terça-feira, 5 de maio de 2015

A Despedida da Colecção Novela Gráfica


Esta semana chegou ao fim a Colecção Novela Gráfica, com dois volumes distribuídos em dias sucessivos. Mort Cinder, na quarta-feira e Bando de Dois, no dia seguinte. Por isso, o meu texto para o Público foi dedicado aos dois livros em conjunto. Aqui deixo esse texto, prometendo mais para a frente dois textos mais longos, dedicados aos volumes individuais, começando por Mort Cinder, cujo editorial aqui publicarei durante o fim de semana. Até lá, aqui fica o meu último texto para o Público sobre a colecção Novela Gráfica.

A AMÉRICA DO SUL EM DESTAQUE
NO FINAL DA COLECÇÃO NOVELA GRÁFICA

Novela Gráfica – Vol. 11
Mort Cinder
6 de Maio
Argumento – Hector G. Oesterheld
Desenho – Alberto Breccia
Por + 9,90€

Novela Gráfica – Vol. 12
Bando de Dois
7 de Maio
Argumento e Desenho – Danilo Beyruth
Por + 9,90€
A colecção Novela gráfica chega ao fim na próxima semana, com o lançamento em dias simultâneos dos dois últimos volumes da colecção: Mort Cinder, de Oesterheld e Breccia e Bando de Dois, de Danilo Beyruth. Um clássico incontornável da BD argentina e mundial e a obra de confirmação de um novo talento da BD brasileira.
 Assim, logo na quarta-feira, dia 6 de Maio, chega às bancas a versão integral de Mort Cinder, do argentino Hector German Oesterheld e do uruguaio Alberto Breccia. No dia seguinte, é a vez de O Bando de Dois, do brasileiro Danilo Beyruth, fechar esta primeira colecção que o Público e a Levoir dedicam à novela gráfica.

Publicado originalmente na Argentina entre 1962 e 1964 na revista Misterix, Mort Cinder é uma obra de culto, considerada como o ponto mais alto da obra conjunta dos dois geniais criadores, que compreende títulos tão importantes como a série Sherlock Time, as biografias em BD de Ché Guevara e Evita Péron e a versão de 1969 de El Eternauta.
Nascido em 1919 em Buenos Aires, Oesterheld formou-se em geologia, mas cedo optou por se tornar escritor e jornalista, em vez de geólogo. Tendo começado a escrever para os jornais nos anos 40, só 10 anos depois escreveu a sua primeira Banda Desenhada, por sugestão de um editor, pois Osterheld nem sequer era leitor regular, nem tinha qualquer experiência no género. Isso não o impediu de, em menos de 30 anos, entre 1950 e 1976, ano em que “desapareceu” às mãos do exército argentino, ter escrito mais de cento e sessenta histórias para cinquenta desenhadores diferentes, entre os quais Hugo Pratt, o criador de Corto Maltese.
Da sua obra ressaltam títulos incontornáveis, como a série El Eternauta, Sargento Kirk, ou Ernie Pike, mas Mort Cinder é considerado, muito justamente, como o seu mais importante trabalho.
Mort Cinder, como o definiu o próprio Oesterheld: “é a morte que nunca deixa de o ser (...) um herói que morre e ressuscita, e no qual há angústia e tortura". Esta capacidade de morrer e viver de novo, permite à personagem atravessar diferentes épocas e locais da história, dos quais guarda uma memória latente, que é despertada por um qualquer objecto, cuja história está ligada a uma anterior vivência de Cinder. De modo a facilitar o reviver dessas experiências, Oesterheld criou como co-protagonista e narrador da série, a personagem de Ezra Winston, um antiquário amigo de Mort, que tem as feições do desenhador Alberto Breccia.
 O próprio Oesterheld é o primeiro a reconhecer a importância do desenho de Breccia para o sucesso de Mort Cinder, ao dizer: “Há sofrimento, tormento em Mort Cinder. Isso reflecte talvez o meu estado de alma particular, mas o essencial dessa atmosfera vem de Breccia. Há uma quarta dimensão no seu desenho, uma capacidade de sugestão que o distingue da maioria dos desenhadores que conheço. É essa força constantemente aplicada, que dá ao seu desenho todo o seu valor e inflama a imaginação dos argumentistas.”
E o trabalho de Breccia, desenhador de origem uruguaia que fez carreira na Argentina, é não só sugestivo, mas extraordinariamente inovador, misturando as mais diversas técnicas, desde o uso de colagens à utilização de lâminas de barbear como espátulas, para criar páginas únicas, com um preto e branco de alto contraste, que influenciou artistas como José Muñoz e Frank Miller, que no seu Sin City foi beber directamente ao trabalho de Breccia em Mort Cinder.

A luta dos cangaceiros, homens a meio caminho entre o salteador e o guerrilheiro, que combatiam a lei no sertão brasileiro nas primeiras décadas do século XX tem conhecido as mais diversas abordagens, desde a literatura de cordel, o cinema, com filmes como O Cangaceiro, de Lima Barreto (1953), ou Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1964) e, naturalmente, a BD, onde para além de diversos autores brasileiros, grandes nomes europeus como Hermann (Caatinga) ou Hugo Pratt (La Macumba du Gringo) abordaram o fenómeno. Em Bando de Dois, Danilo Beyruth revela-se à altura de tão ilustres antecessores, ao criar uma história de vingança, que em termos de planificação e enquadramentos, vai beber muito aos Western Spaguetti de Sérgio Leone. História dura e violenta, contada com grande dinamismo e eficácia, Bando de Dois arrecadou todos os principais prémios da indústria brasileira aquando da sua publicação original em 2010, encerrando assim com chave de ouro a colecção Novela Gráfica.
Publicado originalmente no jornal Público de 01/05/2015

Sem comentários: