domingo, 8 de setembro de 2019

Novela Gráfica V 10 - As serpentes Cegas




EXILADOS EM NOVA IORQUE

Novela Gráfica IV – Vol. 10
As Serpentes Cegas
Argumento – Felipe Hernández Cava
Desenhos – Bartolomé Segui
Quinta-feira, 29 de Agosto
Por + 10,90€
Mais   de 70 anos volvidos sobre o seu início, a Guerra Civil de Espanha deixou feridas ainda não completamente cicatrizadas. Se para muitos estrangeiros, de Hemingway a Hugo Pratt, aquela foi a “última guerra romântica”, para os espanhóis foi um momento de horror difícil de esquecer, até porque arrastaria consigo a longa ditadura franquista. Não admira, por isso, que seja um tema em destaque na Novela Gráfica espanhola contemporânea, como o provam títulos como Os Trilhos do Acaso e este As Serpentes Cegas. Vencedor do Prémio Nacional del Cómic em 2009, As Serpentes Cegas reúne o desenhador Bartolomé Segui - que os leitores do Público conhecem de Histórias do Bairro e da adaptação do romance Tatuagem, de Manuel Vazqués Montalbán, publicados em colecções anteriores - ao escritor Filipe Hernández Cava.

Formado em História de Arte e tendo trabalhado como guionista para televisão e como curador de exposições, Cava é um dos nomes principais da ascensão da BD de autor em Espanha após a morte de Franco, graças à sua participação no colectivo El Cubri, e ao seu trabalho como director editorial de dois títulos míticos da movida madrilena, as revistas Madriz e Médios Revueltos. Como argumentista, foi responsável por obras como a trilogia dedicada a Lope de Aguirre, desenhada por Enrique Breccia, Federico del Barrio e Ricard Castells, Las Memórias de Amorós, e O Artefacto Perverso, que era o único título seu editado em Portugal até agora.
Desenhado por Federico del Barrio, O Artefacto Perverso arrebatou os prémios de melhor álbum espanhol e de melhor argumento no Salão de Barcelona de 97 e foi a primeira reflexão importante de Cava sobre a Guerra Civil espanhola, embora a acção da história decorra no período imediatamente a seguir, no auge do Franquismo. Homenagem aos desenhadores da época de ouro do tebeo espanhol, e em especial a Vanó, o autor da série Roberto Alcazar yY Pedrín, O Artefacto Perverso era também uma interessante reflexão sobre a memória e uma arrojada experiência sobre o uso da BD como meta-linguagem, com o   traço versátil de del Barrio a adaptar-se de forma espantosa aos diferentes níveis da história, de um autor de BD que cala aquilo que vê e esconde aquilo que sente.
Menos experimental em termos estéticos, com um tratamento gráfico e um formato que remetem para a Banda Desenhada franco-belga clássica e um tratamento narrativo próximo do policial negro americano, com o uso da clássica narração na primeira pessoa, As Serpentes Cegas é o culminar das reflexões de Cava sobre a Guerra Civil espanhola, e aquele livro em que, continuando a ter a memória como tema dominante, a guerra está presente de forma mais directa. Obra que critica de forma dura os excessos cometidos em nome das ideologias, As Serpentes Cegas, reflecte a própria evolução de pensamento do seu autor, que afirmou numa entrevista : “antes acreditava que a verdade era sempre revolucionária, mas agora vejo que a verdade tem muitas zonas de sombra e eu gosto de me mover nessas zonas de sombra onde muito pouca gente se atreve a transitar.“Antes, acreditava que a verdade era sempre revolucionária, mas agora vejo que a verdade tem muitas zonas cinzentas, e a mim, dá-me gozo mover-me nessas zonas de sombra, pelas quais são poucos os que se atrevem a passar.”
História de vingança entre sobreviventes espanhóis da Guerra Civil, exilados em Nova Iorque, As Serpentes Cegas confirma Cava como um dos maiores argumentistas da No-vela Gráfica espanhola, mas também a importância de Bartolomé Segui como um dos grandes desenhadores da sua geração. O desenhador maiorquino declarou na entrevista para o catálogo da Exposição dedicada aos 10 anos do Prémio Nacional del Cómic que: “a nossa intenção não era fazer uma Banda Desenhada da Guerra Civil, mas sim aproveitar uma situação histórica concreta para fazer um comic que nos servia para falar de outras coisas: o fracasso das utopias, os “esquecidos” da História, etc...”.
Um objectivo cumprido com distinção, também muito por força da excelência do trabalho gráfico de Segui.
Publicado originalmente no jornal Público de 31/08/2019

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