quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A propósito do novo Astérix - Entrevista com Jean-Yves Ferri


A convite do jornal Público, tive a oportunidade de entrevistar Ferri, o novo argumentista de Astérix, aquando da sua vinda a Lisboa, em finais de Setembro, quando ele passou fugazmente pela capital portuguesa, para promover uma colecção de álbuns do Astérix que o jornal começou a lançar esta semana. Aqui fica a entrevista na sua versão integral. As imagens foram pilhadas de forma mais ou menos indiscriminada pelos quatro cantos da Internet. 

Desenhador e argumentista, nascido em 1959, tal como Astérix, o francês Jean-Yves Ferri é o responsável pelo argumento da nova aventura do irredutível gaulês e dos seus companheiros que, pela primeira vez, não conta com nenhum dos seus criadores como autor. Astérix entre os Pictos o 35º álbum da série é publicado a nível mundial no dia 24 de Outubro e sairá em Dezembro, numa versão em capa mole, com o Jornal Público, integrado na colecção As Viagens de Astérix. Ferri, que passou por Lisboa em Setembro, para a apresentação da colecção, falou ao Público deste importante desafio e da sua experiência como sucessor de Goscinny no argumento de umas das mais populares séries da BD mundial.

Nasceu em 1959, precisamente o mesmo ano em que a série Astérix começou a ser publicada na revista Pilote. Vê o facto de ser escolhido como o novo argumentista de Astérix como uma simples coincidência, ou um sinal do destino?

O mais engraçado é que também o desenhador, Didier Conrad, nasceu em 1959. Por isso, talvez o próprio Uderzo tenha visto nisso um sinal de que seríamos as pessoas certas para continuar Astérix.
Como é que foi escolhido para ser o novo argumentista de Astérix?
Fui contactado pela editora Hachette (que detém os direitos da série desde 2011), tal como vários outros argumentistas, para apresentar uma proposta para uma história. O processo foi rodeado de grande secretismo, tendo sido obrigado a assinar uma cláusula de confidencialidade, que não me permitia contar a ninguém, nem à minha família, o que estava a fazer. As diversas propostas foram apresentadas, sem indicação dos autores, a Uderzo, que escolheu uma, que por acaso era a minha.

Considera-se um fã de Astérix?

Claro! Tanto eu como o Conrad fazemos parte de uma geração que cresceu a ler BD nas revistas semanais como o Tintin, Spirou e Pilote. Por isso, conhecíamos perfeitamente todos esses heróis e temos uma ligação afectiva com o Astérix, o que faz com que abordemos a série de um modo algo particular. O nosso objectivo, com este álbum, é recuperar aquelas impressões de infância, que sentimos ao ler as histórias pela primeira vez.
Por isso, procurei que este álbum estivesse na linha de alguns dos meus álbuns preferidos da década de 70, como o Astérix Legionário, O Escudo de Arverne, Astérix na Hispania, ou Astérix na Córsega. Que fosse uma homenagem a esses álbuns que tanto me marcaram. Posteriormente, espero conseguir impor o meu cunho próprio à série, mas este ainda é um álbum de transição. Uma transição suave, marcada pela minha admiração pela escrita de Goscinny.

O tema do novo álbum, os Pictos e a Escócia. Foi ideia sua, ou sugestão de Uderzo?

Foi ideia minha. Tive inteira liberdade na criação da história. Entreguei uma primeira sinopse de uma página e quando foi aprovada, comecei a escrever o argumento. Como também sou desenhador, fiz também um story board com a planificação da história, quadrado a quadrado, para o desenhador seguir.

E a editora impôs algumas alterações? 

Praticamente nenhumas. Apenas Uderzo sugeriu duas pequenas alterações. Uma tinha a ver com a estação do ano em que se desenrola a acção e a outra consistiu em algumas pequenas observações a propósito da psicologia do Obélix. Uderzo esteve muito mais atento ao trabalho do desenhador.

Por falar em desenhador. Sei que Conrad não foi o desenhador inicialmente escolhido. Houve um primeiro desenhador Frédérick Mébarky, que acabou por abandonar o projecto. O que é que realmente se passou?

É simples. Frédérick não aguentou a pressão e literalmente explodiu. O problema é que ele era um desenhador do estúdio de Uderzo, que fazia ilustrações publicitárias e passava a tinta os desenhos de Uderzo, mas que não tinha nenhuma experiência da planificação e da narrativa em BD. Por isso, tinha muitas dificuldades em contar uma história em Banda Desenhada. Quando percebemos que a coisa não ia resultar, tivemos que arranjar um substituto, que foi Conrad.

 E Conrad introduziu alguma alteração na história, em relação à versão com que Mebarky tinha trabalhado?

Não, e por duas razões. Primeiro, por quando ele chegou, o story board já estava todo feito e depois, como ele teve um prazo muito curto para desenhar o álbum, o meu story board até lhe deu jeito.

E o que é que nos pode adiantar sobre o novo álbum?

Oficialmente, a única coisa que posso adiantar é que a história termina com um banquete na aldeia gaulesa, como sempre (risos)… De resto, não posso dizer nada, mas como há algumas pequenas informações que já apareceram na Internet, posso dizer que, como é habitual nos álbuns de Astérix, haverá uma série de elementos típicos da tradição do país, como o monstro de Loch Ness e vamos saber também a verdadeira razão porque a Muralha de Adriano foi construída.

Foi à Escócia fazer pesquisa para escrever a história?

Já conhecia a Escócia e voltei lá por causa do álbum. Mas o cenário não é o principal. A história passa-se numa Escócia que, mais do que corresponder à Escócia histórica real, tem que corresponder à ideia que as pessoas têm da Escócia. Ou seja, há que jogar com os estereótipos de forma divertida. Do mesmo modo, a pesquisa histórica é importante, mas não é decisiva. Quando decidi escrever sobre os Pictos, fui naturalmente investigar. Mas a verdade é que não há grande informação sobre os Pictos, o que até me deu jeito, pois assim pude inventar os meus Pictos que, na boa tradição de Astérix, são os ascendentes dos escoceses modernos.

E já tem ideias para os próximos álbuns?

Ideias, tenho algumas. Mas a verdade é que o contrato que assinei foi só para este álbum. Vamos a ver como é que as coisas correm, como é que o livro é recebido… E depois, se a editora estiver interessada, também é preciso que eu arranje uma boa história que queira contar e que agrade ao editor. Sem estar entusiasmado com a história, não consigo trabalhar.

Qual é a diferença entre trabalhar numa série como Astérix, ou em projectos mais pessoais como a série Le Retour à la Terre, feita com o seu amigo Manu Larcenet.

São coisas diferentes. Com um personagem que eu criei, sou eu que comando o jogo. No caso de Astérix, não me sinto inteiramente responsável pelo universo da série. Astérix já existia, não fui eu que o criei. As regras do jogo são outras. É um desafio muito particular.

Está em Lisboa para o lançamento de uma colecção de álbuns de Astérix, que vai ser distribuída com o jornal Público. Que pensa deste tipo de iniciativas?

Acho que estas colecções vêm de encontro à vocação da Banda Desenhada, que é chegar ao grande público. Na minha infância, lembro-me que os álbuns de Lucky Luke eram vendidos em edição de capa mole, mais baratas e isso funcionava muito bem! E acho que no caso do Astérix também vai funcionar bem. Os colecionadores têm as edições normais em capa dura e estas edições chegam a um público mais alargado. Além disso, juntar as histórias de viagem todas numa mesma colecção é uma boa ideia!


Até agora, a presença dos Lusitanos na série Astérix limitou-se a um escravo no álbum o Domínio dos Deuses, que não sabia cantar, mas recitava poesia. Será que vamos ver algum dia Astérix na Lusitânia?

Astérix na Lusitânia é um bom título para um álbum. Soa mesmo a um título de Astérix! Já vi algumas sugestões nesse sentido na Internet.
E porque não? Mas para isso preciso de conhecer Portugal. Esta é a primeira vez que aqui venho e não vou ter tempo para ver grande coisa. Tenho que voltar com tempo, conhecer o país e arranjar uma história que justifique a visita de Astérix.
Versão integral da entrevista publicada no suplemento Fugas do jornal Público de 19/10/2013

4 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Obrigado pela entrevista! Queria apenas acrescentar que, se a memória não me atraiçoa, aparece outro lusitano n'«O Pesadelo de Obélix».

JML disse...

De nada, Ricardo. É possível, mas confesso que o Pesadelo de Obelix foi daqueles álbuns que fiz questão de esquecer mal acabei dê ler.B o que me leva a pensar que não vai ser nada difícil ao Ferry fazer melhor do que o Uderzo nos últimos álbuns....

letré disse...

Parabéns pela entrevista. Já agora um reparo: "pois assim pude inventar os meus Pictos que, na boa tradição de Astérix, são os descendentes dos escoceses modernos". Não sei a quem se deve o "erro", ao entrevistado ou ao tradutor??? Não deveria ser ascendentes dos escoceses modernos, ou os escocesses modernos são os descendentes dos Pictos? Um grande abraço.

Letrée

JML disse...

Tem razão! O erro já está corrigido. Abraço