terça-feira, 6 de agosto de 2013
DC Comics UNCUT 4 - Super-Homem: Pelo Amanhã (Parte 2)
E chegamos finalmente ao primeiro texto introdutório da minha autoria. Texto que teve que sofrer uma série de alterações que, basicamente, passaram pela supressão de quaisquer referências religiosas e aos atentados do 11 de Setembro. "Temas sensíveis" que, na opinião dos senhores da DC, "poderiam perturbar os leitores..." Confiante na falta de sensibilidade dos leitores deste blog, aqui fica a versão integral e não censurada do dito texto. No caso, improvável, de algum leitor se sentir perturbado pelo texto, o meu conselho é para que beba um copo, que isso passa-lhe logo...
O HOMEM QUE VEIO DO ESPAÇO
SÍMBOLO MAIOR DA REINVENÇÃO PELA AMÉRICA DOS HERÓIS DA MITOLOGIA GREGA, O SUPER-HOMEM, TAMBÉM PELA SUA ORIGEM, DE IMIGRANTE CHEGADO Á TERRA PROMETIDA, É O MAIS AMERICANO DOS SUPER-HERÓIS. ISTO APESAR DE SER UM EXTRATERRESTRE, QUE SENDO SUPER, FOI EDUCADO COMO UM HOMEM E QUE, SOB O DISFARCE DE CLARK KENT, VIVE NO MEIO DOS HOMENS. ESSA DUALIDADE SUPER/HOMEM, KAL-EL/ CLARK KENT É UM DOS ASPECTOS MAIS FASCINANTES DA PERSONAGEM, QUE TEM SIDO OBJECTO DAS MAIS DIVERSAS ABORDAGENS AO LONGO DOS TEMPOS.
Numa cena do filme Kill Bill vol 2, que se tornou marcante para os fãs da BD de super heróis, Quentin Tarantino desenvolve uma interessante teoria sobre o que torna o Super-Homem único e diferente dos restantes super-heróis. Essa teoria, que Tarantino nos dá a conhecer pela boca de Bill, personagem interpretada de forma inesquecível por David Carradine, consiste no seguinte: “A questão do alter ego, ou identidade secreta, é uma parte importante da mitologia dos super-heróis e aquela que torna precisamente a personagem do Super-Homem mais fascinante. Ao contrário do Batman e do Homem Aranha que, quando acordam são, respectivamente, Bruce Wayne e Peter Parker e só depois de vestirem o fato se transformam no Batman e Homem-Aranha, já o Super-Homem é diferente e único. O Super-Homem não se transforma em Super-Homem. O Super-homem nasceu Super-homem, quando acorda já é o Super-Homem. Clark Kent é apenas o seu alter ego. O S que serve de símbolo ao Super-Homem já estava no cobertor que o embrulhava quando os Kent o encontraram nos destroços da nave. É a sua roupa. Já o fato e os óculos de Clark Kent, são o disfarce que o Super-Homem usa para se misturar no meio de nós. Clark Kent é como o Super-Homem nos vê. Clark Kent é a apreciação do Super-homem sobre a raça humana”.
Se na mini-série Superman For All Seasons, de Jeph Loeb e Tim Sale, ou na série televisiva Smallville, o enfoque é posto claramente no alter ego Clark Kent, já Brian Azzarello e Jim Lee, na história que se conclui neste volume, dão o protagonismo a Kal-El, o todo-poderoso Super-Homem, fazendo de Clark Kent, apenas uma construção (literal) do Super-Homem, um simples autómato. Um Super-Homem que, ao criar com as melhores intenções uma nova Zona Fantasma, a Metropia, onde se poderia refugiar a humanidade, no caso de um desastre semelhante ao que destruiu o planeta Krypton, acaba por involuntariamente provocar o desaparecimento de um milhão de pessoas, incluindo a sua amada, Lois Lane. Essa catástrofe, a que o leitor não assiste, não deixa de evocar no leitor americano outra tragédia, esta bem real, e que ainda estava fresca na memória colectiva: os atentados de 11 de Setembro de 2001, que abalaram profundamente os Estados Unidos da América.
Se a escolha de Jim Lee, vindo do sucesso estrondoso de Batman: Hush, para ilustrar esta história, era mais do que óbvia, conhecendo a espectacularidade, pormenor e dinamismo do seu traço e a sua popularidade junto dos leitores, já o mesmo não se pode dizer da opção de Brian Azzarello como argumentista. Conhecido principalmente pelo seu trabalho para a Vertigo, o selo mais adulto da editora DC, na premiada série 100 Bullets, um policial muito negro, com elementos conspirativos, ilustrado pelo argentino Eduardo Risso, o único trabalho de Azzarello com super-heróis até a altura tinha sido Broken City, uma história do Batman desenhada por Risso, muito mais próxima do policial negro do que das histórias de super-heróis. Perante os (anti)heróis tremendamente humanos, sobretudo nos seus defeitos, que marcam as suas histórias anteriores, os leitores esperavam talvez um Super-Homem mais frágil e humanizado, mas Azzarello raramente faz aquilo que os leitores esperam. Um dos problemas de escrever um personagem tão poderoso como o Super-Homem é a dificuldade em criar obstáculos credíveis a esse poder. A Kryptonita, o calcanhar de Aquiles do Super-Homem, foi criada precisamente para ajudar a resolver esse problema. Mas Azzarello não vai por aí, esquecendo a kryptonita, tal como esquece Jimmy Olsen, Perry White, o Daily Planet e a cidade de Smallville, todos os elementos habituais à face humana do Homem de Aço, o seu alter ego Clark Kent. Azzarello opta antes por mostrar um herói poderoso como um deus, capaz de criar mundos, mesmo que depois se esqueça que os criou…
Perante seres tão poderosos, como o Super-Homem, Mulher-Maravilha, e a feiticeira Alcióne, a personagem mais humana e mais tipicamente azzarelliana, é a do misterioso Sr. Orr, um mercenário amoral, ao serviço de uma poderosa corporação. Também na escolha do principal vilão, a opção de Azzarello foi atípica, deixando de fora Lex Luthor, o mais famoso inimigo do Homem de Aço (embora pegue nele pouco tempo depois, na mini-série Lex Luthor: Man of Steel, ilustrada por Lee Bermejo). Para além dele próprio, o principal adversário do Super-Homem nesta história é o General Zod, um kryptoniano como o Homem de Aço, que escapou à destruição do seu planeta-natal por estar aprisionado na Zona Fantasma. Criado em 1961, por Robert Bernstein e George Papp, nas páginas da revista Adventure Comics, o General Zod acabou por ficar mais conhecido graças à interpretação inesquecível de Terence Stamp nos dois primeiros filmes do Super-Homem, realizados por Richard Donner e Richard Lester, não admirando que tenha sido escolhido também para vilão principal do filme Man of Steel, com que Zack Snyder acaba de relançar o Super-Homem no cinema. Depois de uma primeira parte mais expositiva, é a acção que comanda os capítulos finais de Pelo Amanhã, dando oportunidade a Jim Lee de brilhar a alto nível nos combates entre Super-Homem e a Mulher-Maravilha e, principalmente, no combate épico entre o Homem de Aço e Zod.
E se, tal como refere Filipe Faria no editorial do primeiro volume, as referências à religião cristã são diversas e bem evidentes ao longo da história, essa tendência mantém-se nos capítulos finais, com o padre Leone a ser transformado numa arma viva chamada Pilatos, nome do cônsul romano que nada fez para impedir a condenação de Jesus Cristo. Mas também a este nível, Azzarello consegue surpreender o leitor, dando uma interpretação diferente a uma das mais simbólicas imagens da iconografia cristã, a cena da Criação do Mundo, pintada por Miguel Ângelo no tecto da Capela Sistina. Aqui, numa espectacular dupla página do capítulo final, Jim Lee recria, subvertendo-a, a imagem de Miguel Ângelo, com Zod no lugar de Deus, a fechar a mão no último momento, recusando a salvação que o Super-Homem lhe estende.
Publicado originalmente entre Junho de 2004 e Maio de 2005, nos nºs 204 a 215 da revista Superman, este Pelo Amanhã vinha rodeado de grandes expectativas. Se na altura, as reacções dos leitores foram desiguais e extremadas, face à forma como Azzarello contrariou as suas expectativas, hoje, quase 10 anos depois, o tempo encarregou-se de lhe fazer justiça, e já não restam grandes dúvidas de que estamos perante um verdadeiro clássico, com lugar cativo numa coleção com estas características, que pretende dar a descobrir ao público português as melhores histórias com os maiores heróis da editora DC.
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