Ao mesmo tempo que chega ás bancas o primeiro volume da segunda série da DC Comics, editada pela Levoir, agora distribuída com o semanário Sol, aqui fica o último editorial da série I, assinado, tal como aconteceu com o primeiro desta série, pelo José de Freitas
Uma Rapariga fora deste Mundo
Quando surgiu, o Super-Homem tornou-se no primeiro de todos super-heróis, e não só dos heróis terráqueos, já que a sua origem era alienígena. Salvo pelos seus pais verdadeiros da destruição da civilização kryptoniana, cujo planeta explodiu, foi lançado numa nave através do cosmos até chegar à Terra, acabando por ser educado pelos seus pais adoptivos. Mas um planeta com uma tecnologia tão avançada como a de Krypton possuía demasiadas potencialidades, e os autores da DC cedo perceberam que onde um kryptoniano tinha sobrevivido, outros poderiam também ter sido salvos, abrindo as portas à existência de uma verdadeira galeria de heróis e vilões que foram chegando à Terra ao longo dos anos. Desde o General Zod e de Ursa, super-vilões com os mesmos poderes que o Super-Homem, passando por Krypto, o Supercão, até Kandor, uma cidade inteira de kryptonianos que tinha sido encolhida por Brainiac e que sobreviveu à destruição do seu planeta natal. Mas provavelmente a mais popular das personagens de Krypton depois do Super-Homem terá sido a sua prima Kara Zor-El, a Supermoça.
Kara Zor-El aterrou na Terra e nas páginas da revista Action Comics #252 em 1959, numa história intitulada, tal como esta que têm nas vossas mãos, The Supergirl from Krypton (traduzida para português como A Rapariga de Krypton). Nessa história, escrita por Otto Binder e ilustrada por Al Plastino, Kara Zor-El é enviada para a Terra pelo seu pai Zor-El, um cientista kryptoniano, irmão de Jor-El, pai do Super-Homem. Os dois são portanto primos, e ambos são também órfãos. Zor-El tinha conseguido salvar a cidade de Argo da destruição de Krypton, e durante anos os campos de força que tinha criado em redor da cidade tinham permitido que esta sobrevivesse flutuando pelo espaço. Mas um dia, uma chuva de meteoros destrói a esfera de ar que rodeia Argo, condenando-a à morte, e Zor-El e a sua mulher Alura enviam Kara para a Terra, onde reside o último kryptoniano que poderá cuidar dela. Será o Super-Homem a enviar Kara para o orfanato da pequena cidade de Midvale, e a arranjar-lhe a sua identidade secreta de Linda Lee. A personagem teve imenso sucesso, e durante anos partilhou as páginas da revista Action Comics com o Super-Homem, antes de se estrear como personagem principal, primeiro na revista Adventure Comics, e logo a seguir, nos anos 1970, na revista Superman Family, antes de finalmente ter o seu próprio título.
Mas a grande mudança na vida da Supermoça veio com a Crise nas Terras Infinitas, como já tivemos ocasião de ver nesta colecção. A saga permitiu à DC reorganizar o seu universo de super-heróis, e uma das ideias que surgiu foi a de voltar a fazer do Super-Homem “O Último Kryptoniano”. Como diz Marv Wolfman na introdução à edição compilada da história, “Antes da Crise, parecia que mais de metade do planeta Krypton tinha sobrevivido à destruição. Tínhamos o Super-Homem, mas também a Supermoça, Krypto, os vilões todos da Zona Fantasma, a cidade de Kandor dentro duma garrafa, e muito mais. Decidimos voltar à origem e fazer de Kal-El o único sobrevivente de Krypton. É triste, claro, mas foi essa a razão pela qual Kara Zor-El teve de morrer.” No serviço fúnebre que marca a morte da Supermoça às mãos do Antimonitor, quando salvava o Super-Homem, a Batmoça declara que “Ela era uma heroína, e não será esquecida”. E não seria. A sua popularidade ao longo das décadas seguintes continuaria, inspirando muitas histórias alternativas e personagens semelhantes. Mas seria só no início dos anos 2000 que ela reapareceria definitivamente nas páginas da revista Superman/Batman.
Porque não devemos esquecer que esta história não é só uma história da Supermoça, é antes de tudo uma história da maior dupla de super-heróis de sempre, o Cavaleiro das Trevas e o Homem de Aço. Em 2004 a DC Comics decidiu relançar uma série regular que protagonizasse o Super-Homem e o Batman juntos, reatando assim com a tradição de títulos como World’s Finest. O novo título, chamado simplesmente Superman/Batman, ficou a cargo do argumentista Jeph Loeb, que se encarregaria de actualizar o conceito para o século 21 e de escrever os primeiros 25 números. A revista estava organizada em histórias de seis números cada, com ocasionais números únicos intercalados, e cada arco de história ficaria a cargo de um artista escolhido entre os maiores nomes daquela altura. Jeph Loeb iniciou a sua carreira nos anos 1980 como argumentista de cinema, trabalhando em filmes como Teen Wolf ou Commando. Foi quando trabalhava para um guião para um possível filme do Flash que começou a escrever argumentos de banda desenhada, sobretudo para a DC, que lhe granjeariam inúmeros prémios por obras das mais significativas nos comics, como Batman: The Long Halloween e Batman: Dark Victory, ou Superman For All Seasons (todos estas com o artista Tim Sale, um dos seus parceiros de longa data), ou Batman: Silêncio (com Jim Lee), já editado no nosso país pela Devir. Em anos mais recentes, Loeb tem feito muito trabalho para a Marvel, e continuou a sua carreira como argumentista de televisão, trabalhando em séries tão famosas quanto Lost ou Heroes.
Quanto ao artista canadiano Michael Turner, que desenha este segundo arco de história da revista, é justo dizer que foi uma das estrelas que brilhou mais fortemente nos comics americanos, mas infelizmente por muito pouco tempo. Turner iniciou a sua carreira no final dos anos 90, na Top Cow, um dos estúdios da Image Comics, onde ajudou a criar Witchblade e trabalhou noutras séries, como Darkness, tendo lançado em 1998 a sua própria série, Fathom, que se tornou num comic de culto entre os fãs americanos. Infelizmente, passado muito pouco tempo foi-lhe diagnosticado um cancro, e em consequência disso a sua capacidade de trabalho foi bastante afectada. Fez alguns trabalhos para a DC Comics, entre os quais muitas capas, esta história do Batman e do Super-Homem - a única vez que desenhou uma história que não fosse sua ou da Top Cow - e trabalhou também como argumentista na história Godfall, uma saga do Super-Homem. Michael Turner faleceria em 2008, e durante os últimos anos de vida fez algum trabalho para a Marvel Comics e para a série Heroes, mas já se encontrava muito debilitado. Podemos dizer sem grandes reservas que Turner poderia ter sido um dos maiores nomes dos comics de super-heróis se não tivesse sido vítima duma doença que o levou com apenas 37 anos de idade.
Nesta história, Loeb reaproveitou elementos do arco de história inicial da série, Public Enemies, que ocupou os números 1 a 6 da revista. Essa história foi uma das mais marcantes daquela época, já que na altura Lex Luthor era Presidente dos Estados Unidos, e em consequência dos acontecimentos desta saga será finalmente exposto ao mundo como o verdadeiro vilão por trás duma vasta conspiração, e forçado a abandonar a presidência. Mas essa conspiração teve início na descoberta dum asteróide que se dirigia para a Terra. Descobre-se nesta história que têm em mãos que esse asteróide continha uma cápsula que transportava a prima do Super-Homem, Kara Zor-El, em animação suspensa desde a destruição de Krypton, com um pormenor novo: Kara nasceu antes do seu primo Kal-El, o Super-Homem, e a sua nave foi lançada de Krypton ao mesmo tempo que a do seu primo, mas ficou perdida no espaço mais tempo, fazendo com que ela se tornasse mais nova do que ele. Como Loeb diz: “Eu e o meu editor, Eddie Berganza, começámos a especular e a divertir-nos com a ideia de que podia haver “algo” dentro daquele asteróide, e que se calhar o Lex Luthor não estava assim tão maluco, porque o asteróide vinha mesmo de Krypton”.
A história teve imenso sucesso, tanto que foi decidido que a personagem merecia o seu próprio título. No entanto, a primeira história a solo de Kara Zor-El como Supermoça seria publicada ainda no #19 de Superman/Batman com argumento de Jeph Loeb, e seria relançada a seguir como # 0 da nova revista Supergirl. O desenho seria confiado ao britânico Ian Churchill, um artista que teve uma ascensão muito rápida nos comics, com obras nas principais editoras americanas, e que se tornou entretanto num dos desenhadores com que Loeb mais colaborou em séries independentes. É essa a história que encerra este volume, e que nos permite finalmente ver, já não a jovem Kara Zor-El à procura do seu lugar num mundo que não é o seu, e a tentar conquistar a confiança dos membros da Liga da Justiça, mas sim a Supermoça no seu uniforme de super-heroína, a enfrentar os desafios do universo DC!
José Hartvig de Freitas
2 comentários:
então o Batman tem uma rapariga e não dizia nada? ;)
O quê, não sabias que o Batman e a Supermoça têm um caso? Na verdade, foi um lapso freudiano, de quem prefere claramente o Batman ao Superman. Já está corrigido.
Abraço
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