Depois de ter republicado com o jornal “Público” os cinco álbuns que durante vinte e cinco anos constituíram a série os “Passageiros do Vento”, e uma semana depois de ter sido distribuído nas bancas em edição de capa mole, eis que chega às livrarias, em capa dura, a primeira parte de “A Menina de Bois-Caiman”, álbum que assinala o regresso de François Bourgeon à mítica série que lhe deu merecida fama.
Apesar do final em aberto de Ébano” e de na página de epílogo à série que fez para o último número da revista (A Suivre), Bourgeon dar a entender que Isa viveu muitas aventuras para além das que tinham sido contadas nos cinco álbuns de “Os Passageiros do Vento”, há sempre um risco em voltar a pegar numa história que, tal como estava era quase perfeita. Até porque, normalmente, as sequelas ficam quase sempre atrás da obra original, seja no cinema, ou na Banda Desenhada.
Mas, a verdade é que, embora por enquanto só conheçamos metade da história (a 2ª parte de “A Menina de Bois-Caiman” tem saída anunciada em França para Janeiro de 2010, devendo chegar às livrarias portuguesas pouco tempo depois), este regresso de Bourgeon a uma casa onde foi feliz é bastante conseguido e está até uns bons furos acima do seu trabalho com Lacroix em “O Ciclo de Cyann”.
Se o ciclo inicial se centrava na história de Isabeau, nascida Agnés, mas que todos tratam por Isa, nesta continuação, ambientada na Luisiana, durante a Guerra da Secessão, o protagonismo maior vai para outra Isabeau, neta da primeira, a quem chamam Zabo. O encontro entre Zabo e a sua avó quase centenária dá-se apenas ao fim de mais de 40 páginas de história e é preciso esperar mais uma dezena de páginas, para começarmos a saber, através do relato de Isa, o que se passou com ela a seguir ao final de “Ébano”.
Numa entrevista que deu a propósito da saída em França de “A Menina de Bois-Caiman”, Bourgeon confessa que um dos motivos que o levou a querer voltar a pegar na série, foi não ter tido espaço suficiente em “Ébano” para contar a história como queria, espartilhado pelo limite rígido do álbum de 48 páginas que era a regra na época.
Agora, sem limites de páginas para contar a história, o traço de Bourgeon respira de outra forma, mercê de uma planificação muito menos cerrada, em que, em vez de páginas com mais de vinte quadrados, como chega a acontecer em “Ébano”, temos uma média de 9 quadrados, ou vinhetas, por página, o que valoriza o espectacular desenho de François Bourgeon, cada vez mais apurado.
Autor meticuloso e de grande rigor, que não trabalha com assistentes, ou com recurso ao computador (aqui, tudo é rigorosamente feito à mão, do desenho a lápis, à passagem a tinta e à cor), François Borgeon levou quase 6 anos a concluir as 142 páginas que constituem os dois volumes de “A Menina de Bois-Caiman”. Mesmo sem sabermos ainda como acaba a história, pode dizer-se que o resultado, para já, está à altura do investimento do autor, tanto em termos gráficos, como do argumento, denso e muitíssimo bem documentado que, além de prosseguir as reflexões de Bourgeon sobre a questão da escravatura, junta mais uma figura à sua galeria de personagens femininas inesquecíveis, através de Zabo, a neta de Isa.
Só é pena que uma irritante gralha, logo a abrir, manche uma edição de resto excelente. A citação de Jorge Luís Borges que abre o livro é retirada, não da História Universal da Infância”, livro que Borges nunca escreveu, mas sim da “História Universal da Infâmia”…
(“Os Passageiros do Vento Vol 6: A Menina de Bois-Caiman – Volume 1” de François Bourgeon, Edições Asa, 88 pags, 16,95 €.)
Texto publicado originalmente no Diário As Beiras em 17/10/2009
Página feita por Bourgeon para o último nº da revista (A Suivre)
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