sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DC Comics UNCUT 15 - Super-Homem e Batman: Os Melhores do Mundo



Embora algumas pessoas tenham criticado a escolha deste volume, trata-se de um dos meus favoritos, tendo-me batido pela sua inclusão nesta colecção e tendo feito questão de o traduzir, para além de ter escrito o editorial. Acho que Dave Gibbons conseguiu um bom equilíbrio entre tradição e modernidade e o desenho de Steve Rude é maravilhoso, cheio de pormenores deliciosos, para além que é uma história que pode ser lida sem grande conhecimento prévio da história dos heróis.

UM CONTO DE DUAS CIDADES

Para além de serem os mais antigos, Batman e o Super-Homem são indiscutivelmente os mais importantes e dois dos mais populares super-heróis de sempre, uma popularidade que o tempo e a passagem para outros meios, como a televisão e o cinema, só ajudou a aumentar.

Criados respectivamente, em 1939 e 1938, os melhores heróis do mundo viveram aventuras separadas durante mais de dez anos, antes de dividirem o protagonismo numa mesma história. Com efeito, o primeiro de muitos encontros entre os dois maiores super-heróis da DC deu-se apenas em 1952, nas páginas da revista Superman nº 76, numa história escrita por Edmond Hamilton e desenhada por Curt Swan, cujo título, The Mightiest Team in the World, não deixava grande margem para dúvidas. E o sucesso desta reunião levou ao natural aparecimento na revista World’s Finest - onde Batman e Super-Homem já eram presenças habituais em histórias separadas - de aventuras em que os dois maiores heróis do mundo juntavam forças para enfrentar as mais variadas ameaças. Estas histórias conjuntas, publicadas entre 1954 e 1986, ano em que a revista foi cancelada, na sequência da remodelação do Universo DC motivada pela Crise nas Terras Infinitas, que já pudemos ler nesta coleção, nunca exploraram muito as diferenças evidentes entre o lado nocturno de Batman e a dimensão solar de Super-Homem.
Para isso, foi preciso esperar pelo notável O regresso do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que coloca Batman em confronto com o Super-Homem, aqui retratado com um homem de mão da administração Reagan, numa história que explora as profundas diferenças entre os dois heróis e que, juntamente com o Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, mudou a face da BD americana de Super-Heróis.
Foi precisamente Dave Gibbons, o desenhador de Watchmen, a dar o passo seguinte, com a mini-série World’s Finest, de 1990, que podemos ler neste volume. Obra que assinala a sua estreia como argumentista, Os Melhores do Mundo é uma aventura que concilia a tradição da revista a que vai buscar o título, com a renovação que Miller trouxe à imagem dos dois heróis, numa história de sabor clássico que explora com grande mestria a dicotomia entre os dois heróis, que funcionam como negativo um do outro, do mesmo modo que a nocturna Gotham e a luminosa Metrópolis, são as duas faces complementares da cidade de Nova Iorque, reinventada para a BD.
Pesadelo urbanístico inspirado no lado negro de Nova Iorque, Gotham City simboliza as trevas em que Batman se move. Os imensos arranha-céus que mal deixam passar a luz do dia, decorados com gárgulas que perderam a sua função medieval de afugentar os espíritos malignos, para se tornarem meros poleiros de super-heróis e vigilantes, marcam a imagem de uma cidade que tem o seu contraponto na luminosa Metrópolis.

Mas, embora tenha sido criada primeiro do que Gotham City, Metrópolis nunca assumirá uma importância semelhante à que Gotham tem nas histórias do Batman. Para começar, enquanto Super-Homem é alguém que vem doutro lugar, (tal como os milhares de emigrantes que todos os anos aportam a Nova Iorque vindos das mais distantes paragens) antes de mais nada, do planeta Krypton e depois de Smallville, terra cujo nome denuncia claramente as suas características de pequena cidade do interior, Batman é um produto de Gotham e da violência que aí impera. Isto é, enquanto Super-Homem já era um super-herói mesmo antes de ir para a grande metrópole, Batman nasce quando os pais de Bruce Wayne são mortos num beco escuro e mal frequentado de Gotham. Por isso, Metrópolis, apesar do nome que remete para a mais mítica das cidades do cinema, a Metrópolis de Fritz Lang, é uma mera Nova Iorque idealizada, sem nada de particularmente distintivo, para além dos edifícios do Planeta Diário, onde trabalham Clark Kent e Lois Lane e da Luthor Tower, símbolo do poderio de Lex Luthor, que de mero cientista louco nas histórias iniciais, foi transformado num poderoso homem de negócios, influente a ponto de alcançar a Presidência dos Estados Unidos, em resultado das diversas reescrituras da história oficial do universo DC.
Essa dualidade luz/sombra, Metrópolis/Gotham City e a forma como os dois heróis se identificam com a sua cidade, são muito bem exploradas nesta história em que os seus principais inimigos, Joker e Lex Luthor, decidem trocar de cidades, passando cada um a entrar em confronto com o inimigo do outro, numa inesperada inversão de papeis, que vai criar dificuldades inesperadas ao Homem de Aço e ao Cavaleiro das Trevas.
Embora seja conhecido sobretudo como desenhador, o inglês Dave Gibbons mostra na sua estreia como argumentista que também sabe, e bem, escrever, construindo uma história que concilia a tradição dos comics de super-heróis com o ambiente dos contos de Charles Dickens, que o autor claramente homenageia, tal como Lewis Carol e a sua Alice. Veja-se a personagem de Byron Wylie, o proprietário do Orfanato de Midway (nome com um significado literal, pois o orfanato está realmente a meio caminho entre Metropolis e Gotham City, recolhendo órfãos das duas cidades) claramente inspirado em Fagin, o vilão de Oliver Twist, ou a forma como o protagonismo é dividido pelas duas cidades, que evoca o Tale Of Two Cities, de Dickens, cuja acção decorre entre Paris e Londres.
Para o sucesso de Os Melhores do Mundo, muito contribuiu o superior trabalho gráfico de Steve Rude, desenhador que os leitores já conhecem de X-Men: Filhos do Átomo, publicado na anterior coleção que a Levoir dedicou aos super-heróis. Rude, que construiu a maioria da sua carreira ao lado de Mike Barron na série Nexus, de que é um dos criadores, tem em Os Melhores do Mundo o seu mais importante trabalho para a DC. Com um estilo inimitável e de grande elegância, que faz uma síntese muito própria das mais diversas influências, de Jack Kirby a Alex Toth, passando por Russ Manning, Rude capta perfeitamente a dimensão icónica dos dois heróis, inspirando-se graficamente no Super-Homem da série televisiva dos irmãos Fleischer e juntando o Batman original de Bob Kane com a versão de David Mazzucchelli em Ano Um. O resultado é simultaneamente clássico e inovador e o extraordinário detalhe que Rude põe em cada imagem, justifica diversas releituras, pois há sempre coisas a acontecer em segundo plano. Pequenos apontamentos do quotidiano, em que Rude mistura um erotismo discreto com um toque de humor, que nos recorda as ilustrações de Norman Rockwell, o mestre da ilustração americana, cujas capas para a revista Saturday Evening Post, Rude homenageia na contra-capa do 3º volume da mini-série.
O sucesso de Os Melhores do Mundo levou a que se repetissem os encontros entre Batman e o Super-Homem e, curiosamente, Karl Kesel, que foi o responsável por passar a tinta o desenho de Steve Rude neste livro, vai ser o argumentista de uma mini-série de 10 números, ilustrada por Dave Taylor em 1999, que relata os sucessivos encontros entre o Homem de Aço e o Cavaleiro das Trevas ao longo de dez anos, com a acção de cada número a passar-se num ano diferente. Entre muitos outros encontros, impossíveis de enumerar neste espaço, os dois heróis partilharam a revista Superman/Batman entre 2003 e 2011, onde viveram aventuras como a que poderemos acompanhar no último volume desta coleção, que recolhe a história A Rapariga de Krypton, escrita por Jeph Loeb para os desenhos de Ian Churchill e do malogrado Michael Turner.
Nem a mais recente remodelação do Universo DC, com o lançamento dos Novos 52 desfez a dupla mais poderosa do mundo, pois um dos últimos lançamentos da linha Novos 52 foi precisamente a revista Batman/Superman, escrita por Greg Pak, com (magníficos) desenhos de Jae Lee. E se a tudo isto juntarmos o anúncio, feito na última San Diego Comic Con de que a aguardada sequela do filme Homem de Aço, dirigida por Zack Snyder vai contar com a presença do Batman, interpretado por Ben Afleck,não restam grandes dúvidas de que o Cavaleiro das Trevas e o Homem de Aço vão continuar a combater o crime, lado a lado. Seja em Metrópolis, ou em Gotham City.

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