sexta-feira, 20 de julho de 2012
Corto Maltese regressa à Sibéria
A Asa prossegue com a reedição da série Corto Maltese, chegando agora a vez de “Corto Maltese na Sibéria”, uma das melhores aventuras de Corto Maltese. Embora esteja longe de ser novidade em Portugal, pois esta mesma história já teve duas edições a preto e branco e esta é a segunda edição a cores, o facto de esta obra seminal de Pratt estar novamente disponível em português é sempre notícia, até por se tratar, quanto a mim, de um dos pontos mais altos de uma série incontornável. Primeira aventura de Corto de longo fôlego, depois da “Balada do Mar Salgado”, “Corto Maltese na Sibéria” é uma aventura épica e plena de acção, o que explica que tenha sido esta a história escolhida para a longa-metragem de animação que Pascal Morelli realizou a partir da obra de Pratt. Uma história cheia de personagens “larger than life” mas surpreendentemente humanos, como o Barão Von Ungern-Stemberg, a Duquesa Maria Semenova (cuja imagem é inspirada em Marlene Dietrich, no filme o “Expresso de Xangai”) e Changai Li, a jovem chinesa que é protagonista de uma belíssima cena de despedida, bem representativa da notável capacidade de Pratt em criar ambientes e transmitir emoções sem necessitar de recorrer a diálogos.
Primorosa em termos narrativos, esta história apresenta Pratt no zénite do seu talento gráfico, com um estilo de uma elegância extraordinária, já liberto da influência do seu mestre Milton Caniff, que este álbum homenageia de forma indirecta através de uma movimentada aventura que começa em Veneza e acaba na China, depois de uma viagem num comboio carregado de ouro e de soldados, numa história com vários pontos de contacto com a série “Terry e os Piratas” de Caniff.
Mas falemos um pouco mais do desenho, cujo brilho as cores suaves de Patrícia Zanotti não vêm perturbar minimamente, dando a palavra a Charles Berberian, um dos autores de “Monsieur Jean”, que define de forma lapidar a arte de Pratt: “prefiro o desenho de Pratt ao de Milton Caniff, porque há em Corto Maltese, na sua maneira de fumar, de se passear de mãos nos bolsos, uma elegância latina, tal como no olhar das mulheres que o rodeiam, e nos seus corpos, há um langor mediterrânico. Mesmo que elas sejam africanas, chinesas, ou irlandesas, é o traço de Pratt que as quer assim. O seu virtuosismo não está na técnica do desenho, mas no que ele consegue fazer passar através do desenho”.
E basta ler este livro, para perceber que Pratt, que aqui conta pela primeira vez com a colaboração de Guido Fuga como assistente, responsável por desenhar os barcos e os comboios, consegue passar realmente tudo através do seu traço inspirado, simultaneamente elegante e dinâmico. Um traço que está ao serviço de uma narrativa fluida e eficaz, mas em que cada imagem tem força e equilíbrio suficiente para funcionar de forma isolada. Vejam-se dois exemplos distintos da força do desenho de Pratt: a imagem icónica de Corto a abrir a porta e o prodígio de movimento que é o quadrado em que vemos um guerreiro mongol a cavalo.
Quanto à edição da Asa, segue as novas edições a cores da Casterman, em que as habituais aguarelas de Pratt no prefácio são substituídas pelas fotografias de Marco D’Anna, o que só será um problema para quem ainda não tiver as belíssimas aguarelas de Pratt noutro lado… Já quanto à tradução, é pena que, ao contrário da anterior edição da Meribérica, traduzida directamente do italiano, desta vez seja feita a partir da versão francesa, em que o poema de Eugenio Genero, avô de Pratt, que na edição original italiana aparece nas páginas 95 e 96, é substituído por um poema de Rimbaud.
(“Corto Maltese na Sibéria”, de Hugo Pratt, Asa, 128 pags, 24,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 20/07/2012
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