domingo, 24 de março de 2013

Comprimidos Azuis: Amor nos tempos do SIDA


Depois da verdadeira pedrada no charco que foi a edição portuguesa de “Blankets”,de Craig Thompson, a Devir enriquece a coleção “Biblioteca de Alice”, com mais uma excelente novela gráfica, “Comprimidos Azuis”, de Frederick Peeters.
Nascido em Geneve em 1974, Peeters é um desenhador e ilustrador suíço, com uma obra relativamente vasta publicada no mercado franco-belga, tanto a solo como em colaboração com diferentes argumentistas, mas este “Comprimidos Azuis”, publicado em 2001, foi o livro que lhe valeu maior prestígio, traduzido no Prémio Topffer, atribuído pela cidade de Geneve, em 2001 e na nomeação para o Alph’Art de Melhor álbum no Festival de Angoulême em 2002, prémio que acabaria por perder para “Isac, O Pirata”, de Cristophe Blain.
História autobiográfica, centrada na vida de Peeters com a sua companheira e o filho dela, que são seropositivos (os comprimidos azuis do título, são os retrovirais que eles têm que tomar para impedir que a doença ataque o seu sistema imunitário), “Comprimidos Azuis” é o relato do quotidiano de uma família, que tenta viver uma vida normal, apesar da ameaça da doença. Um relato simples e extremamente humano, com momentos de humor e outros de angústia, tratados com um traço propositadamente simples e quase esboçado, que busca uma espontaneidade total, longe do aprumo gráfico de outro trabalhos de Peeters, como “Pachiderme”, ou “Chateau de Sable”.
Como refere o próprio Peeters, numa entrevista a Thiery Bellefroid: “o livro foi feito com a maior inconsciência. A ideia não era fazer um livro, mas sim um diário de uma relação. Impus-me como limitação não redesenhar ou reescrever nenhuma página. As soluções técnicas também foram voluntariamente simples para ir directo ao essencial: papel de fotocópia A4, caneta preta para o texto e caneta-pincel para o desenho. A ideia do livro só surgiu ao fim de 35 páginas, quando dei a ler o começo a Daniel Pellegrino, o editor da Atrabile, para saber a opinião dele.”
Mais de uma dezena de anos depois, mais de cinquenta mil livros vendidos, entre uma dezena de edições e outras tantas traduções, o livro chega finalmente às livrarias portuguesas, onde já se encontram outros títulos representativos da autobiografia em BD, como o já citado “Blankets”, mas também “Persepolis”, de Marjane Satrapi, ou “Fun Home”, de Alison Bechdel. Sem a carga literária (nem o pretensiosismo) de “Fun Home”, nem a relevância histórica de “Persepolis”, “Pílulas Azuis” é bastante superior em termos gráficos a estes dois títulos, pois, mesmo optando por um registo mais esboçado, Peeters é muito melhor desenhador, do que Satrapi ou Bechdel alguma vez serão, e as soluções visuais que encontra, como o rinoceronte que o segue, ou o mar que embala o sofá, enquanto conversam, são muito bem conseguidas.
Quanto à edição da Devir, bem impressa e de capa dura, tem o senão de (tal como já acontecia com o “Blankets”) ter uma sobrecapa bastante menos conseguida do que a capa original que esconde.
(“Comprimidos Azuis”, de Frederik Peeters, Devir/Biblioteca de Alice, 198 pags, 24,99 €) 
Versão Integral do texto publicado no Diário As Beiras de 23/03/2013

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