terça-feira, 5 de novembro de 2013

DC Comics Uncut 18 - Batman: Outros Mundos


OUTROS MUNDOS, O MESMO BATMAN

Todos conhecemos bem os principais heróis da DC comics. As suas origens, poderes, os seus principais amigos e adversários, o meio onde se movimentam… Mas, e se esses heróis familiares fossem retirados dos cenários habituais das suas aventuras e “transportados para outros tempos ou lugares - lugares que existiram, ou podiam ter existido, ou outros que não existem, não podiam, ou não deviam existir. O resultado são histórias que fazem com que as personagens que são tão familiares como o dia de ontem pareçam tão inovadoras como o dia de amanhã”.

Estas palavras, escritas por Denny O’Neil, definem com exactidão a premissa que orienta este volume e a linha Elseworlds, ou em português, Outros Mundos. Uma linha em que é dada aos autores a liberdade de pegar em personagens icónicas e imediatamente reconhecíveis, heróis clássicos como o Batman, Super-Homem e Mulher-Maravilha e transpô-los para contextos diferentes e inesperados, sejam épocas distantes ou mundos estranhos, jogando com essa diferença para criar histórias únicas, impossíveis de concretizar no contexto tradicional da cronologia regular do universo DC. Se as histórias imaginárias não eram exactamente uma novidade na DC Comics, sendo bastante frequentes durante a década de 60, especialmente nas revistas do Super-Homem editadas por Mort Weisinger que, não por acaso, era conhecido como “o rei das histórias imaginárias”, a linha Elseworlds, activa entre 1989 e 2005, veio desenvolver esse conceito, sem colocar qualquer limite às suas imensas potencialidades, levando-o até bastante mais longe do que Weisinger poderia sequer sonhar.  
As histórias protagonizadas pelo Batman que publicamos neste número exploram precisamente as imensas possibilidades proporcionadas pela linha Elseworlds, transpondo o Cavaleiro das Trevas para os finais do século XIX, onde tem de defrontar  Jack, o Estripador, numa Gotham City iluminada por candeeiros a gás e onde as sombras e o nevoeiro criam uma atmosfera tão misteriosa como sombria, ou transformando-o num vampiro de modo a combater a ameaça do mais poderoso de todos os vampiros, o Conde Drácula, ou ainda levando-o a enfrentar uma entidade lovecraftiana num cemitério, numa história em que as fronteiras entre o sonho e a realidade são demasiado difusas para serem perceptíveis.

Uma das razões que levaram Bruce Wayne a adoptar a imagem de um morcego, foi a necessidade de “infundir o terror no coração dos criminosos” e as três histórias que compõem este volume, mostram a forma como o terror e o Cavaleiro das Trevas podem andar de braço dado, ao tocarem diferentes géneros de terror. Gotham By Gaslight é um conto policial, com um clima de terror vitoriano, protagonizado pelo primeiro e mais famoso de todos os serial killers, Jack, o Estripador; Batman & Dracula: Red Rain é uma história de vampiros que tem Gotham City como cenário, mas uma Gotham City que parece saída do cruzamento entre a frieza de um filme expressionista alemão e a sensualidade dos filmes de vampiros da produtora Warren; enquanto que Sanctum é uma história de fantasmas, ambientada num cemitério e cheia de referências à obra de do escritor H. P. Lovecraft.
Publicada originalmente em 1989, Gotham by Gaslight é anterior à criação oficial da linha Elseworlds, mas foi posteriormente considerada como a primeira história do género, até porque foi o seu grande sucesso, tanto comercial, como crítico, que levou a DC a explorar de forma consistente as infinitas potencialidades deste tipo de histórias. Pensada originalmente para uma edição anual da revista Batman, a história, nascida de uma simples conversa entre o editor Mark Waid e o argumentista Brian Augustyn, rapidamente ganhou outra dimensão, graças ao entusiasmo do editor-chefe Dick Giordano e do desenhador Mike Mignola, cujo traço único, muito bem servido pela arte-final de P. Craig Russell contribuiu para a atmosfera sombria do livro.

Mignola, que tinha acabado de desenhar Cosmic Odissey, uma saga cósmica escrita por Jim Starlin, em que a Liga da Justiça se confronta com os personagens criados por Jack Kirby para o seu Fourth World, não pretendia continuar a ser conotado com as histórias tradicionais de super-heróis e Gotham By Gaslight permitia-lhe mudar de registo, numa história de época, em que a pesquisa histórica é fundamental, pois Bruce Wayne cruza-se com Sigmund Freud e personagens reais como Ted Roosevelt e os actores Conrad Vedlt e Bela Lugosi emprestam as suas feições a alguns dos protagonistas.
Publicada originalmente em 1991, e colocada pelo site especializado IGN Comics no Top Ten das melhores novelas gráficas protagonizadas pelo Cavaleiro das Trevas, Batman & Dracula: Red Rain, coloca o homem morcego em confronto com o mais famoso vampiro da literatura, o Conde Drácula, criado por Bram Stoker. Mas, mais do que ao romance original vitoriano, o livro escrito por Doug Moench presta homenagem ao cinema expressionista alemão dos anos 30, aos filmes de terror da Hammer, protagonizados por Peter Cushing e Christopher Lee e à arquitectura de Gaudí, contando com o contributo inspirado do traço pormenorizado de Kelley Jones e da arte-final de Malcom Jones III, dupla que estava perfeitamente à vontade a ilustrar histórias de terror e fantasia, por ter colaborado regularmente com Neil Gaiman na prestigiada série Sandman.

Publicada originalmente em 1993, no nº 54 da revista Legends of the Dark Knight, Sanctum não pode ser considerada como pertencendo à linha Elseworlds, mas o facto de assinalar o regresso de Mignola ao Batman depois de Gotham By Gaslight, de ser uma das melhores histórias de terror com o Batman como protagonista e de ser um momento incontornável da evolução do desenhador como criador, levaram-nos a incluí-la neste volume. Embora Dan Raspler surja creditado como argumentista, esta é uma história imaginada por Mignola, em que o seu universo estético e criativo já está bem presente. Ou seja, embora Sanctum seja uma história do Batman, o Mignola que conhecemos da série Hellboy, já é visível aqui e a história funcionaria igualmente bem se Hellboy substituísse o Cavaleiro das Trevas como protagonista. Veja-se a planificação, o uso das sombras, ou a utilização dos cenários, mais sugeridos do que representados, para criar um ambiente de terror gótico.

O próprio Mignola é o primeiro a reconhecer numa entrevista à revista Comic Book Artist a importância de Sanctum na criação de Hellboy: “era uma história de fantasmas, com o Batman e eu fiquei muito satisfeito com o resultado e com vontade de fazer mais histórias dessas. Será que devo criar mais histórias destas e tentar encaixar nelas o Batman, o Wolverine, ou outro personagem do género, ou devo criar um personagem meu especificamente para ser o protagonista desse tipo de histórias?”. O aparecimento de Hellboy, pouco tempo depois, não deixa dúvidas quanto à resposta encontrada por Mignola…
As aventuras do Batman da era vitoriana prosseguiram em Batman: Master of The Future, com o traço clássico e elegante de Eduardo Barreto a substituir, sem grandes vantagens o desenho mais ambiental de Mike Mignola, enquanto a trilogia de aventuras do Batman Vampiro, prosseguiu nas histórias Bloodstorm, de 1994, e Crimson Mist, de 1999, mas foi nas histórias incluídas neste volume que tudo começou. Tal como também é aqui que encontramos o ponto de viragem no estilo e na carreira de um dos mais influentes criadores de comics das últimas décadas, Mike Mignola.


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