sábado, 9 de junho de 2012
Sangue Violeta e outros contos de Relvas
Uma das novidades editoriais lançadas no último Festival de BD de Beja, “Sangue Violeta e outros contos” recupera, quase trinta anos depois da sua publicação original, três histórias feitas por Fernando Relvas para o Jornal “Se7e”, publicação que, após o fecho da edição portuguesa da revista “Tintin” em 1982, serviu de porto de abrigo a Relvas, que aí publicou alguns dos seus melhores trabalhos, durante a maior parte da década de 80 do século XX. Trabalhos como “Sangue Violeta”, Tax Diver” e “Sabina”, que este livro recupera para o público do século XXI e para todos aqueles que, como eu, compravam o “Se7e” por causa do Relvas e ainda guardam algures os recortes dos jornais. Publicadas originalmente entre 1983 e 1984, estas três histórias são bem o exemplo da versatilidade do trabalho de Relvas e da forma como o autor interagia com os leitores do jornal. “Sangue Violeta”, o conto que dá nome ao livro, é a história nada linear de uma jovem desajustada e anti-social transformada em estrela rock, que assinala o regresso de Relvas à temática humorística em que se iniciou com o “Espião Acácio”, adaptando o seu estilo ao novo tipo de histórias, tornando-o mais caricatural e muito mais detalhado (veja-se uma das imagens que escolhi para ilustrar este texto, com o punk a telefonar à mãe a avisar que não vai almoçar, onde é visível um caracol ganzado e um elefante cor de rosa – o que, numa história a preto e branco, convenhamos que não é nada fácil...). Cheia de personagens bizarros, como o irmão Lince, é aqui que vai aparecer pela primeira vez Karlos Starkiller, jornalista de ponta, o único personagem constante ao longo de toda a obra de Relvas. Publicado num jornal dedicado à música e ao cinema, “Sangue Violeta” goza com os punks de fim-de-semana, com as bandas portuguesas da época e mesmo com músicos pop internacionais, como David Bowie, Nina Hagen e Boy George (claramente, um ódio de estimação de Relvas, poisjá tinha aparecido em “Sabina”), em páginas cuja planificação remete para a estética punk das colagens. Tão delirante como divertido, “Sangue Violeta” mostra que Relvas escreve tão bem como desenha, mesmo que essa escrita raras vezes esteja ao serviço de uma narrativa coerente. Segue-se “Tax-Diver”, um pequeno romance de Verão, com laivos de policial, que acaba tão bruscamente como a época alta e o livro termina com “Sabina”, outra personagem feminina de Relvas cheia de personalidade. A primeira das histórias deste livro a ser desenhada, num magnífico preto e branco, cheio de garra e elegância, “Sabina”, é a narrativa “on the road” das aventuras de uma rapariga que vai para o Algarve num carro roubado para conhecer um famoso artista rock. Para além dos delírios habituais que incluem uma manada de camelos e discos voadores, Sabina merece destaque pela caricatura certeira que Relvas faz das várias tribos urbanas, e pelas interessantes experiências gráficas com tramas, a fazer lembrar Alberto Breccia, que não tiveram sequência em posteriores trabalhos. Parabéns à El Pep pela recuperação destas pérolas esquecidas de um dos nossos melhores autores de BD, numa bela edição que peca apenas por não publicar as histórias na ordem cronológica em que foram publicadas, nem indicar as datas de publicação originais. Esperemos que esta edição tenha o sucesso merecido, pois não faltam coisas interessantes do Relvas para reeditar, começando, naturalmente, pelo mítico "Espião Acácio”. (“Sangue Violeta e outros contos”, de Fernando Relvas, El Pep, 106 pags, 12,00 €)
Versão integral do texto publicado no "Diário As Beiras" de 08/06/2012
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