sy Borgman, o velho espião cheio de partes biónicas, a representá-la, Harley tem tudo para arrasar… em todos os sentidos.
Neste segundo volume, há ainda espaço para recontar, numa perspectiva diferente, a origem secreta de Harley Quinn, numa história ilustrada por Stéphane Roux.
3 –Harley Quinn: o Fim da Macacada
28 de Setembro
Argumento – Jimmy Palmiotti e Amanda Conner
Desenhos – Chad Hardin e outros
A Poderosa é atirada do seu mundo alternativo para a Terra, e não se lembra de quem é. Uma oportunidade perfeita para Harley Quinn se transformar finalmente naquilo que ela sempre quis ser... uma super-heroína. Num futuro alternativo, Harley sofre um acidente de avião e vai parar a uma ilha tropical, onde o Joker é adorado como um Deus e parece querer fazer dela novamente a sua princesa. Isto se os indígenas locais não os sacrificarem antes, para apaziguar a fúria do vulcão…
Finalmente, numa história onde volta a derrubar a “quarta parede”, Harley decide ir à Comic Con de San Diego para falar com um editor que publique o seu comic, e encontrar os seus editores e criadores. Um final tão divertido quanto épico, que conta com a arte de inúmeros artistas convidados, como Paul Pope, Javier Garrón, Damion Scott, Amanda Conner, John Timms, Marco Failla e Dave Johnson.
Textos publicados originalmente no jornal Público de 14/12/2017
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