sábado, 25 de janeiro de 2014

Super Pig e a Língua de Shakespeare


Depois de “Roleta Nipónica”, o Super Pig está de regresso com “O Impaciente Inglês”, um ambicioso romance gráfico de 90 páginas, lançado no último Festival da Amadora, que confirma a evolução de Mário Freitas enquanto argumentista e o seu talento para se rodear dos ilustradores certos para cada projecto.
Criado em 2006, o personagem Super Pig tem funcionado como um veículo para as incursões do seu criador (e também editor) enquanto argumentista de BD. Personagem antropomórfico, Super Pig, como o próprio nome indica, é um porco que se movimenta num mundo de humanos, um pouco na linha do “Cerebus” de Dave Sim. À semelhança do próprio Cerebus, que começou como uma paródia de Conan, o Bárbaro, protagonizada por um papa-formigas antropomorfizado, para se transformar em algo bastante mais complexo e interessante, também o Super Pig tem crescido como personagem à medida que o seu criador se tem afirmado como argumentista.
Curiosamente, esse crescimento do Super Pig está ligado ao destaque cada vez maior que o seu pai, o milionário Calouste Pig, vai tendo nas últimas histórias. Algo que é evidente em “Roleta Nipónica”, uma incursão no mangá, em que o sushi se cruza com o leitão da Bairrada, ilustrada com grande eficácia por Osvaldo Medina, em que o principal protagonista é Calouste Pig, e que se acentua neste “O impaciente Inglês”.
Se “Roleta Nipónica” em termos narrativos, consistia num longo flash back protagonizado por Calouste Pig, neste “Impaciente Inglês” a coisa complexifica-se bastante, com diversos saltos temporais, que nos levam das épocas isabelina e vitoriana, até à actualidade, e narrativas paralelas, como as recordações da infância do Super Pig, que correm numa pequena tira no fundo de algumas páginasOutra particularidade desta história é ser parcialmente falada em inglês, com os personagens ingleses a falaram na língua de Shakespeare, sem tradução. E a língua de Shakespeare está presente também em sentido literal, pois o motor da história (o Mcguffin, para citar Hitchcock) é precisamente uma relíquia, a língua do poeta William Shakespeare, cortada depois deste morrer, e que passará pelas mãos de figuras históricas tão ilustres como John Dee, o poeta John Milton, a Raínha Vitória, Oscar Wilde e Wiston Churchil, para acabar na posse de Calouste Pig e, com isso, provocar o início da decadência do Império Britânico.
Os longos diálogos em inglês e a complexidade da intriga e da planificação, são aspectos que exigem um maior investimento do leitor em termos de atenção, mas a verdade é que o resultado final compensa bem o esforço.

Nesta história complexa e ambiciosa, onde se sente a sombra de Alan Moore, Grant Morrison e Neil Gaiman (John Dee é um dos protagonistas de “1602”), Mário Freitas contou com o talento gráfico de André Pereira, um jovem artista natural da Figueira da Foz, que se sai muito bem desta tarefa complexa, conseguindo algumas páginas espectaculares em termos gráficos e de planificação, embora por vezes sejam visíveis algumas hesitações e imprecisões no traço, que o bem conseguido trabalho de cor de Bernardo Majer, ajuda a disfarçar
Se o crescimento da editora Kingpin, alicerçado em títulos como “A Fórmula da Felicidade”, “Palmas para o Esquilo” e “O Baile” vem confirmar as capacidades de Mário Freitas enquanto editor, este “Impaciente Inglês” vem mostrar também que estamos perante um argumentista a seguir com atenção
(“Super Pig: O Impaciente Inglês”, de Mário M. Freitas, André Pereira e Bernardo Majer, Kingpin Books, 92 pags, 17,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diário as Beiras de 25/01/2014

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