sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Evocando Oesterheld, no Dia de la Historieta


Desde 2009, que na Argentina o dia 4 de Setembro é legalmente considerado como o Dia de la Historieta, o dia da Banda Desenhada na Argentina. Uma data escolhida por ter sido a 4 de Setembro de 1957 que saiu o primeiro número da revista Hora Cero, onde se começou a publicar El Eternauta, a obra-prima de Oesterheld e Solano Lopez. Associando-me às comemorações, aproveito para recuperar aqui o pósfacio que escrevi a edição de Mort Cinder, publicada na colecção Novela Gráfica. A abrir, coloquei uma citação de um General argentino, que não descobri a tempo de sair no livro, mas que traduz na perfeição o clima de absoluto terror que a Junta Militar instalou na Argentina e que custou a vida a perto de 30.000 pessoas, entre as quais Oesterheld e as suas filhas.. 

"Primeiro mataremos todos os subversivos,  depois todos os que colaboraram com eles, em seguida mataremos todos os seus simpatizantes, depois os indiferentes e finalmente mataremos os tímidos."

General Ibérico Saint-Jean, Comandante Militar da Província de Buenos Aires, 
num discurso proferido em 1977

O TRÁGICO DESTINO DA FAMÍLIA OESTERHELD

Na famosa entrevista que concedeu a Carlos Trillo e Guillermo Saccomano em inícios da década de 70 e que em Portugal foi publicada por capítulos na revista Tintin, Hector Germán Oesterheld, quando lhe perguntaram porque tinha morto alguns dos heróis que criou, respondeu que a morte é a grande personagem que ninguém aproveitava devidamente. Infelizmente, na sua história familiar, a morte teve o papel principal, num drama terrível, em que o toque fantástico das aventuras de Mort Cinder deu lugar a uma intriga tão real como cruel, escrita de forma canhestra por um bando de assassinos fardados.
Tendo sido raptado no bairro de La Plata, em Buenos Aires, em 27 de Abril de 1977, por elementos ligados à junta Militar que governava o país, Oesterheld nunca mais voltou a ser visto. Anos mais tarde, em 1979, o jornalista italiano Alberto Ongaro -  que, com Hugo Pratt, fez parte do famoso Grupo de Veneza, um punhado de autores italianos que foi trabalhar para a Argentina nos anos 50 - ao tentar descobrir o paradeiro do escritor, foi-lhe dito que Oesterheld tinha sido morto por ter escrito “a mais bela biografia de Ché Guevara jamais feita”.
Embora bastante poética, essa não terá sido a razão principal do “desaparecimento” de Oesterheld, pois mesmo que a biografia do Ché, que o escritor criou em 1968 para o traço de Alberto Breccia e do seu filho Enrique, tenha sido proibida pela Junta Militar que assumiu o poder na Argentina em 1976, a verdade é que, para além de algumas ameaças veladas, nem o “velho” Breccia, nem o jovem Enrique, chegaram a ser verdadeiramente incomodados pelos militares.
Já Oesterheld, para além das posições ideológicas bem evidentes nas suas histórias, era membro activo da guerrilha Montonera, um movimento rebelde de esquerda, tal como as suas quatro filhas, tendo passado à clandestinidade em 1976, logo a seguir ao golpe de estado militar. Terá sido esse o principal motivo para que a sua família se tornasse um alvo fácil para a Junta Militar, acabando por engrossar a lista de perto de trinta mil “desaparecidos” que mancham com o seu sangue essa página negra da história argentina.
A primeira a “desaparecer” foi a sua filha Beatriz, de 19 anos, sequestrada a 19 de Junho de 1976 e executada pouco depois, tendo sido o corpo entregue à mãe a 7 de Julho, para que a sepultasse. Dias antes, a 4 de Julho, Elsa, a mulher de Oesterheld soube pelos jornais que a sua filha Diana, de 23 anos, que estava grávida de seis meses, tinha sido morta, juntamente com o marido. O filho de ambos, Fernando, então com um ano, acabaria por ser entregue aos avós paternos.
Seguir-se-ia o sequestro do seu marido, em Abril de 1977 e, em final desse mesmo ano, recebeu uma carta da filha, Estela, de 24 anos, a contar-lhe que a irmã, Marina, de 18 anos e grávida de oito meses, tinha sido morta um mês antes. No dia em que Elsa recebeu essa carta, já a sua filha Estela estava morta, tendo sido assassinada, junto com o marido.
Martin, o filho de Estela, então com 3 anos, seria entregue à avó por dois dos carcereiros de Oesterheld, que tinham proporcionado um último encontro entre o avô e o neto em El Vesubio, uma das prisões clandestinas por onde Oesterheld passou. Sabe-se que ainda estaria vivo em Janeiro de 12978, pois Eduardo Arias, outro prisioneiro, recorda-se de se cruzar com um Oesterheld muito debilitado fisicamente, no centro de detenção El Vesubio, a que os prisioneiros chamavam ironicamente o “Sheraton”, devido às péssimas condições que tinha. Calcula-se que tenha sido assassinado pouco tempo depois, mas o seu corpo, tal como os de milhares de outras vítimas da ditadura militar, nunca foi encontrado.
Em pouco menos de dois anos, Elsa Sanchéz Oesterheld viu os militares levarem-lhe nove membros da família, entre marido, filhas, genros e netos. Apenas conseguiu recuperar dois netos e enterrar uma das filhas. Os restantes “desapareceram” para sempre.

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