sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Lá Fora I - Scalped



Desde o início que optei por publicar na minha coluna no Diário As Beiras textos apenas sobre edições nacionais e/ou de autores portugueses. Aqui no blog, não tendo essas limitações irei escrever sobre algumas das edições estrangeiras que for lendo. Da BD franco-belga ao mangá, passando pelos comics americanos, a ideia é falar dos livros cuja leitura me motivar uma reflexão.
E para começar temos este Scalped, série criada por Jason Aaron e R. M. Guéra, que, para mim, é actualmente a melhor série editada pela Vertigo e uma das melhores revisitações do género policial feita em Banda Desenhada.

Se, durante muitos anos a Vertigo, o ramo adulto da editora DC Comics foi associada às séries de fantasia, muito por via do sucesso de Sandman, gradualmente aquela “imprint” foi alargando os seus horizontes temáticos, através de séries como 100 Bullets, Y, the Last Man, ou DMZ. Catalogado por alguns como Neo Western Noir, Scalped está mais próximo do policial negro do que uma série como Preacher, de Garth Ennis e Steve Dillon, essa sim uma homenagem óbvia à mitologia do velho Oeste e, se dúvidas houvesse sobre a filiação de Scalped no policial negro, basta reparar no primeiro nome do herói, que é o mesmo do escritor Dashiel Hammet, criador do detective Sam Spade.

Scalped, cujo 1º nº foi publicado em Janeiro de 2007, tem como cenário Prairie Rose, uma reserva índia fictícia no Dakota Sul, controlada pelo Chefe Lincoln Red Crow, um antigo militante radical pela causa índia que se transformou gradualmente num político corrupto e num mafioso, que controla a polícia local e se prepara para abrir um casino.
É a essa terra degradada, no limiar da pobreza, cuja população procura esquecer no alcool e na droga um futuro sem esperança, que regressa Dashiell Bad Horse, o (anti)herói desta série, como agente inflitrado do FBI junto de Red Crow. Filho de Gina Bad Horse, antiga companheira de armas e ex-amante de Red Crow, Dash foi encarregue desta arriscada missão pelo agente Nitz, do FBI, que pretende destruir a qualquer preço Red Crow, que considera responsável directo pela morte de dois dos seus colegas, abatidos pelos radicais do grupo de Red Crow e Bad Horse na década de 70. Se as estas personagens juntarmos Diesel Engine Fillenworth, um branco com 1/16 avos de sangue índio, que nunca conseguiu ser aceite pelos índios, Catcher, um ex-professor universitário e ex-radical em contacto com os espíritos, Carol, a filha de Red Crow, viciada em sexo e heroina, e os Hmongs, um gang de criminosos de origem asiática, com quem Red Crow vai ser obrigado a entrar em guerra, temos um cocktail verdadeiramente explosivo, cujos ingredientes Jason Aaron tem sabido manejar com grande mestria.
Optando por uma narrativa nada linear, em que sucessivos saltos temporais nos ajudam a perceber o que se está a passar e a motivação das personagens, Aaron cria uma intriga cativante, repleta de personagens com as quais acabamos por criar alguma empatia, apesar dos seus muitos, e mais do que óbvios, defeitos.
Há quem tenha comparado Scalped à série televisiva Os Sopranos e, se virmos que Red Crow, tal como Toni Soprano é alguém com quem o público se identifica apesar de ser um assassino e um criminoso, essa comparação não é nada descabida, mesmo que Scalped tenha bastante mais acção e violência do que a habitual num episódio dos Sopranos.

Ao longo dos 33 nºs já publicados, o principal desenhador da série tem sido R. M. Guéra, um artista nascido na ex-Jugoslávia e a viver em Espanha, com alguns trabalhos já publicados no mercado franco-belga,onde desenhou os últimos álbuns da série Le Lievre de Mars e criou a série Howard Blake, ambas editadas pela Glenat. Com um estilo realista que lembra Giraud e o Herman dos anos 60 e 70, Guéra faz um excelente trabalho, graças a um traço pormenorizado, extremamente eficaz nas cenas de acção, bem servido pelas cores sombrias de Giulia Brusco, que ajudam a criar o ambiente pretendido, mesmo que por vezes seja difícil apreciar os detalhes do desenho de Guéra, no meio de tantas sombras. A partir do nº 12, alguns números são ilustrados por outros desenhadores, como John Paul Leon, Davide Furnò e Francesco Francavilla, pois era praticamente impossível manter o ritmo de publicação mensal, com Guéra como único desenhador, mas a verdade é que nenhum dos artistas convidados faz esquecer Guéra…

Apesar das fracas vendas da revista mensal, as 5 recolhas já editadas até ao momento têm vendido bastante bem e as vendas vão em crescendo, muito por efeito do “passa a palavra”. O sucesso de Scalped levou ainda a que Aaron fosse convidado pela Marvel para escrever histórias de Wolverine, Ghost Rider e Punisher, enquanto Guéra ilustrou uma história escrita por Quentin Tarantino como complemento ao filme Inglorious Basterds, que saiu na revista Playboy americana, aquando do lançamento do filme.
E fala-se já em transformar Scalped numa série de televisão e, caso esse rumor se concretize, estações como a HBO ou a Showtime seriam as ideais, até porque não tenho grandes dúvidas que os fãs de séries como The Wire, ou Os Sopranos não iriam ficar indiferentes a Scalped.

Sem comentários: