sexta-feira, 27 de setembro de 2013
DC Comics UNCUT 12: Arqueiro Verde: Os Caçadores
Ao contrário do que sucedeu com outros textos, desta vez a DC não me pediu que cortasse nada, mas sim que acrescentasse um parágrafo, sobre a presença do Arqueiro Verde nos New 52. Essa ausência de referência não resultou de nenhum esquecimento meu, mas sim de ter lido os primeiros números da nova revista do Arqueiro Verde e tê-la achado fraquíssima... Mas, já que tinha que escrever sobre esta fase mais recente, decidi fazer uma segunda tentativa. E ainda bem que o fiz, pois os números mais recentes, assinados por Jeff lemire e Andrea Sorentino, que assumiram a série a partir do nº 17, são excelentes e altamente recomendáveis! Espero falar deles aqui, quando sair o primeiro trade, mas até lá, deixo-os com a minha introdução para o volume dedicado ao Arqueiro Verde de Mike Grell.
UM CAÇADOR NA SELVA DE BETÃO
Tendo aparecido pela primeira vez em Novembro de 1941, no nº 37 da revista More Fun Comics, numa história escrita por Mort Weisinger e George Papp, o Arqueiro Verde surgiu inicialmente como uma espécie de cruzamento entre o Batman e Robin Hood, um justiceiro mascarado equipado com um arco e com uma série de flechas cheias de gadgets. E se muitos desses gadgets poderiam perfeitamente estar no cinto de utilidades do Cavaleiro das Trevas, em vez de na ponta de uma flecha, as semelhanças entre os dois heróis da DC não se ficam por aqui, pois Oliver Queen, tal como Bruce Wayne, também era milionário, combatia o crime sob uma identidade secreta, possuía um Carro-Flecha e um Avião-Flecha e tinha um jovem ajudante, Speedy, que tal como Robin, estava ali para facilitar a empatia dos pequenos leitores, que facilmente se imaginavam na pele do jovem “sidekick”, combatendo o crime ao lado do herói.
Talvez devido ao seu carácter derivativo, o Arqueiro Verde nunca se conseguiu afirmar o suficiente para ter direito à sua própria revista, mesmo quando foi desenhado por Jack Kirby, limitando a sua presença a histórias curtas e às participações na Liga da Justiça. Mesmo a etapa gloriosa de Denny O’Neil e Neal Adams, em que o arqueiro esmeralda dividiu o protagonismo com o Lanterna Verde, na revista deste último, em histórias incontornáveis que tivemos o privilégio de descobrir nesta colecção, durou pouco mais de um ano e não teve continuidade imediata.
Mas entre os muitos leitores ávidos do período incontornável de Adams e O’Neil, estava um jovem oficial da aviação deslocado em Saigão, no Sudoeste Asiático, chamado Mike Grell, que descobriu a série graças a um amigo recém-chegado da América. O próprio Grell descreve assim esse momento de verdadeira epifania: “fiquei perplexo porque, quando deixei de ler comics, como muitos adolescentes fazem quando começam a ficar mais interessados nas raparigas, o Batman ainda tinha um peito que parecia um bloco de madeira e o queixo quadrado. Fiquei chocado ao ver como os comics tinham evoluído, amadurecido! Os assuntos eram reais e o desenho era muito mais ilustrativo. Decidi logo ali que aquele era o tipo de histórias em que queria trabalhar.”
Nascido em 1947 no Wisconsin, Mike Grell estreou-se na Banda Desenhada em 1972, como assistente de Dale Messick, em Brenda Starr, uma tira diária publicada nos jornais, mas logo no ano seguinte mudou-se para Nova Iorque e começou a trabalhar para a DC, editora que publicou o seu primeiro grande sucesso, a série Warlord, que Grell escreveu e desenhou durante mais de 6 anos. Mas estava escrito que o seu nome iria ficar ligado à série que lhe deu vontade de se dedicar aos comics e, quando em 1976, Denny O’Neil decide regressar às aventuras conjuntas do Arqueiro Verde e Lanterna Verde, nas páginas da nova revista Green Lantern, Grell foi o desenhador escolhido, iniciando assim uma ligação com o arqueiro esmeralda, que ainda hoje se mantém.
Talvez pela abordagem mais convencional e mais próxima das histórias de super-heróis tradicionais, o regresso de O’Neil ao universo dos cruzados esmeralda, não teve grande impacto e a nova revista dura pouco tempo, tal como o sonho de Mike Grell desenhar o seu herói favorito. Só mais de dez anos depois, em 1987, no rescaldo do sucesso do Dark Knight Returns, de Frank Miller, que introduziu no mercado as mini-séries em “prestige format” (edições com lombada e bem impressas num papel de qualidade e gramagem muito superiores ao dos comics tradicionais) é que Mike Grell tem a possibilidade de voltar a desenhar o Arqueiro Verde, desta vez com total liberdade para poder reinventar a personagem.
O mérito tem que ser repartido com o editor Mike Gold, que depois de perguntar a Grell se este tinha algum projecto para uma minissérie de luxo, lhe sugeriu pegar no Arqueiro Verde, transformando-o num caçador urbano. Nas palavras do próprio Mike Grell: “O Mike (Gold) lançou-me esta ideia: “pensa nisto, o Arqueiro Verde como um caçador urbano”. Percebi logo. Era mesmo isso! Era isso que eu queria fazer. Reinventar a personagem. Pegar no Ollie e levá-lo numa direcção completamente diferente. Livrei-me das setas especiais, mudei-lhe o uniforme, dei-lhe um capuz… 30 anos depois, ele continua a usar o capuz…”
Nascia assim a mini-série Os Caçadores, em que Oliver Queen troca a cidade de Star City que apenas existe no universo DC, pela bem real e chuvosa Seattle, cujo clima justifica o uso do capuz que, embora motivado por aspectos práticos, dá ao herói um ar misterioso e sombrio. E essa mudança de cenário, dita também uma mudança no tom da história, marcada pelo realismo, que atinge também a forma como os efeitos da violência são mostrados. Em vez de setas especiais, o Arqueiro Verde agora utiliza vulgares setas com ponta de metal, que furam a carne e matam. O lado super-heróico desapareceu, com o Lanterna Verde a brilhar pela ausência, tal como os habituais super-vilões e mesmo Dinah Lance, a Canário Negro, não usa o seu famoso grito sub-sónico, apresentando-se também ela sem superpoderes.
Violenta história de vingança, com raízes na Segunda Guerra Mundial, Os Caçadores mistura traficantes de droga, yakuza e agentes dos serviços secretos, numa intriga muito bem urdida por Mike Grell, que na personagem da misteriosa Shado cria um adversário à altura do Arqueiro Verde. Uma japonesa treinada pela yakuza para vingar a morte da sua família, Shado cria uma relação ambígua, de antagonismo, mas marcada pelo respeito mútuo, com o Arqueiro Verde, de quem surge como uma espécie de reflexo distorcido. Também em termos visuais, Os Caçadores foi uma série inovadora, pois aproveitando muito bem as possibilidades que o tipo de papel de luxo permite, Grell opta por um registo gráfico pouco tradicional, em que o desenho clássico a tinta-da-china, alterna com imagens coloridas directamente do desenho a lápis por Julia Laquement, em composições dinâmicas que muitas vezes utilizam a totalidade da página e da dupla página.
O sucesso da mini-série foi tal, que motivou o lançamento de uma série mensal dedicada ao Arqueiro Verde, marcada pela mesma abordagem realista, mais próxima do policial negro, do que das histórias de super-heróis, que Mike Grell escreveu, e por vezes também desenhou, durante 80 números, entre 1988 e 1998.
Depois de Mike Grell, a vida do Arqueiro Verde conheceu muitas mudanças. O herói foi pai, morreu, foi ressuscitado por Kevin Smith, arranjou uma outra jovem parceira, infectada com o vírus do H.I.V…. e esteve presente desde o ínicio no relançamento no universo DC iniciado com New 52, não só com uma revista própria, mas igualmente como membro principal da Justice League of America. Depois de passar por diferentes equipas criativas, o Arqueiro Verde em versão Novos 52 caiu nas mãos de Jeff Lemire e Andrea Sorentino, dupla que devolveu o sucesso crítico e de público à personagem. E conforme o próprio Lemire refere nas entrevistas, a principal referência para a sua interpretação do Arqueiro Verde foi a fase escrita por Mike Grell. Fase a que Lemire foi buscar a arqueira Shado, adaptando-a à realidade do universo DC Novos 52.
E o Arqueiro Verde não se ficou só pela Banda desenhada, chegando também à televisão, como personagem secundário das últimas temporadas de Smallville, antes de ter a sua própria série, Arrow, cuja primeira temporada terminou recentemente nos E.U.A. Com um tom sombrio, muito marcado pelo Batman de Christopher Nolan, mas sobretudo pelo Arqueiro Verde de Mike Grell, a série televisiva que está a ter grande sucesso de audiência, já deu origem a uma revista em formato digital, de que Grell é o autor das capas e um dos principais desenhadores. E em alguns episódios da série, que conta com dois nomes importantes dos comics, como Geoff Johns e Marc Guggenheim, como produtores, é referido um “Juiz Grell”, numa homenagem tão singela como merecida, à importância de Mike Grell na história do arqueiro esmeralda. Uma história de que Os Caçadores é um marco fundamental.
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