O Batman segundo Tim Sale
Graças a obras tão populares e prestigiadas como The Long Halloween e Dark Victory, Tim Sale é considerado como um dos mais importantes artistas a desenhar o Batman nas últimas duas décadas. Mas a ligação de Sale com o Cavaleiro das Trevas não começou com as sagas em que Sale e Jeph Loeb deram continuidade ao passado de Batman, que Frank Miller e David Mazzucchelli começaram a narrar em Batman: Ano Um. Essa ligação começou bem antes. Começou precisamente nas histórias que vão poder ler neste volume.
Nascido em 1956 em Ithaca, Nova Iorque, Sale passou a infância e a dolescência em Seattle, de onde saiu para frequentar durante dois anos a School of Visual Arts, a célebre escola nova-iorquina criada por Burne Hogarth, onde Will Eisner foi professor, para além de ter feito um workshop em Banda Desenhada com John Buscema. Mesmo que tenha regressado a Seattle sem ter concluído a sua licenciatura na S.V.A., o contacto com tão bons mestres deixou marcas e não admira que tenha acaba por decidir fazer carreira na Banda Desenhada. Uma carreira que se iniciou em 1983, com a série Mith Adventures da Warp Graphics, mas que só arrancaria dois anos mais tarde ao conhecer o autor Matt Wagner e a editora Diana Schutz na Comic Con de San Diego. Um encontro que lhe valeu o convite para colaborar na série Grendel, de Wagner, como desenhador, e que acabou por levar ao encontro mais importante da sua vida, com o escritor Jeph Loeb, vindo do mundo do cinema, que lhe foi apresentado por Wagner e Schutz.
A série Chalengers of the Unkwon, o primeiro argumento de comics escrito por Loeb em 1991, foi naturalmente ilustrado por Sale e desde então a dupla colaborou em inúmeros projectos, não só para a DC. Foi o caso das mini-séries Homem-Aranha: Azul e Demolidor: Amarelo, publicadas em Portugal pela Devir e da participação de Sale na série televisiva Heroes, de que Loeb foi produtor e argumentista e onde Sale, para além de conselheiro artístico, foi o responsável pelas pinturas de Isaac Mendez, um dos personagens da série, cujos poderes divinatórios se revelavam nos quadros que pintava.
Mas apesar das memoráveis histórias do Batman em que trabalharam juntos, a estreia de Tim Sale como desenhador do Cavaleiro das Trevas não se faz ao lado de Loeb, mas sim do inglês James Robinson, o criador de Starman, com Lâminas (Blades), uma história em três partes publicada em 1992 nos nºs 32 a 34 da revista Legends of the Dark Knight, coordenada pelo mítico editor Archie Goodwin. Embora fosse a primeira vez que estava a desenhar o Batman, a imagem que abre a história mostra já duas características bem identificadoras do estilo de Sale: um cuidadoso uso das sombras, que cobrem o uniforme do Cavaleiro das Trevas e o rigor e o detalhe no tratamento do cenário, visível nos post-its que cobrem o frigorífico, ou nos retratos de família sobre a mesa da sala, que introduzem o leitor na casa da família cuja vida acaba de ser destruída.
Com uma planificação dinâmica, que explora bem as possibilidades da dupla página, Sale não hesita perante algumas soluções narrativas mais ousadas, como na cena em que descobrimos a casa do Cavaleiro. Uma dupla página tratada como se fosse um plano-sequência, em que o Cavaleiro se movimenta pela sala como um actor pelo palco e que nos recorda as extraordinárias adaptações que o italiano Gianni De Luca fez das peças de Shakespeare, em que a página e a dupla página funcionavam como um palco por onde deambulavam as personagens.
Para esta aventura do início da carreira do Batman, Robinson vai recuperar o Cavaleiro, um obscuro vilão cuja primeira aparição remonta a 1943, numa história escrita por Don Cameron e desenhada por Bob Kane, o criador de Batman, publicada no nº 81 da revista Detective Comics. Mas apenas o nome e uso de uma espada ligam o Cavaleiro original ao personagem criado por Robinson e Sale. O novo Cavaleiro tem um traje mais próximo do do Zorro do que do fato de mosqueteiro do Cavaleiro original e mesmo o homem por trás da máscara é outro, com Mortimer Drake a dar lugar a Hudson Pyle, um ex-duplo de cinema em busca da fama que, por amor de uma mulher acaba por cair numa vida de crime e entrar em confronto com o Batman. Inspirado pelos heróis interpretados por Errol Flynn nos filmes clássicos de aventuras, como Robin Hood, The Sea Hawk, ou Captain Blood, o Cavaleiro revela-se um personagem extremamente interessante, e até cativante, que nos remete para uma das inspirações do Batman, o Zorro.
O conto seguinte, Os Marginais (The Misfits) é assinado pelo inglês Alan Grant, um dos principais argumentistas do Judge Dredd, o mais conhecido vigilante da BD inglesa e é a segunda colaboração entre Grant e Sale ambientada no universo do Cavaleiro das Trevas, pois já antes a dupla tinha colaborado em Mad Men Across the Water, uma curiosa história de 1991, protagonizada pelos vilões do Asilo Arkham, em que o Batman prima pela ausência e onde Tim sale apenas assegura o desenho a lápis, ficando a arte-final a cargo de Jimmy Palmiotti. Para esta história, publicada originalmente nos nºs 7 a 9 da revista Shadow of the Bat, Grant vai recuperar vilões clássicos de segunda, ou terceira linha, como o Traça Assassina, O Homem-Gato e o Calendarista e criar um novo vilão, o Audaz, que junta num bando de falhados, chamado apropriadamente os Marginais, que decidem dar o golpe das suas vidas, ao raptar o Presidente da Câmara de Gotham, o Comissário Gordon e… Bruce Wayne.
Curiosamente, o Calendarista, que aqui tem um papel relativamente discreto, vai ser um personagem fundamental de The Long Halloween e da sua continuação, Dark Victory mas Loeb e Sale vão dar-lhe uma caracterização muito mais sinistra nessa nova versão. Para além de ser uma história bem contada, Os Marginais tem a particularidade de ser a única história do Batman que Sale desenhou dentro da continuidade regular da série, com Tim Drake, o terceiro Robin, a assumir algum protagonismo.
A terminar temos aMor Cego (Date Knight), uma pequena história protagonizada pelo Batman e pela Mulher-Gato. Publicada originalmente em 2004, no volume da série Solo dedicado a Tim Sale, esta história reúne Sale a Darwyn Cooke, com Cooke, que voltaria a trabalhar com Sale anos depois na revista Superman Confidential, a criar aqui uma intriga tão simples como movimentada e divertida, que faz brilhar a elegância, o dinamismo e o talento narrativo de Tim Sale. Curiosamente, esta história assinala o reencontro dos dois criadores com a Mulher-Gato, pois se Tim Sale já tinha tido oportunidade de desenhar a Mulher-Gato em When in Rome, um spin off de Dark Victory, escrito também por Jeph Loeb, já Darwyn Cooke tinha ilustrado as primeiras histórias do relançamento da revista da Mulher-Gato, feito por Ed Brubaker em 2001, para além de ter escrito e desenhado a novela gráfica Selina’s Big Score, que funcionou como prequela à fase de Ed Brubaker da revista mensal da felina mais sensual do universo DC.
Deixo-vos então com estas três histórias. Três contos do Batman, que traduzem outros tantos encontros entre o Cavaleiro das Trevas e um dos desenhadores que melhor lhe soube dar vida.
3 comentários:
Só uma coisa, Lameiras. O Alan Grant não é um dos criadores do Judge Dredd, embora seja um dos principais escritores da personagem. Ele só começou a trabalhar com o Dredd quando este já tinha uns três anos de publicação.
Mais uma excelente colecção Levoir a terminar. Animam-nos os rumores de regresso à Marvel!
Confirma-se? Há datas?
Um abraço e força para a continuação de um bom trabalho!
Olá Never,
Como calculas, não posso confirmar nem desmentir a nova colecção da Marvel, mas haverá certamente novidades a esse respeito nos próximos meses.
Hunter,
Tens razão. O Dredd foi criado apenas pelo John WAGNER E O cARLOS Ezquerra. Vou alterar essa parte.
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