quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Poderosos Heróis Marvel 10 - Wolverine: Ilha da Morte

Mais uma vez, deixo-vos com o editorial que escrevi para este volume, com a particularidade de o texto que aqui publico é a versão integral. Face às limitações de espaço dos editoriais de cada volume, que não devem ultrapassar os 7.000 caracteres, tive que fazer alguns cortes. Aqui fica então a versão integral do texto que só poderão ler mesmo aqui. Quanto ao texto do Público sobre este volume, basta carregar na imagem para o ler.

 WOLVERINE NA TERRA SELVAGEM

Na vasta geografia fictícia do universo Marvel, poucos lugares há que evoquem mais a aventura em estado puro do que a Terra Selvagem. Criada por Stan Lee e Jack Kirby em 1965, no nº 10 da revista X-Men, a Terra Selvagem é um mundo tropical, criado por extraterrestres e escondido na Antárctida, onde sobrevivem as mais variadas espécies pré-históricas, com destaque para os dinossáurios.
Um mundo fora do tempo, muito da linha de outros espaços fictícios que encontramos em clássicos da literatura e do cinema, como Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne, O Mundo Perdido, de Conan Doyle, ou A Terra que o Tempo Esqueceu, de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, que nas aventuras do homem macaco criou outros locais exóticos povoados por dinossáurios, como é o caso de Pellucidar, que foi cenário de várias aventuras do Rei da Selva. Isto, sem esquecer naturalmente a Skull Island, uma ilha no Pacífico, criada em 1933 pelo cineasta Merian C. Cooper para berço de Kong, o gorila gigante protagonista do filme King Kong.
Governada por Ka-zar e pela sua companheira Shanna, a mulher-demónio, a Terra Selvagem tem servido de palco para as aventuras dos mais variados heróis da Marvel, mas geralmente tem funcionado mais como mero cenário, do que como verdadeiro personagem das histórias. Até que chegou Frank Cho.
Nascido em Seul, na Coreia do Sul, em 1971, Frank Cho veio para os Estados Unidos com os seus pais e os dois irmãos quando tinha seis anos. O ilustrador norte-americano de origem coreana começou a sua carreira na BD em inícios da década de 90, com a tira de imprensa University 2 para o jornal da Universidade de Maryland onde estudou. Depois de se formar, decidiu continuar a trabalhar no formato tira, mas desta vez a nível nacional, contactando para o efeito diversos syndicates (empresas responsáveis pela produção, venda e distribuição das tiras de imprensa pelos diferentes jornais).
O Creators Syndicate gostou do que viu e propôs-lhe pegar nas personagens de University 2 e transformá-los em animais, passando a acção de um campus universitário, para uma reserva animal. Nascia assim Liberty Meadows, série que contratualmente deveria durar quinze anos, mas que Cho escreveu e desenhou apenas durante cinco anos, até se fartar da censura do editor e da pressão de ter produzir uma tira diária e decidir continuar a série, editando-a ele próprio em formato comic book, com total liberdade.
Embora nesta fase já fizesse capas ocasionalmente para a Marvel e outras editoras, foi o seu trabalho na série Liberty Meadows que levou o editor Axel Alonso a convidá-lo a desenhar uma mini-série de Shanna The She-Devil – uma heroína da selva, na linha da Sheena, Queen of the Jungle, criada pelos estúdios de Will Eisner e Jerry Iger  em 1937, quatro anos antes do aparecimento da Wonder Woman - para a Casa das Ideias. Um convite que lhe permitiu desenhar as duas coisas de que mais gosta: aventuras na selva e mulheres sensuais. E se as mulheres sensuais já eram a imagem de marca do seu trabalho, o gosto de Cho pelas aventuras em cenários exóticos também já se manifestava na série Liberty Meadows, onde criou Scheky, the Monkey King e Mighty Shmoe Pong, duas tiras dentro da tira, que homenageavam respectivamente Tarzan e King Kong (mas também Mighty Joe Young, outro gorila gigante do cinema, bastante menos popular do o King Kong) e que terão sido decisivas para Alonso se lembrar dele.
Assim, Frank Cho, que tinha concorrido para um trabalho como desenhador de Tarzan e tinha sido rejeitado por um editor da Dark Horse, que ainda hoje deve lamentar o seu erro, tinha finalmente em Shanna a oportunidade de concretizar um sonho de desenhador. Um sonho que acabou por ter um certo sabor amargo, apesar do grande sucesso da mini-série, pois a história foi pensada para a linha Max (uma linha mais adulta da Marvel, onde a nudez é permitida) mas acabaria por sair na linha Marvel Knights, o que obrigou Cho a redesenhar praticamente todas as páginas que já tinha desenhado, para cobrir pudicamente o corpo escultural de Shanna…
Finalmente, em Janeiro de 2013, a nova revista Savage Wolverine, um dos títulos lançados no âmbito da linha Marvel Now! deu a Cho a oportunidade de regressar à Terra Selvagem com total liberdade e autonomia. Mas deixemos que seja o próprio autor a contar como tudo se passou:
“Axel Alonso (o editor-chefe da Marvel) chamou-me depois do Avengers Vs. X-Men #0 ter sido lançado e perguntou-me se eu queria trabalhar com o Wolverine, e eu não hesitei, pois o Wolverine é um dos meus personagens favoritos do Universo Marvel. Perguntei-lhe quem ia ser o argumentista e ele respondeu-me, “És tu!” Fiquei sem palavras, mas o Axel lembrou-me que a primeira vez que me contratou foi como desenhador e argumentista e que estava muito entusiasmado com o que eu poderia fazer. Disse-lhe que voltaria a falar com ele dentro de algumas semanas e que entretanto ia ver se tinha alguma história do Wolverine dentro de mim, que me apetecesse contar e merecesse ser contada.
Fui vasculhar os meus arquivos, a ver se alguma das sinopses que tinha se adaptava à personagem do Wolverine. Há anos que tenho por hábito apontar ideias e desenvolver sinopses para possíveis histórias. Foi assim que me lembrei de uma história fixe que mistura o Indiana Jones com os mitos de Cthulhu em que andava a trabalhar há anos. Modifiquei-a de maneira a transformá-la numa história do Wolverine. O Axel adorou a história e disse-me para começar a trabalhar.” (…)
“Sempre me interessei por histórias com um toque se terror sobrenatural. Sou um grande fã de Edgar Rice Burroughs e de Robert Howard e, em certa medida, de H.P. Lovecraft. Esta história era algo em que eu andava a trabalhar há anos, mas ainda não tinha encontrado uma maneira de contar a história como queria. Até que a Marvel me ofereceu esta oportunidade e quando juntei o Wolverine e a Shanna na história, por mais estranho que pareça, tudo encaixou como uma luva”.
O resultado é uma aventura com um toque clássico, que reinventa personagens tradicionais da Marvel, como o Man Thing, dando-lhe um toque lovecraftiano e em que é evidente o prazer de Cho a desenhar aquilo que mais gosta. Um prazer que passa também para o leitor.
Para além de Wolverine e de Shanna, cujo companheiro Ka-Zar, prima pela ausência, Cho junta à sua história mais dois personagens da Marvel, que contribuem para os momentos mais divertidos do livro: Amadeus Cho e o Incrível Hulk. Amadeus Cho, ao contrário do que o nome pode indicar, não é um alter-ego do autor, mas sim um adolescente com a inteligência de um génio, criado por Greg Park e Takeshi Miyazawa em 2006, e que aqui é responsável pelos mais divertidos diálogos. Já o Hulk, é responsável por um humor mais físico, pois nesta história sofre maus-tratos de fazer inveja ao Wile E. Coyote, dos desenhos animados da Warner. Além para além de ter o Wolverine a espetar-lhe as garras no cérebro, ainda acaba devorado por uma baleia pré-histórica…
Curiosamente, Amadeus Cho vai ser o novo Hulk, na mais recente renovação da Marvel, em que o gigante verde já não é Incrível, mas Completamente Espectacular. Não por acaso, os responsáveis por esta mudança são o argumentista Greg Park, e o desenhador… Frank Cho.
Embora mantenha o seu esquema tradicional de composição, com a página geralmente construída em torno de uma imagem forte, que ocupa o espaço principal (aquilo a que o desenhador chama “the money shot”), é evidente a grande preocupação de Cho em inovar em termos de planificação. Mas, mais uma vez, deixemos que seja o próprio desenhador a explicar:
“Saio da minha zona de conforto e jogo com o tamanho e a planificação das vinhetas – de maneira a que a disposição das vinhetas ajude a contar a história em termos gráficos. Por exemplo, quando o Wolverine cai dos céus, uso grandes vinhetas verticais para enfatizar a grande altura de que ele está a cair e intercalo uma série de vinhetas mais pequenas para dar a noção da confusão, à medida que o Wolverine vai batendo nos ramos das árvores, até chegar ao chão, no meio da selva.”
Com uma planificação dinâmica e de grande eficácia,e um traço tão elegante como sensual, Frank Cho mostra bem toda a sua qualidade como desenhador.
Veja-se o uso criterioso que faz da dupla splash page: São apenas duas ao longo de toda a história, mas absolutamente sublimes. No capítulo três, uma elaborada cena de combate, cujo equilíbrio e dinamismo da composição, pedem meças a Frazetta e, no capítulo quatro, uma belíssima imagem do Wolverine a preparar-se para enfrentar três gorilas gigantes.
Imagens de grande força e espectacularidade, para cujo impacto muito contribui o excelente trabalho de cor de Jason Keith. E Cho ainda tem tempo de homenagear um dos seus mestres, Frank Frazetta, dando a um dos guerreiros da Terra Selvagem uma máscara de animal que o deixa muito parecido com o Jaguar God, personagem de vários quadros de Frazetta.
Nas páginas seguintes, podem acompanhar o Wolverine e Frank Cho no seu regresso à Terra Selvagem, numa história épica, onde a natureza é luxuriante, os cenários grandiosos, as mulheres são belas e selvagens e os gorilas e os dinossáurios assustadores.

Sem comentários: