sábado, 1 de fevereiro de 2014

Dc Comics Uncut 24 - Super-Homem e Batman: Poder Absoluto


Embora este seja o último volume da 2ª colecção que a Levoir dedicou à Dc, não é o último texto desta rubrica, como poderão ver proximamente. No caso deste texto, o mais curioso é que a tentativa de cortes partiu, não da DC, mas de quem reviu o texto, o Filipe Faria, que decidiu fazer alguns cortes, que eu não aceitei, e acrescentou uma frase sobre a história que conclui este volume. 

O JARDIM DOS CAMINHOS QUE BIFURCAM

Num dos mais inspirados contos do livro Ficções, de 1941, o escritor argentino Jorge Luís Borges antecipa em 16 anos as teorias do físico Hugh Everett, que revolucionaram a física quântica, defendendo que em cada instante que uma escolha é feita, seja pelo acaso, seja por opção humana, o universo divide-se em dois: um para cada escolha possível.
O paradoxo que Everett procurou provar através das fórmulas matemáticas, já tinha intuído Borges no conto O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam. O jardim em causa não é um espaço físico, mas um conto escrito por Ts'ui Pen, um antepassado do espião alemão que protagoniza a história. Um conto que tenta representar através de um labirinto, o universo e todas as suas infinitas possibilidades. Ou, citando Borges, através de uma das personagens: "comparei centenas de manuscritos, corrigi os erros que a negligência dos copistas introduziu, conjecturei o plano desse caos, julguei estabelecer a ordem primordial, traduzi a obra inteira: resulta-me que não emprega uma única vez a palavra tempo. A explicação é óbvia: O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o concebia Ts'ui Pen. Ao contrário de Newton e de Schopenhauer, o seu antepassado não acreditava num tempo uniforme e absoluto. Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Esta trama de tempos que se aproximam, se bifurcam e se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Nós não existimos na maior parte desses tempos; nalguns deles existe você e eu não; noutros eu, e não você; noutros ainda existimos os dois. Neste, que um favorável acaso me proporciona, você chegou a minha casa; noutro, você, ao atravessar o jardim, deu comigo morto; e noutro, eu digo estas mesmas palavras, mas sou um erro, um fantasma."
Essas infinitas possibilidades abertas por diferentes escolhas, estão também na base da história que vão ler a seguir, escrita por Jeph Loeb para os desenhos dos espanhóis Carlos Pacheco e Jesus Merino e publicada originalmente nos nºs 14 a18 da revista Superman/Batman, de que já pudemos ler no último volume da série 1 desta colecção o arco de histórias anterior, ilustrado por Michael Turner.
 Neste terceiro arco da revista que voltou a juntar os dois maiores heróis do Universo DC, Loeb explora as ilimitadas potencialidades narrativas que a existência de universos paralelos permitia e que, com a reformulação do Universo DC provocada pela Crise nas Terras Infinitas, ficou praticamente limitada às histórias da linha Elseworlds, de que tivemos um exemplo, tanto na primeira como na segunda série, com Batman: Outros Mundos e Super-Homem: Herança Vermelha. Neste caso, Loeb recorreu às viagens no tempo para explorar a forma como uma alteração crucial no início das suas vidas - com os dois heróis a serem educados por três membros da Legião dos Super-Vilões - pode modificar completamente a vida do Homem de Aço e do Cavaleiro das Trevas e, por inerência, o universo em que eles se inserem.
 No fundo, Loeb pega na premissa utilizada por Mark Millar em Herança Vermelha e leva-a mais longe, para além de lhe introduzir diversas variantes. Variante que se traduzem em futuros alternativos, causados por alterações no passado, que permitem recuperar uma série de personagens que a Crise nas Terras Infinitas tinha afastado da continuidade regular, mas que são parte incontornável da história da DC. Desde os heróis do Oeste, de que Jonah Hex é o mais carismático exemplo, até ao símbolo maior da América, a representação do espírito americano, o Tio Sam, cuja imagem foi fixada por James Montgomery Flagg, em 1917, nos cartazes de propaganda e que Will Eisner trouxe para a Banda Desenhada em 1940, e que mais uma vez surge como símbolo do combate pela liberdade e contra a opressão. Uma opressão neste caso representada pelo Batman e pelo Super-Homem. Mas, mais dos que os heróis, a que mestres como Will Eisner e Joe Kubert (não falta aqui o Sargento Rock), emprestaram o seu talento, Loeb vai buscar para esta história épica, muitas das personagens que passaram pelas histórias do mais épico dos criadores. O grande Jack Kirby, aqui representado pelos personagens do Quarto Mundo, como Darseid e Metron e por Kamandi, o último rapaz da Terra, nascido numa série inesquecível em que o King levou mais longe o futuro distópico que o filme Planeta dos Macacos tinha aflorado. Para articular esta multitude de referências diversas de uma forma graficamente coerente, Loeb necessitava de um desenhador tão versátil como virtuoso do seu lado. Encontrou-o em Carlos Pacheco.
Um dos mais importantes e populares autores latinos a trabalhar nos comics de super-heróis, o espanhol, natural de Cádis, soube rapidamente construir uma carreira ímpar, em que deu o seu cunho pessoal aos principais heróis da Marvel e da DC, para além de abrir o caminho para a invasão do mercado americano de super-heróis por uma série de desenhadores de origem espanhola, como Salvador Larroca, Rafa Fonteriz, Guillem March, Javier Pulido, Oscar Jimenez e Jesus Merino, seu colaborador habitual, que aqui assina a arte.final. Profundamente influenciado pelos comics de super-heróis, Pacheco iniciou-se na BD em Espanha através dos concursos de descobertas de novos talentos promovidos pelo editor Josep Toutain, mas começou a dar nas vistas entre 1978 e 1982 como ilustrador das capas da Colecção “Clássicos Marvel”, da editorial Forúm, onde teve a possibilidade de desenhar pela primeira vez muitos dos heróis com que viria a trabalhar anos mais tarde, como desenhador regular. Leitor ávido e profundo conhecedor das histórias de super-heróis, a ponto de ter criado, com Rafael Marin e Rafa Fonteriz, a série Iberia Inc., protagonizada por um grupo de super-heróis espanhóis, a entrada de Carlos Pacheco no mundo dos comics de super-heróis era uma questão de tempo.

Essa entrada vai ter lugar em Dezembro de 1992, pela porta dos fundos, através da Marvel UK, ao fim de 10 anos a mandar submissões às grandes editoras americanas. O seu trabalho como desenhador na série Dark Guard desperta a atenção dos editores e, quase em simultâneo, Pacheco recebe convites para trabalhar para as duas grandes editoras americanas. Para a DC, para além do seu trabalho no encontro entre a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça, que já puderam apreciar nesta colecção, destaca-se a sua etapa como desenhador do Super-Homem e a sua colaboração com Kurt Busiek em Arrowsmith, série que transpunha a dura realidade da I Guerra Mundial para um universo de fantasia, que a Devir publicou em Portugal.
 Pela forma como consegue reunir numa história coerente, tantos heróis e vilões, evocadores de diferentes períodos da riquíssima história do Universo DC, Poder Absoluto é a história ideal para concluir esta emocionante viagem de 30 semanas pelos meandros do Universo DC, que a Levoir proporcionou aos leitores portugueses. Uma viagem inesquecível, feita de histórias épicas, protagonizadas por grandes heróis e vilões à altura.

2 comentários:

never-ending-spleepy-eyes disse...

foi uma bela colecção espero que o regresso (DC ou Marvel) esteja para breve!

JML disse...

olá Never. Depois de duas colecções da DC, a próxima vai ser da Marvel e em breve haverá novidades. É estar atento ao Facebook da Levoir...