terça-feira, 10 de maio de 2016

Super-Heróis DC 12 - Batman: O Regresso do Joker

Como prometido, prossegue a publicação diária dos textos para a Colecção Super-Heróis DC que faltava colocar no blog, com O Regresso do Joker, um dos melhores livros desta colecção que não teve o espaço que merecia no texto do Público. neste caso, não é grave, pois o editorial também é meu. Um editorial que, curiosamente, foi escrito para a primeira colecção da Levoir dedicada à DC e que na altura acabou por não sair, pois o livro foi vetado pela Panini, por na altura estarem a ser distribuidas nas bancas as sobras das edições brasileiras que traziam as histórias do Batman do Snyder e do Capullo. Mais de um ano depois, o texto foi finalmente publicado, mas com pequenos cortes impostos pela DC.

JOGO DE MÁSCARAS

No mais conseguido dos filmes que fez para Hollywood, John Woo, o mestre do cinema de Hong Kong que revolucionou os filmes de gangsters, com obras como The Killer, ou A Better Tomorrow, filma uma intriga em que Nicolas Cage, no papel de um criminoso e John Travolta, como o polícia que o persegue, trocam literalmente de cara, e assumem a vida um do outro, transformando na sua máscara, o rosto do seu inimigo. Esse filme chama-se Face Off e esse título encaixaria como uma luva à história do Batman que vão ler de seguida, pois se no filme de Woo o rosto do rival se transforma na máscara de cada um dos protagonistas, o que permite a Travolta e a Cage jogar com os tiques de representação do parceiro, o Joker aqui vai ainda mais longe e transforma o seu próprio rosto na sua máscara.
Na sequência da reformulação das revistas do universo DC com o lançamento da linha Novos 52, o maior dos vilões desse universo, o Joker, esteve ausente das páginas da principal revista do Batman durante um ano, enquanto, como já vimos nesta colecção, Scott Snyder e Greg Capullo enriqueciam a mitologia do Cavaleiro das Trevas, introduzindo a Corte das Corujas, uma sociedade secreta que controlava os destinos de Gotham há mais de uma centena de anos. Apenas terminada essa saga, o Joker regressou pelas mãos de Snyder e Capullo, numa das mais perturbadoras histórias do Batman de sempre, em que a tensão psicológica e o terror atingem níveis muito elevados.
Como o próprio Snyder refere numa entrevista, “o que aconteceu foi que a DC queria afastar o Joker para dar espaço a novos vilões que estavam a ser criados no âmbito da linha Novos 52, e eu disse-lhes que tinha uma ideia para uma história do Joker mais à frente. Tony (S. Daniel, o escritor da revista Detective Comics) tinha-se lembrado de um par de maneiras de fazer o Joker desaparecer por uns tempos. Falámos sobre essas diferentes hipóteses, de que ambos gostávamos e chegámos à conclusão que a história que mais lhe interessava contar, podia encaixar muito, muito bem na minha história”.
E foi assim que, no nº 1 da nova revista Detective Comics, em Novembro de 2011, o Joker se deixa capturar pelo Batman e é levado para o Asilo Arkham, onde convence o Dollmaker a remover-lhe cirurgicamente o rosto. Rosto que é deixado pregado como uma relíquia na parede da sela, enquanto o Joker, tal como uma serpente que deixa para traz a antiga pele, desaparece deixando o que resta da sua face na mão das autoridades.
Só no nº 12 da revista Detective Comics, numa história curta de James Tynion IV, um jovem escritor lançado por Snyder no mundo dos comics, ilustrada por Szymon Kudranski, cujo título The Tell Tale Face, remete para The Tell Tale Heart o conto de terror de Edgar Alan Poe, o peso da presença da cara do Joker na esquadra de Gotham é evocado, numa história que prepara o leitor para o eminente regresso do sorridente vilão, cujo rosto descarnado é escondido pelas sombras e que, por isso foi escolhida para abrir este volume.
Assim, depois de um ano desaparecido, planeando o seu regresso, o Joker está de volta, para atacar o Batman através daqueles que lhe são queridos, mas primeiro vai recuperar o seu rosto, numa impressionante sequência, em que, jogando com as sombras e sugerindo muito mais do que mostram, Snyder e Capullo criam momentos de puro terror. Momentos que culminam, no final do primeiro capítulo, com a revelação da nova imagem do Joker, em que o rosto que perdeu se transforma na sua máscara, uma máscara presa à carne viva por correias de couro. Uma imagem fortíssima, que não consegue deixar de evocar um ícone do terror cinematográfico, o personagem Leatherface do filme Texas Chain Saw Massacre, de Tobe Hopper.
E se virmos bem, mais do que uma saga de super-heróis, este O regresso do Joker, é uma história de terror psicológico, o que acaba por ser natural, pois tanto Scott Snyder como Greg Capullo têm grandes ligações ao género. Capullo estreou-se na BD ilustrando Gore Shriek, um comic de terror para adultos, enquanto Snyder, ainda antes de se dedicar à BD, se estreou como escritor em 2006 com Voodoo Heart, uma recolha de contos de terror, dois dos quais foram selecionados por Stephen King para a antologia The Best American Short Stories, de 2007. O mesmo Stephen King que vai colaborar com Snyder em American Vampire, a série que este último lançou na Vertigo em 2010 e que o tornou um nome popular e prestigiado junto dos leitores de comics.
Mas, embora crie uma história que acentua o lado negro do Cavaleiro das Trevas, Snyder não esquece o contributo dos autores que o antecederam para a mitologia da personagem e do seu maior inimigo. Assim, se o título original desta saga, Death of the Family, remete para o clássico Death in the Family, de Jim Starlin e Jim Aparo, em que o Joker mata Jason Todd, o segundo Robin, essa não é a única das grandes histórias com o Joker a ser evocada. Ao colocar o Joker a reencenar alguns dos seus crimes mais famosos, Snyder homenageia histórias clássicas, como The Killing Joke, de Alan Moore e Brian Bolland, já publicado na 1ª série dedicada ao Universo DC, The Man who Laughs, de Ed Brubaker e Doug Mahnke e o incontornável Asilo Arkham de Grant Morrison e Dave McKean, também já editado pela Levoir. O que não impede que este Regresso do Joker, pela forma como explora a relação do Batman com os seus amigos e aliados mais próximos e como estes, ao tornarem-se alvos preferenciais do Joker, se revelam a sua maior vulnerabilidade, se aproxime até mais de outro título publicado já publicado pela Levoir, em que a participação do Batman é bastante limitada. Refiro-me à Crise de Identidade, de Brad Meltzer e Rags Morales, que mostrava que a maior fragilidade dos super-heróis residia na incapacidade de proteger aqueles que amam e lhes são próximos, dos ataques dos seus inimigos.
Se o talento de Snyder para escrever histórias do Batman inesquecíveis, já não é surpresa para ninguém desde o magnífico Black Mirror, a escolha de Greg Capullo para ilustrar o Batman na principal revista da linha Novos 52, foi recebida com surpresa, pois o desenhador, cuja carreira está sobretudo associada à sua colaboração com Todd McFarlane na série Spawn, durante perto de vinte anos, estava longe de ser uma escolha óbvia para desenhador do Cavaleiro das Trevas.
Mas a verdade é que Capullo revelou-se um dos melhores desenhadores do Batman deste século, adaptando o seu estilo, bastante mais legível sem a arte-final de McFarlane, às necessidades da personagem e influenciando a própria narração de Snyder. Um escritor que, embora habituado a escrever argumentos extremamente detalhados, em que nada é deixado ao acaso, foi gradualmente dando maior autonomia a Capullo, que nesta história assume a principal responsabilidade pela planificação e colabora também na própria evolução da história. Como refere Snyder, “no fim de contas, o que Greg (Capullo) traz para a história não é só o que está na página, em termos artísticos. De um ponto de vista visual, ele discute a história comigo e contribui com ideias. Ele é realmente o co-autor, o co-criador das histórias. Quem gosta deste Batman devia agradecer ao Greg Capullo, porque ele é fundamental em fazer do Batman aquilo que é aqui.”
O efusivo endosso de Snyder não ficou por aqui: “O Greg Capullo é um mestre da expressão. Ele é mesmo, mesmo bom a fazer com que as personagens contem a história através de expressões faciais e gestos, e também é mesmo, mesmo bom tanto em sequências de acção como em cenas estáticas. Com o Greg, em vez de ter personagens a conversar longe do leitor, tento sempre mantê-las próximas, porque sei que ele é óptimo a acrescentar subtilezas às expressões delas”.
Conciliando tradição e modernidade, Scott Snyder e Greg Capullo construíram uma das melhores histórias do Batman da última década, trazendo uma dimensão ainda mais icónica ao mais carismático dos vilões do Universo DC. Uma história única, tão sombria como espectacular, que os leitores portugueses também vão poder descobrir já a seguir.

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