domingo, 17 de abril de 2011

À (re)descoberta do Quim e Manecas

Ilustrador, caricaturista e pintor de génio, Stuart Carvalhais é também um nome maior da arte portuguesa da 1ª metade do século XX no que se refere à Banda Desenhada, muito por força da criação da dupla Quim e Manecas, os dois mais populares heróis da história da BD nacional.
É a fase inicial (e a mais interessante) dessa BD mítica, publicada no "Século Cómico", entre 1915 e 1918, que agora se recupera, numa excelente edição da Tinta da China, coordenada por João P. Boléo, tornada possível pelas comemorações do Centenário da Implantação da República, que se cumpriu em 2010.
Quase um século depois da sua criação inicial, as aventuras de Quim e Manecas continuam a surpreender pela sua modernidade e pelo carácter pioneiro do trabalho de Stuart, em termos europeus, utilizando os balões de forma regular, 10 anos antes de Alan Saint-Ogan fazer o mesmo na série “Zig e Puce”. E, se o começo da série mostra apenas dois rapazes traquinas, muito na linha de “Max and Moritz”, de Wilhelm Busch ou dos “Katzenjammer Kids”, de Rudolph Dirks, rapidamente as aventuras do Quim e o Manecas passam a ter uma relação directa com a actualidade do seu tempo, com os dois jovens heróis a terem uma participação activa na I Guerra Mundial, então em curso, ganha pelos aliados muito graças às delirantes invenções do Manecas.
Além disso, Stuart aproveita a série para satirizar artistas e correntes estéticas da época, de Almada Negreiros ao Futurismo, numa série de referências ao seu tempo que a introdução e o útil glossário de João P. Boléo ajuda a descodificar para os leitores do século XXI.
Edição incontornável, que permite ler pela primeira vez na totalidade a fase mais interessante desta pérola da BD nacional, a edição da Tinta da China, servida por um arranjo gráfico superlativo na linha do que Vera Tavares nos habituou, apenas peca pela deficiente reprodução de algumas páginas, que necessitavam de um trabalho de restauro maior do que o efectuado.
Não existindo um único original, a reprodução teve que ser feita a partir dos jornais existentes, dispersos por diversas bibliotecas e colecções, nem sempre bem impressos e muitas vezes encadernados, o que dificulta a digitalização. Além disso, os timings da edição, que tinha forçosamente que sair durante o centenário da República, não permitiram um trabalho mais extenso de restauro das imagens, pelo que, não sendo a edição ideal, esta é a edição possível, e ainda assim, uma bela edição. Edição mais do que necessária de uma obra indispensável, que graças a esta conjugação de esforços, pode finalmente ser descoberta, ou redescoberta, pelas novas gerações de leitores.
(“Quim e Manecas”, de Stuart Carvalhais (Organização, introdução e notas de João Paulo Paiva Boléo), Tinta da China Edições, 240 pags, 44 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 16/04/2011

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