quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Colecção Novela Gráfica 10 - O Jogador de Xadrez

O JOGO DA VIDA, DE STEFAN ZWEIG A DAVID SALA

Novela Gráfica IV – Vol. 10
O Jogador de Xadrez
Argumento – David Sala (a partir do romance de Stefan Zweig)
Desenhos – David Sala
Quarta-feira, 08 de Agosto
Por + 10,90€
Se quiséssemos encontrar um subtítulo para esta quarta série da Colecção Novela Gráfica, que se está a aproximar do fim, “Clássicos ilustrados” poderia ser esse subtítulo. Não só pela presença de verdadeiros clássicos incontornáveis da Nona Arte, como Aqui Mesmo, de Tardi e Forest e O Último Recreio, de Altuna e Trillo, mas sobretudo pela adaptação à arte sequencial de clássicos da literatura como Tatuagem, de Manuel Vazquéz Montalbán e, no volume que chega aos quiosques na próxima semana, O Jogador (a Novela do Xadrez, no original), de Stefan Zweig.
Nascido em Viena, Áustria, numa família judaica, Zweig foi um dos mais importantes escritores da segunda metade do século XX, tendo abandonado a sua Áustria natal em 1934, aquando da ascensão de Hitler ao poder, iniciando um exílio que o levou a Inglaterra, Estados Unidos e Brasil, onde se suicidou, juntamente com a sua mulher, em 1942, perante a perspectiva (que chegou a estar em cima da mesa) de a Alemanha invadir o Brasil. Último texto escrito por Stefan Zweig antes de se suicidar, o Jogador de Xadrez é uma denúncia esmagadora e desesperada da barbárie nazi, através da experiência de B, um aristocrata vienense cujo incrível domínio do jogo nasceu do isolamento forçado, durante o domínio nazi. A história de B é contada ao anónimo narrador, que descobre nos tranquilos salões de um paquete em viagem para a Argentina, um homem que, apesar de garantir que já não pegava numa peça de xadrez há mais de 25 anos, se revela um jogador exímio, capaz de derrotar até o campeão do mundo, que viaja nesse mesmo paquete. Levando à letra a designação atribuída ao xadrez, de “o grande jogo”, Zweig transforma-o no seu romance no “jogo da vida” através da experiência de B. que através do xadrez se consegue evadir do espaço fechado do seu quarto de hotel transformado em prisão (sobretudo mental).
É essa obra de grande densidade psicológica, que o desenhador francês David Sala adapta numa versão que a revista L’Express classificou, com toda a propriedade, como “sumptuosa”. Nascido em Décines, perto de Lyon, em 1973, David Sala não é estranho às adaptações à BD de obras literárias, pois com a colaboração de Jorge Zentner – com quem assinou também Replay, o seu único trabalho publicado em Portugal até à data - publicou a serie Nicolás Eymerich, Inquisidor, uma adaptação de uma novela de Valerio Evangelisti. Desta vez é o próprio Sala que se encarrega de todas as fases da adaptação, com excelentes resultados, tanto narrativos como gráficos. Abandonando as corres luminosas e o registo impressionista de outros trabalhos, Sala faz aqui uma aproximação à obra de Gustav Klimt e aos pintores da escola de Viena, o que faz todo o sentido, não só em termos simbólicos, como históricos, pois eles foram contemporâneos de Zweig e a sua arte simboliza a época em que decorre a acção.
Optando por uma paleta de aguarela pouco óbvia, onde dominam o verde água, e o roxo e explorando, na melhor tradição klimtiana, os padrões luxuosos dos tecidos, David Sala constrói páginas de uma beleza deslumbrante. Páginas que, cumprindo com brilhantismo a sua função estética, são também extraordinárias em termos narrativos, jogando com o leitmotiv do tabuleiro de xadrez, repetido nos ladrilhos do chão, ou dos próprios quadrados que dividem a página.
A forma como a crescente perturbação de B. é transmitida graficamente, também é reveladora do talento narrativo de David Sala, que além de um talentoso desenhador e um extraordinário aguarelista, mostra ser também um fabuloso narrador.
Para além de ser o mais belo livro desta colecção, O Jogador de Xadrez é também um exemplo perfeito de como pode ser produtivo o diálogo entre a Banda Desenhada e a literatura. 
Publicado originalmente no jornal Público de 04/08/2018

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