segunda-feira, 23 de novembro de 2009
ISRAEL SKETCHBOOK
Embora em Portugal só recentemente se tenha começado a dar mais atenção a eles, por via do livro “Diários de Viagem” de Eduardo Salavisa, ou de experiências como o Workshop “A Riscar Lisboa”, promovido por Richard Câmara e João Catarino, a tradição dos cadernos de viagem ou diários gráficos, sempre teve bastantes seguidores entre os autores de Banda Desenhada.
Basta pensar nas magníficas aguarelas com que Hugo Pratt registava in” loco” impressões das suas inúmeras viagens, nos estudos também em aguarela de Lepage resultantes das suas viagens ao Brasil e à América Latina, no “Carnet de Voyage” em que o americano Craig Thompson descreve as suas viagens à Europa e ao norte de África, nos dois livros de Miguelanxo Prado sobre Lisboa e Belo Horizonte, ou nos desenhos feitos no Metro por autores como António Jorge Gonçalves ou Jorge Colombo, ou ainda no livro “Lisboa Cadernos”, realizado pela dupla Dupuy e Berberian aquando da sua passagem por Lisboa em 2000, a convite da Bedeteca de Lisboa, entre (muitos) outros exemplos.
A essa ilustre linhagem vem juntar-se agora Ricardo Cabral, com este “Israel Sketchbook” que a Asa lançou durante o último Festival de BD da Amadora. Embora Cabral prefira chamar-lhe “sketchbook”, o termo é enganador, pois o que nos é apresentado neste belíssimo livro, não são os esboços em estado puro, tal como foram feitos no local, mas sim uma versão posteriormente trabalhada, em que é visível o recurso ao computador e à fotografia, para além de que, pelo seu conteúdo, estamos perante um Diário de uma viagem a Israel, que na verdade foram três, conforme o autor explica na nota de abertura do livro.
Através dos mapas que funcionam como separadores de capítulos e que se vão gradualmente enchendo de informação, o leitor vai acompanhando o percurso de Ricardo Cabral e descobrindo com ele diferentes locais de Israel, de Telavive até à Faixa de Gaza, passando por Jerusalém. Trata-se, naturalmente, da visão exterior de um estrangeiro que vai descobrindo um país e as suas gentes, um retrato impressionista feito de momentos do quotidiano, que raramente resvala para o postal turístico, mesmo que alguns momentos em Jerusalém se aproximem perigosamente desse registo…
Trabalho muito mais pessoal do que o álbum “Evereste”, com que Ricardo Cabral se estreou nas livrarias em 2007, este “Israel Sketchbook”, não sendo obviamente Banda Desenhada, demonstra uma preocupação narrativa e uma articulação entre texto e imagens (algumas delas formando claramente sequências) que o aproxima da BD, o que não admira, pois Cabral, apesar da sua ainda curta obra, já demonstrou dominar perfeitamente a linguagem da Banda Desenhada.
Mas, bem mais importante do que encaixar este livro numa categoria (literatura de viagens, Banda Desenhada, ilustração) é apreciar a realidade de um país que não se limita às guerras e aos atentados, que levam a que se fale dele nas notícias.
Embora a sombra da guerra paire em alguns momentos do livro, o que fica é um bonito país e, sobretudo, a sua gente, que tão bem acolheu Ricardo Cabral e que ele tão bem retrata na imagem que escolhi para ilustrar este artigo. Como ele próprio refere: “já não é a rua que me interessa. São as pessoas que passam, os pais com os filhos, as pessoas velhas, as novas, os que vão ao telemóvel, em bicicletas, que passam de carro, os conhecidos que se cumprimentam, um tipo que levou uma multa de estacionamento… A vida que aqui há.” Vida que Cabral soube captar como poucos neste “Israel Sketchbook”.
(Israel Sketchbook, de Ricardo Cabral, Edições Asa, 214 pags,19,20 €)
Texto publicado originalmente no Diário As Beiras de 21/11/2009
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