quinta-feira, 16 de junho de 2011

Transeforme, as metamorfoses de Moebius na Fundação Cartier

Depois de ter exposto dois cadernos de croquis de Moebius, em 1999, no âmbito da exposição 1 Monde Reél, mostra que explorava as ligações entre a realidade, a ficção e a ficção científica, a Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, regressou ao universo de Jean (Moebius) Giraud, com Transeforme, uma grande mostra que ocupou todo o espaço da Fundação entre 12 de Outubro de 2010 e 13 de Março de 2011.
Subordinada ao conceito da metamorfose, bem presente na obra de Moebius, a mostra da Fundação Cartier fez justiça ao impressionante universo visual de Moebius, através de uma grande exposição, com uma forte componente multimédia, que foi um sucesso junto do público e da crítica especializada. Espalhada por dois pisos do edifício da Fundação Cartier, a mostra estava dividida em duas partes. A primeira, correspondente ao piso térreo, está dividida em seis núcleos, correspondendo aos principais personagens que marcam a obra de Jean Giraud, incluindo o próprio Moebius, que abre o percurso expositivo com um núcleo de auto-retratos, centrado na série Inside Moebius. Segue-se Blueberry, Arzach, o Major Grubert, John Difool e Stel e Atan, os protagonistas da série Le Monde D’ Edena.
Em termos de exibição do material exposto, a exposição seguia aquela que deve ser a nova moda expositiva (pois já o novo Museu da BD em Angoulême segue esse mesmo esquema), com os quadros na parede a darem lugar a mesas-vitrine corridas, que permitem colocar lado a lado, pranchas originais, objectos e material impresso. Neste caso as mesas-vitrine tinham uma disposição que pretendia simular a forma do anel de Moebius, enquanto as fachadas de vidro do edíficio acolhiam grandes ampliações, com mais de três metros, de desenhos de Moebius. Do lado da entrada, a imagem a cores que foi usada no cartaz, do outro lado, reprodução de um desenho do port-fólio 40 Days dans le Desert B, numa demonstração evidente de como os desenhos de Moebius aguentam perfeitamente uma grande ampliação.
Ao ter, lado a lado com as versões impressas, os originais das principais obras de Moebius (a excepção é Les Yeux du Chat, cujos originais Moebius ofereceu como prenda de casamento a Jean-Pierre Dionet… e que este perdeu durante a lua de mel) um pormenor que realça imediatamente é que, ao contrário do que é habitual na maioria dos autores, os desenhos de Moebius muitas vezes são desenhados num formato inferior àquele em que vão ser publicados, algo evidente na série Arzach e nos cadernos do Major Grubert. Por outro lado, na série Blueberry, os formatos variam de álbum para álbum, embora a maioria seja desenhada em meias páginas em formato A3, como é o caso de Mister Blueberry, que podia ser lido num grande volume encadernado com as reproduções facsimiladas das pranchas originais.
Ainda no piso térreo, estava em exibição La Planète Encore, um filme de 8 minutos em 3D, baseado num episódio de Le Monde D’ Edena, e que, a seguir ao Avatar, de James Cameron, foi, de longe, a mais impressionante utilização da tecnologia 3D que tive ocasião de ver!
A segunda parte da exposição, que ocupava o piso subterrâneo, desenvolvia o tema da metamorfose na obra de Moebius, com uma das paredes, que a pintura transformou no Deserto B, a receber uma série de quadros de Moebius, enquanto a parede oposta estava ocupada por reproduções em muito grande escala dos desenhos de Le Chaseur Deprimé, a última aventura do Major Grubert, ficando a parede do fundo para outros trabalhos, como os desenhos sobre as faunas de Marte. Além disso, havia uma série de torres cúbicas que nasciam do chão e que tinham na face superior, reproduções de ilustrações de Moebius, iluminadas por trás, o que as tornava ainda mais espectaculares.
Nesta segunda parte da exposição, a componente multi-média ficava a cargo de Metamoebius, um filme documentário relativamente interessante, escrito e realizado por Damian Pettigraw, que tentava reproduzir, sem grande sucesso, o ambiente da série Inside Moebius e que estava à venda em DVD na loja da Fundação, no 2º piso. Uma loja onde, além dos livros de Moebius e do excelente catálogo, já esgotado, era possível comprar diverso mershandising moebiusiano, desde imãs para frigoríficos, lápis de cor, até livros para colorir, num bom exemplo de como a Fundação Cartier trabalha os diferentes públicos e explora comercialmente todas as potencialidades das exposições que promove.
Se em França, o facto de um autor de BD ter a sua obra exposta num museu com o prestígio da Fundação Cartier, já há muito que não é propriamente novidade (na altura em que visitei a exposição, em Dezembro, de 2010, só em Paris havia mais duas exposições de BD em Museus: a mostra Cent Pour Cent, em que participaram os portugueses António Jorge Gonçalves, Filipe Abranches e Luís Henriques, estava na Biblioteca Fornay; enquanto que a exposição Archi & BD: La Ville Dessinée, estava na Cité de l’Architecture et du Patrimoine), não deixa de ser verdade que esta exposição, até pelo impacto que teve em termos de comunicação social, ajudou a fazer chegar o fabuloso trabalho de Moebius junto de um público mais alargado do que o dos meros fãs da Banda Desenhada.
Texto originalmente publicado no BD Jornal nº 27, de Maio de 2011








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