sábado, 5 de outubro de 2013
DC Comics UNCUT 13: Crise de Identidade (Parte 1)
LAÇOS DE FAMÍLIA
Depois de uma crise de dimensões cósmicas, a Crise nas Terras Infinitas, cujas consequências alteraram completamente as diferentes dimensões do Universo DC, a segunda crise publicada nesta colecção tem uma dimensão claramente mais intimista e familiar, o que não lhe retira impacto e importância.
Publicada originalmente em 2004, como uma mini-série de sete números, Crise de Identidade foi o trabalho de maior impacto do escritor Brad Meltzer para a DC. Nascido em 1970, Meltzer é um popular escritor policial, com diversos títulos publicados que chegaram aos tops de vendas do New York Times, e que trabalhou também em televisão, como co-criador da série Jack & Bobby e apresentador da série Brad Metzler Decoded, produzida pelo canal Historia. Grande fã de Banda Desenhada, com uma colecção de mais de 15.000 livros, Meltzer, que chegou a dividir casa com o autor de BD Judd Winick, tem por hábito incluir referências mais ou menos discretas à BD nos seus romances, como acontece no livro The 10th Justice, em que a maioria dos Juízes do Supremo Tribunal têm o nome de personagens de Watchmen, ou em The Millionaires, em que o personagem principal se chama Oliver, em honra de Oliver Queen, o Arqueiro Verde. E foi precisamente essa homenagem que levou Bob Schreck, então editor da DC, a convidar Meltzer para substituir Kevin Smith na série Arqueiro Verde, assinando The Archer’s Quest, uma história em seis partes ilustrada por Phil Ester e Ande Parks, sendo Crise de Identidade, cujos cinco primeiros capítulos podemos ler neste volume, o seu trabalho seguinte como argumentista para a DC e o mais popular, mesmo que a sua posterior colaboração com Gene Ha na revista Justice League of America lhes tenha valido um prémio Eisner em 2008 para a Melhor História Solta (ou One Shot), atribuído à história publicada no nº 11 da dita revista.
Crise de Identidade nasceu do pedido do editor Dan Didio, para que Metzler escrevesse “uma história emocional que fosse ao âmago do que significa realmente usar uma capa e uma máscara” deixando-lhe a possibilidade de matar algum herói para dar outro impacto à história. Conforme Meltzer refere numa entrevista: “tudo o que eu queria fazer era explorar essas personagens e tentar uma abordagem mais pessoal às suas vidas. (…) Quis olhar para dentro das máscaras e explorar o verdadeiro preço de ser um herói. Há um preço a pagar por envergar uma capa e esse elemento tem sido praticamente ignorado ao longo dos tempos.” E Crise de Identidade explora precisamente a necessidade de os heróis terem uma identidade secreta e as consequências que podem resultar para as suas famílias quando essa identidade é exposta.
Se as identidades secretas facilitam a identificação dos leitores com os heróis, que têm muito mais facilidade em se sentirem próximos de um repórter tímido como Clark Kent, do que do todo-poderoso Super-Homem, a verdade é que também têm uma utilidade prática, protegendo as famílias dos heróis das ameaças dos seus inimigos. É esse medo, o medo de que poderemos não ser capazes de impedir que façam mal àqueles que nos são próximos, que até um ser de poderes quase ilimitados como o Super-Homem sente, que Brad Meltzer explora de forma admirável na história cuja primeira parte poderão ler nas páginas seguintes.
Tudo começa com o assassinato de Sue Dibny, a mulher do Homem-Elástico. Um assassinato misterioso e inexplicável, que vai levar a uma investigação policial que acaba por expor segredos indesejados. Segredos esses que vão pôr em causa a relação entre os membros da Liga da Justiça, que ultrapassaram largamente os limites éticos na tentativa de proteger aqueles que lhes estão próximos.
Se Ralph Dibny, o Homem-Elástico e a sua mulher Sue, estão muito longe de ser dos personagens mais populares da DC, tal como o Dr. Luz, o principal suspeito da morte de Sue, não passa de um vilão menor, que aparecia principalmente nas aventuras dos Novos Titãs, tendo sido escolhidos para protagonistas desta história, muito possivelmente por razões de nostalgia, pois a primeira revista de BD que Meltzer leu foi a Justice League of America # 150, de 1978, em que o Homem-Elástico salva a Liga e o Dr. Luz aparece num flash-back, a verdade é que todos ganham outra importância e uma nova dimensão nesta história. Isso sucede graças à forma exemplar como Meltzer constrói a história, fazendo-nos testemunhas da relação perfeita entre Ralph e Sue, ao mesmo tempo que, através de narrativas paralelas, destaca a importância dos laços familiares para outros heróis; seja o Super-Homem com os seus pais adoptivos, o Arqueiro Verde com o seu filho, Tim drake, o terceiro Robin com o seu pai, ou Batman e Asa Nocturna, o primeiro Robin, com a memória dos pais desaparecidos.
Numa história em que o maior protagonismo vai para heróis relativamente secundários, como Zatanna, Gavião Negro, Arqueiro Verde, ou Canário Negro, e os “pesos pesados” como o Super-Homem, Batman e Mulher-Maravilha têm uma presença mais discreta, o talento narrativo de Meltzer está também evidente na forma como atrasa o aparecimento em cena de Batman, sem com isso evitar que a sua sombra paire sobre a história desde o início, ou na forma como um mero plano da cintura da Mulher-Maravilha, nos faz perceber que ela vai utilizar o seu laço mágico para arrancar a verdade a um prisioneiro.
E se a empatia que se cria entre o leitor e o casal Dibny aumenta exponencialmente o impacto da morte de Sue, a forma como Rags Morales, o desenhador da série e Michael Bair, o responsável pela passagem a tinta, retratam o momento em que o Homem-Elástico descobre o cadáver da sua mulher, fazem dessa imagem um momento inolvidável deste livro. Um mérito que vai sobretudo para Morales, cuja opção em termos de enquadramento se revelou mais eficaz do que a opção inicial de Meltzer e que através do distorcer das feições de Ralph, consegue a tradução visual adequada para a dor sem fim que invade o Homem-Elástico. Um homem anteriormente feliz, que de um só golpe se vê privado da mulher da sua vida e do filho de ambos, ainda por nascer.
Outro exemplo da perfeita sintonia entre um argumentista, que é um excelente narrador e um desenhador que consegue levar ainda mais longe as suas ideias mais arrojadas, é a sequência do combate entre Slade Wilson, o Exterminador e os membros da Liga da Justiça, no capítulo 3, maravilhosamente coreografada e que confirma o Exterminador como um dos mais perigosos vilões do universo DC. Uma cena que Meltzer descreve assim: “aquela luta durava oito segundos na minha cabeça, mas levou-me quase uma semana a escrever. Só queria ver um vilão realmente inteligente a preparar um ataque ferozmente inteligente. Esqueçam destruir prédios, ou atirar carros – queria que o único superpoder em destaque fosse o poder da mente.” E o resultado foi tão convincente que, ao ler a cena, o editor Dan Didio não hesitou em aumentar o número de páginas da revista, de 22 para 30, de modo a Rags Morales poder desenvolver devidamente todos os detalhes deste combate inesquecível.
Apesar de pensada como uma história com uma forte carga emocional, que funcionasse de forma autónoma, a verdade é que os acontecimentos de Crise de Identidade vão ter fortes repercussões no Universo DC e as consequências desta história vão fazer-se sentir em outros títulos. Mas isso já é uma outra história. Uma história que poderão descobrir no próximo volume desta colecção, onde será finalmente revelada a identidade do assassino de Sue Dibny.
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