domingo, 3 de junho de 2012

O Diário de Marco Mendes

Apesar da crise, o mercado editorial da BD mantém-se activo e têm chegado ás livrarias nacionais algumas belas surpresas. A mais recente foi o “Diário Rasgado”, de Marco Mendes, numa coedição da Livraria/Galeria Mundo Fantasma, da distribuidora Turbina e do projecto A Mula, que fixa numa bela edição em capa dura, o principal da actividade de Marco Mendes no campo da BD. Nascido em Coimbra, em 1978, mas residindo actualmente no Porto, Marco Mendes trabalha como professor na área do desenho e da Banda Desenhada, no Porto e em Guimarães. Enquanto autor de BD e ilustrador, Marco Mendes tem uma vasta produção, dispersa por fanzines e revistas - muitos deles coeditados com Miguel Carneiro, no âmbito do projecto A Mula - e principalmente pelo seu blog, Diário Rasgado, que como o próprio nome indica, funciona como um registo, entre o real e o ficcionado, do dia-a-dia do seu autor.
São precisamente esses trabalhos, publicados no seu blog, entre 2007 e 2012, e em diversos fanzines, que este livro recolhe, num todo coerente, que permite acompanhar a evolução do trabalho de Mendes. E, apesar das diferentes técnicas usadas e da notória evolução do traço, a grande coerência deste livro é a primeira surpresa, pois o embora registo inicial humorístico vá progressivamente dando lugar a um tratamento mais intimista e de grande qualidade plástica, essa evolução surge de forma natural e sem grandes descontinuidades, consequência de um trabalho de edição, que limpa algumas imagens com mais ruído, ajusta as cores para criar uma harmonia com a página do lado e reduz algumas histórias ao esquema dos quatro quadrados por página (um bom exemplo é a história “Superbacana”, inspirada numa canção de Caetano Veloso e que foi originalmente publicado no fanzine “Efeméride”, de Geraldes Lino, numa versão a preto e vermelho e com um vinheta panorâmica inicial, que é suprimida neste livro.
Mas, para mim, o melhor de Marco Mendes está nas belíssimas histórias sem palavras. Momentos contemplativos, ou de reflexão social, que revelam um perfeito domínio da narrativa e uma técnica, pictórica e de desenho, notáveis. Falo de páginas como “Alentejo”, “Saudade”, “Barcelona- Passeig de Gracia”, “Flirt”, Águas Passadas”, ou “Domingo à Noite” (esta última publicada por 3 vezes, no fanzine “Efeméride”, no catálogo da Exposição “Cartografias da Memória e do Quotidiano”, de Guimarães 2012 e neste livro, sem que, em nenhum dos casos a reprodução faça justiça ao desenho original…) Para além da forma tocante como se expõe, em histórias em que a fronteira entre a ficção e a autobiografia é difusa, o trabalho de Marco Mendes tem o mérito suplementar de contribuir para o desfazer do mito de que os autores de BD autobiográfica não sabem desenhar. Goste-se mais do registo mais espontâneo, a marcador, ou das histórias pintadas, é inegável a qualidade do traço de um autor que (aqui fica o aviso para os leitores de Coimbra) estará na Feira do Livro de Coimbra, este domingo, 3 de Junho, pelas 17h, no stand da Livraria Dr Kartoon, a autografar este belíssimo “Diário Rasgado”. (“Diário Rasgado”, de Marco Mendes, Mundo Fantasma/Associação Turbina/A Mula, 84 pags,15,90 €) Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 02/06/2012

4 comentários:

Geraldes Lino disse...

João Lameiras
A crítica ao álbum de Marco Mendes está muitoboa.
Uma pequena correcção: o título do meu fanzine (para onde foi criada a bd "Domingo à Noite", protagonizada por Corto Maltese") é "Efeméride" e não "Efemérides".
Quanto a dizeres que em nenhum dos três suportes em que essa bd curta foi reproduzida faz justiça ao original, tens mais sorte do que eu. Apesar de a bd auto-conclusiva ter sido feita, por ideia minha, para a obra colectiva "Corto Maltese no Século XXI", eu apenas a recebi por email, e também achei que a imagem do Corto malse distinguia, pelo que pedi ao Marco Mendes para aclarar a imagem,por muito pouco que fosse.
Mas o MM respondeu-me que assim é que ele gostava, e sabes como não se pode discutir uma obra com o respectivo autor...
Aproveito para te dizer que tenho um exemplar do fanzine Efeméride para te oferecer, quando vieres a Lisboa, atendendo à tua categoria de bloguista (ou bloguer) e de colaborador "freelancer" do jornal "Diário As Beiras".
Abraços.
GL

JML disse...

Olá Lino,
Tens razão! Já tirei o S a mais no Efeméride. Estou morto por ler o Efeméride, pois pelo que vi na exposição em Beja, este é sem dúvida o melhor Efeméride" que já coordenaste.
Abraço,

Geraldes Lino disse...

Olá Lameiras
Essa de dizeres que "estás morto por ler o Efeméride" é simpática, mas não há maneira de apareceres.
Se fosse o Benfica a jogar com o Rilhafoles Futebol Clube, vinhas logo a correr.
Ou seja:Futebol 1 - BD 0
Abraços.

JML disse...

Por acaso, da última vez que estive em Lisboa, foi quando o Benfica ganhou 5-2 ao Real Madrid, para a Eusébio Cup, mas foi mera coincidência... Não tenho é culpa que tu estivesses no Algarve...
Abraço