domingo, 4 de setembro de 2016

Novela Gráfica II 12 - Fogos & Murmúrio


MATTOTTI, OU A FORÇA DRAMÁTICA DA COR

Novela Gráfica – Vol. 12
Fogos e Murmúrio
01 de Setembro
Argumento – Mattotti e Kramsky
Desenho – Lorenzo Mattotti
Por + 9,90€
No volume da próxima quinta-feira, o destaque da colecção Novela Gráfica vai para o italiano Lorenzo Mattotti, autor do livro que recolhe duas das suas novelas gráficas mais emblemáticas: Fogos e Murmúrio.
Nascido em Brescia em 1954, Mattotti estudou arquitectura, mas cedo acabou por trocar essa área pela Banda Desenhada e pela ilustração, começando a publicar em revistas em Itália e em França a partir de meados da década de 70, fazendo parte integrante do grupo Valvoline, a que pertenciam autores como Igort, Pazienza e Massimo Matiolli. A solo, ou em colaboração com argumentistas como Jerry Kramsky (pseudónimo literário do seu amigo Fabrizio Ostani) que assina o argumento de Murmúrio, Mattotti assinou uma série de trabalhos de grande qualidade, em que explorou como poucos as potencialidades dramáticas e narrativas da cor, como é o caso das histórias reunidas no volume 12 desta Série II.
Fogos, em particular, representa um momento de viragem da obra de Mattotti, pela utilização de uma técnica pictórica em que a cor assume uma função dramática e narrativa, traduzindo emoções. Como refere Mattotti: “Com Fogos, consegui estabelecer uma relação muito estreita entre as cores, os desenhos e as emoções que queria expressar. Utilizando pasteis bem grossos para criar as montanhas, para representar o poder da natureza, e lápis para colocar as personagens, conseguia ver por fim nas páginas aquilo que estava escondido em mim. A história converteu-se na minha própria viagem e fiz nela a aprendizagem técnica que permitiu exprimir as minhas emoções sem ter que as contar. Nalgumas páginas, cheguei a roçar a abstracção. A composição era uma obsessão para mim. Às vezes, voltava a cortar as pranchas acabadas para poder misturar as vinhetas e conseguir manter o ritmo, para conservar a tensão. É por isso que reivindico ser um verdadeiro autor de BD. As vinhetas de Fogos não são uma sucessão de pinturas; formam uma história.”
A utilização na BD de técnicas características da pintura faz com que, para alguns dos seus colegas mais tradicionalistas, Mattotti seja mais um pintor e ilustrador do que autor de BD (o que poderá ser uma das razões porque ainda não ganhou o Grande Prémio de Angoulême). Mas para Mattotti, essa questão nem sequer se põe. Como o próprio salienta: “não aprecio grandemente essa divisão estrita entre as disciplinas artísticas. Quando tenho uma história que pretendo contar, quer seja minha, ou escrita por um amigo, tento contá-la através da BD. Por outro lado, quando faço ilustração, é o próprio leitor que imagina e evoca uma história, as emoções, com as imagens que eu desenho.” E a verdade é que, apesar de ser um ilustrador de renome mundial, com trabalhos publicados em revistas de prestígio como a Vogue, Cosmopolitan, Vanity Fair, Géo, Le Monde, ou New Yorker, Mattotti acaba sempre por regressar à Banda Desenhada.
Em Portugal, Mattotti tem publicados os livros O Homem à Janela (em que a cor dá lugar ao intimismo do preto e branco) e Doutor Jekkyl e Mr. Hyde (uma adaptação feita com Kramsky do romance O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson), para além de ter visto a sua obra exposta na Bedeteca de Lisboa e no Festival de BD de Beja, mas continua a ser um autor de culto, praticamente desconhecido dos leitores menos informados. Uma injustiça que esta edição conjunta do Público e da Levoir vem ajudar a corrigir.
Texto publicado originalmente no jornal Público de 26/08/2016

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